Thursday, November 25, 2010




Os poetas das águas

Pedro J. Bondaczuk

Vinte e dois de março foi o Dia Mundial da Água. A data destina-se a tentar conscientizar as pessoas da necessidade de preservar este indispensável recurso, aparentemente abundante, mas na verdade sumamente escasso e fundamental à vida, animal e/ou vegetal (sem ele, ela é, com certeza, impossível).
Fôssemos, de fato, racionais, esse tipo de evento não seria necessário. Nossa racionalidade, porém, esbarra, amiúde, na nossa estupidez e temos o suicida hábito de depredar justamente o que nos é essencial. O que fazer?
Embora o Planeta seja constituído, majoritariamente, por água, apenas cerca de 2% dela são potáveis. O restante... Não nos serve para beber, cozinhar, regar plantas etc.etc.etc. Damos valor imenso ao petróleo, que está prestes a se esgotar. Queiram ou não, todavia, este produto de decomposição orgânica transformou, para pior evidentemente, nosso domo cósmico, embora achemos que não e, pelo contrário, consideremos uma preciosidade, uma riqueza cobiçada por bilhões, pela qual pessoas estão dispostas a se matar se preciso for.
Sem o óleo, bem ou mal, todavia, temos condições de viver. Nossos antepassados não viviam, até o século XIX? Por que também não poderíamos?! Contudo, apontem-me um ser vivo, um único e reles, que consiga viver sem água.
No entanto, poluímos e contaminamos com toda espécie de porcaria esses escassíssimos 2% ao nosso dispor, emporcalhando lagos, fontes, córregos, riachos, ribeirões e rios, com toda a sorte de lixo, esgotos e o que há de mais nojento. Por que? Porque o suposto Homo Sapiens ainda precisa evoluir muuuito para ter um tiquinho de sabedoria.
Minha intenção, porém, não é a de escrever um artigo a respeito, até porque prefiro falar de Literatura, tema a que estou mais afeito e que é a minha paixão. Mais especificamente, venho tratar de três escritores que, dada sua temática preferencial, são chamados, com justiça, de “poetas das águas”.
Uma delas, na verdade, é poetisa e das mais inspiradas e premiadas. Muitos e muitos outros escritores poderiam ser designados dessa maneira, mas para não me dispersar e não me alongar em demasia (já que este texto não se trata de um ensaio), vou me concentrar nestes três.
O primeiro deles é o matogrossense Alcides Werk (1934-2003), que em 1954 se fixou no Amazonas e cantou, como poucos até hoje já o fizeram, com beleza, criatividade e verdade, a floresta e os rios da região.
Seu livro “Trilha D’Água”, que esgotou quatro edições (raridade em se tratando de poesia), é um hino de amor à maior bacia hidrográfica do Planeta, que tem que ser preservada a todo o custo para as gerações futuras, caso pretendamos ter um futuro. Se não o fizermos, certamente não teremos.
Sintam o encanto e a magia deste seu poema de amor às águas:

Da noite do rio

Nesta noite sem medida
Eu todo banhado em sombras
Fugi de casa, fugi
Para o branco desta praia,
Como se a aurora que busco
Neste rio se afogou.

Procuro acordar o rio
Que está cansado de viagens
Para ver se me alivio
Da morte que trago em mim
Com falas de cobras grandes
E de mortos pescadores
Que fazem parte do rio
E estã assim como estou.

No céu repleto de nuvens
Há nuvens cheias de chuva
Por que não chove? Quisera
Molhar-me dentro da noite,
Tremer de fome e de frio
Por remissão dos meus males
Deixar meu corpo vazio
Guardando o castelo inútil
E partir buscando a aurora
Para que venha depressa
Banhar as águas do rio
E minha face marcada
Dos ventos com que lutei!

A belenense Olga Savary, nascida em 21 de maio de 1933, de pai russo (mas com ascendência francesa, alemã e sueca) e mãe brasileira, é aclamada pela crítica e laureada com os mais importantes prêmios literários, entre os quais o cobiçado Jabuti.
Seu primeiro livro, “Espelho provisório”, foi publicado em 1970 pela Editora José Olympio. Dada sua temática, merece, sem dúvida, a designação de “Poetisa das Águas”. Seus poemas foram utilizados como matéria de palestras e cursos de Literatura em universidades do Rio de Janeiro, Pernambuco e São Paulo e em vários centros universitários do exterior, ou seja, em diversas instituições dos Estados Unidos, Europa e Ásia. Dela, trago, à sua apreciação, o poema abaixo:

Água água

Menina sublunar afogada,
Que voz de p´rata te embala
Toda desfolhada?

Tendo como um só adorno
O anel de seus vestidos,
Ela própria é quem se encanta
Numa canção de acalanto
Presa ainda na garganta.

O cuiabano Manoel de Barros, por sua vez, nascido em 19 de dezembro de 1916, é um dos meus poetas preferidos. Êta sujeito que sabe poetar bem! E com simplicidade, posto que com grandeza. Sua obra é profusa e magistral, publicada, além de no Brasil, na França, Portugal e Espanha. Prêmios? Ganhou uma infinidade! Sei de pelo menos doze deles. Embora não se intitule assim, considero-o o legítimo “Poeta das Águas” brasileiro.
Dele, trago como exemplo, este pequeno trecho de um poema que é bastante extenso e que lhe recomendaria, caro leitor, que o lesse por completo em outro espaço:

Mundo pequeno

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal, há um menino e suas latas maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubece um pouco,
Os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa,
Ele me rã.
Ele me árvore.
De tarde, um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.

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Espero ter dado, dessa forma, com transcendência e beleza, minha humilde colaboração para a valorização desse bem tão precioso à vida (e no entanto tão escasso), que é essa substância que compõe mais de 85% do nosso organismo. E que, rapidamente, adquiramos tamanho nível de consciência, que seja dispensável uma data como o Dia Mundial da Água. Ou isso acontece ou... Cada qual conclua por si o que acontecerá.

Acompanhe-me no twitter: @bondaczuk

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