Thursday, November 04, 2010




Boa arte é intemporal

Pedro J. Bondaczuk

O critério para avaliação de uma obra de arte é (e sempre deve ser) a qualidade técnica, criatividade, correção, pertinência, originalidade etc. e jamais a época em que foi elaborada.
Os quadros de um Rembrandt, de um Rubens ou de um Rafael, entre outros mestres da pintura, parecem ter sido pintados ontem, tal sua perícia e oportunidade e não há já alguns séculos, como de fato foram. Assim são as sinfonias de Beethoven, os acordes de Chopin, a grandeza melódica de Johann Sebastian Bach ou a genialidade musical de Mozart. E as esculturas (por que não?), de Auguste Rodin ou de Victor Brecheret.
Querer datar obras de arte, e atribuir-lhes valor apenas pela época em que foram elaboradas, é não entender nada do riscado. Infelizmente, porém, muita gente é assim. Age como se todos os artistas de hoje fossem gênios, e os do passado, rematados imbecis.
São os tais adeptos dos modismos e de uma pretensa modernidade, que na verdade nem têm. São arcaicos, antiquados e (cabe aqui um superlativo) antiquadíssimos até em seus gostos e critérios. No passado, muita gente também agiu assim. Portanto, também nesse aspecto, não há “nada de novo no front”. Ou seja, nem nisso são originais.
Acordei, dia desses, com determinada música no ouvido, que insistia em vir à memória com força, o dia todo, sem parar. Não se tratava de nenhum rock, ou aché ou algum desses tantos ritmos exóticos (quando não ridículos) e caricatos da moda. Era melodia antiga, antiqüíssima, de 1951, quando eu era um menino de oito anos de idade, com a cabeça cheia de sonhos e o coração repleto de poesia.
Aos poucos, também a letra foi desfilando, nítida, completa, inteira, na memória, como se eu a tivesse ouvido na véspera. Tratava-se de um baião, mas não de Luiz Gonzaga, como poderia se pensar, mas de Hervê Cordovil, e que fez estrondoso sucesso na época, gravado por um monte de cantores (não mencionarei nenhum, para não cometer injustiças). Ouvi-a uma quantidade de vezes sem fim no rádio e nunca me enjoei dessa música.
A letra, em sua singeleza e brejeirice, é um delicado poema de amor, delicioso para os ouvidos de quem, como eu, ama profundamente a poesia. Não tem, como as de hoje, nenhuma alusão escatológica, que deixe nem que remotamente implícito (como as atuais deixam) que o amor não passa de mera relação sexual. Passa, evidentemente. É muito mais do que isso!!! Pobre de quem não tem esse entendimento. E são muitos que não o têm, creiam-me!!!
Sintam o lirismo, o encanto, a brejeirice e o frescor da letra do baião “Esta noite serenou”:

“Morena quem te contou
que esta noite serenou?
Eu, deitado no teu colo,
sereno não me molhou.

Se caísse chuva forte, morena,
eu talvez não sentiria.
Teu amor é uma guarita, morena,
onde eu me esconderia.
Tão bom, tão bom, tão bom.

Se fizesse muito frio, morena,
eu talvez não sentiria.
Eu deitado no teu colo, morena,
teu amor me aqueceria,
tão bom, tão bom, tão bom”.

Como se vê, é uma letra simples, sem pirotecnias verbais, sem metáforas esquisitas e sem sugestões escatológicas. Dei-a para um amigo, poeta consagrado, ler, sem dizer do que se tratava, e ele ficou maluco com tanta beleza. E ficou admiradíssimo quando lhe disse que se tratava de letra de um baião.
Prometo, solenemente, que, tratarei deste ritmo, que já foi tão popular, país afora (e não apenas no Nordeste, de onde é originário) e que hoje, por conta dessa baboseira de “modernidade”, anda um tanto esquecido, oportunamente.
Quem não se lembra desta vertente musical, não sabe o que está perdendo. Pelo menos tem melodia, harmonia e balanço (além de letras que fazem sentido e têm mensagens), ao contrário de muito rock bate-estaca que há por aí, com letras em inglês, que as pessoas papagueiam e de forma ridícula e absurda e errada, sem que tenham a mínima, a mais ligeira noção do que significam.

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