Democracia em risco
Pedro J. Bondaczuk
O renascimento da democracia na Argentina, no Uruguai e agora no Brasil despertou grande euforia em várias partes do mundo, o que não deixa de ser bastante justificável. Afinal, os casos brasileiro e argentino envolvem os países mais populosos e de maior peso econômico, militar e cultural da América do Sul.
O Uruguai, por seu turno, antes do hiato de exceção que conheceu até o dia 1º de março passado (quando da posse de Júlio Maria Sanguinetti), sempre teve grande tradição de solidez institucional, chegando a ser conhecido internacionalmente como a “Suíça sul-americana”. É justo que a virada democrática dos três seja festejada.
Preocupada com a redemocratização verificada no chamado “Cone Sul”, a opinião pública mundial não vem dando, contudo, a devida atenção ao que está ocorrendo em dois países andinos, Peru e Bolívia, onde determinados grupos, interessados na desestabilização dos respectivos regimes, vêm contestando (e até confrontando) os governos de Lima e La Paz.
Ambos estão às vésperas de eleições presidenciais. Os peruanos, dentro de 25 dias, conforme o previsto em sua Constituição. Os bolivianos, de forma antecipada no mês de julho próximo, numa tentativa desesperada (e louvável) do presidente Hernan Siles Zuazo de evitar um golpe e o retorno aos dias negros da ditadura.
É incompreensível, ao analista político sério e desvinculado de compromissos ideológicos, a atitude de determinadas alas da Central Operária Boliviana, entidade que firmou grande tradição de luta nos dias mais negros da opressão na Bolívia.
É fato conhecido de todos que a inflação daquele país, como se fosse um foguete desgovernado e sem direção, arrasou com a economia doméstica da classe trabalhadora. O país está em verdadeiro colapso econômico e a população se vê às voltas com a privação até de gêneros alimentícios essenciais à subsistência. Isto é, a comida está a um preço proibitivo e é extremamente escassa, insuficiente para o abastecimento de todos.
Mas pregar, por este motivo, a deposição de um governo democrático legalmente constituído, que mantém em vigor todas as garantias (inclusive de greve) é, francamente, uma temeridade, senão uma rematada loucura.
A COB já está, até mesmo, pregando abertamente em praça pública, a criação de um regime marxista na Bolívia, como se isso fosse a salvação para essa pobre República andina e como se tudo fosse tão fácil e sem dolorosos efeitos colaterais.
Em primeiro lugar, as Forças Armadas, que vêm mantendo um comportamento exemplar em todo esse episódio, jamais permitiriam que o país enveredasse por tal caminho e embarcasse numa aventura desastrosa e irreal.
O que a confederação sindical boliviana está preparando, em última análise, é um fatal golpe de força, tendente a reativar o incômodo ciclo golpista, expediente em que a Bolívia é um dos recordistas mundiais.
No Peru, guardadas as devidas proporções, o processo é bastante idêntico e as possíveis conseqüências não são menos alentadoras. É indispensável que homens que se arrogam o papel de líderes exerçam de fato essa liderança. Com serenidade, com competência e sobretudo com os pés no chão.
A América do Sul está farta de arroubos aventurescos e inconseqüentes, ditados por mal digerida literatura ideológica. É hora, pois, de se cair na realidade e preservar, a todo o custo, a brisa de democracia que nos últimos dois anos sopra, de forma benfazeja, posto que ainda tênue, neste continente.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 20 de março de 1985).
Acompanhe-me no twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O renascimento da democracia na Argentina, no Uruguai e agora no Brasil despertou grande euforia em várias partes do mundo, o que não deixa de ser bastante justificável. Afinal, os casos brasileiro e argentino envolvem os países mais populosos e de maior peso econômico, militar e cultural da América do Sul.
O Uruguai, por seu turno, antes do hiato de exceção que conheceu até o dia 1º de março passado (quando da posse de Júlio Maria Sanguinetti), sempre teve grande tradição de solidez institucional, chegando a ser conhecido internacionalmente como a “Suíça sul-americana”. É justo que a virada democrática dos três seja festejada.
Preocupada com a redemocratização verificada no chamado “Cone Sul”, a opinião pública mundial não vem dando, contudo, a devida atenção ao que está ocorrendo em dois países andinos, Peru e Bolívia, onde determinados grupos, interessados na desestabilização dos respectivos regimes, vêm contestando (e até confrontando) os governos de Lima e La Paz.
Ambos estão às vésperas de eleições presidenciais. Os peruanos, dentro de 25 dias, conforme o previsto em sua Constituição. Os bolivianos, de forma antecipada no mês de julho próximo, numa tentativa desesperada (e louvável) do presidente Hernan Siles Zuazo de evitar um golpe e o retorno aos dias negros da ditadura.
É incompreensível, ao analista político sério e desvinculado de compromissos ideológicos, a atitude de determinadas alas da Central Operária Boliviana, entidade que firmou grande tradição de luta nos dias mais negros da opressão na Bolívia.
É fato conhecido de todos que a inflação daquele país, como se fosse um foguete desgovernado e sem direção, arrasou com a economia doméstica da classe trabalhadora. O país está em verdadeiro colapso econômico e a população se vê às voltas com a privação até de gêneros alimentícios essenciais à subsistência. Isto é, a comida está a um preço proibitivo e é extremamente escassa, insuficiente para o abastecimento de todos.
Mas pregar, por este motivo, a deposição de um governo democrático legalmente constituído, que mantém em vigor todas as garantias (inclusive de greve) é, francamente, uma temeridade, senão uma rematada loucura.
A COB já está, até mesmo, pregando abertamente em praça pública, a criação de um regime marxista na Bolívia, como se isso fosse a salvação para essa pobre República andina e como se tudo fosse tão fácil e sem dolorosos efeitos colaterais.
Em primeiro lugar, as Forças Armadas, que vêm mantendo um comportamento exemplar em todo esse episódio, jamais permitiriam que o país enveredasse por tal caminho e embarcasse numa aventura desastrosa e irreal.
O que a confederação sindical boliviana está preparando, em última análise, é um fatal golpe de força, tendente a reativar o incômodo ciclo golpista, expediente em que a Bolívia é um dos recordistas mundiais.
No Peru, guardadas as devidas proporções, o processo é bastante idêntico e as possíveis conseqüências não são menos alentadoras. É indispensável que homens que se arrogam o papel de líderes exerçam de fato essa liderança. Com serenidade, com competência e sobretudo com os pés no chão.
A América do Sul está farta de arroubos aventurescos e inconseqüentes, ditados por mal digerida literatura ideológica. É hora, pois, de se cair na realidade e preservar, a todo o custo, a brisa de democracia que nos últimos dois anos sopra, de forma benfazeja, posto que ainda tênue, neste continente.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 20 de março de 1985).
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