Monday, October 02, 2006

Tráfico de crianças


O escritor Coelho Neto – que tem forte ligação com nossa cidade, por ter lecionado no Colégio Culto à Ciência – escreveu, num de seus contos: “Todos os seres, todas as coisas aspiram à luz, que é a manifestação da beleza radiante”. Nos dias atuais, contudo, em que toda uma geração parece perdida, à procura de caminhos, tomada de um brutal desencanto, trevas morais têm ressaltado a “feiúra dominante”. A vida, este dom maravilhoso e raro, esta oportunidade única que nos é concedida, tem sido desvalorizada, tratada como algo penoso, eventual castigo de alguma divindade vingativa.
A revista latino-americana “Resumen”, na edição de junho de 1993, fez uma denúncia que chega a ser revoltante, pelo tanto de indignidade que envolve na ação de alguns seres humanos em relação a seus semelhantes. Diz a referida publicação que a “América Latina se transformou num viveiro de crianças, que são roubadas e vendidas para famílias do Primeiro Mundo”. Pessoas são tratadas como simples coisas que podem ser dispostas, negociadas, doadas ou até destruídas, de acordo com a conveniência e a vontade de seus “donos”.
Há tempos, as autoridades desconfiam que esse comércio de menores possui características muito mais perversas e criminosas do que o simples desejo de casais estéreis de possuírem, a qualquer custo, um filho. Meninas tailandesas, por exemplo, são vendidas em várias partes da Europa para exploração sexual. Embora revoltante essa constatação, há denúncias até mais pavorosas.
Recentemente, um jornal dos Estados Unidos – não me recordo qual – afirmou que há um crescente tráfico de crianças para aproveitamento dos seus órgãos em transplantes. Vidas, portanto, estariam sendo tiradas para salvar outras. Alguém está assumindo o papel de árbitro para julgar que algumas pessoas são mais importantes do que outras. Está decidindo quem “deve” viver e quem merece ser “sacrificado” para que outro viva.
Trata-se de coisa de louco, de algum paranóico, tão absurda, que se chega a duvidar que esteja ocorrendo. Mas está! A revista “Resumen” dá detalhes sobre esse comércio florescente de menores. Explica: “Famílias européias e dos Estados Unidos fazem contato com intermediários do Brasil, Chile, México e da Argentina, entre outros países do continente, que lhes vendem uma criança por um valor que pode chegar aos US$ 26 mil, dependendo da cor da pele e do tipo de cabelo escolhido pelo comprador”.
Diante da realidade, a ficção, por mais dura que seja e por mais criativo que um escritor possa ser, perde de longe em insanidade e perversidade. De nada vale a Declaração Universal dos Direitos Humanos se esse fundamental enunciado de princípios permanecer como mera “letra morta”. A vida, cada vida, toda vida, por mais inexpressiva e inútil que pareça ser, é importante, importantíssima, fundamental, posto que única.
Comportamentos como esses, dos que traficam seres humanos em troca de algo tão trivial e ilusório como é o dinheiro, assustam, revoltam, enojam. Preferimos seguir o conselho do poeta Ronald de Carvalho, quando escreve:
“Olha a vida, primeiro, longamente, enternecidamente
como quem a quer adivinhar...
Olha a vida, rindo ou chorando, frente a frente.
Deixa, depois, o coração falar...”

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 139 a 141, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).


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