Monday, October 23, 2006

Quem deu asas ao homem...




Pedro J. Bondaczuk

O escritor francês, Gustave Flaubert, escreveu, certa feita: “Creio que se olhássemos sempre o céu, acabaríamos tendo asas”. Mal ele sabia que suas palavras seriam proféticas. Que não tardaria para que chegasse o momento em que o homem, de fato, “voaria”, como os pássaros, ou até com maior perícia e segurança que eles. Não com asas naturais, claro, pois isso é uma impossibilidade biológica, mas em máquinas criadas pelo seu engenho, que encurtariam distâncias, uniriam povos e superariam suas limitações físicas. Não poderia, nunca, prever – mesmo que tivesse o máximo dom profético (que não tinha) – que essa forma de transporte se tornaria corriqueira um dia e que seria utilizada por milhões e milhões de pessoas, diariamente, nos mais distantes recantos do mundo, modificando (para melhor) a vida dos usuários.
E tudo começou com os sonhos de um menino, nascido em 20 de julho de 1873 nos trópicos, na minúscula Cabangu, na Serra da Mantiqueira (que hoje ostenta o seu nome), em Minas Gerais, no Brasil, neto de franceses. E, embora os norte-americanos tentem até hoje contestar essa sua primazia, atribuindo o primeiro vôo do mais pesado que o ar aos irmãos Wilbur e Orville Wright, não há como contestar milhares de testemunhas oculares, além de filmes e de registros fotográficos, da façanha do brasileiro, realizada na então “capital do mundo civilizado”, na Cidade Luz, como era conhecida e reconhecida a Paris do início do século XX.
Era um garoto normal para a sua idade, que sabia sonhar. E sonhava, sonhava e sonhava a não mais poder. É verdade que era um pouco calado e taciturno, como costumam ser os sonhadores e os gênios. Mas tinha um talento raro, uma vocação inata para a mecânica. Seu nome? Seria até escusado declinar, pois mesmo não tendo sua primazia unanimemente reconhecida, é, hoje, uma legenda, em termos de criatividade, de audácia e de eficiência em todos os recantos da Terra: Alberto Santos Dumont.
Trago este assunto à baila porque este 23 de outubro de 2006 (que assinala o 66º aniversário de outro gênio mineiro, este do esporte, Edson Arantes do Nascimento, o consagrado Pelé), assinala o centenário do seu grande feito. Foi nessa época que o mesmo garoto criativo de Minas Gerais, que tinha absoluta convicção de que o homem poderia voar, então com 33 anos de idade, provou ao mundo que estava certo.
Com um avião rudimentar, mas que tinha todos os principais componentes das aeronaves atuais (trem de aterrissagem, amortecedores, hélice de propulsão e leme), que ele mesmo construiu, às próprias expensas, e que batizou com o insólito nome de “14-Bis”, voou gloriosamente por 60 metros, no ar, no Campo de Bagatelle, em Paris, com a presença de toda a imprensa francesa, a nata do jornalismo na Europa e de uma multidão, incrédula no que via.
Não quero desmerecer o feito dos irmãos Wright, que não deixou de ter seus méritos de pioneirismo. Mas seu aparelho não pode ser considerado um precursor do avião, mas sim, do planador. Não tinha propulsão própria, foi alçado ao ar por uma catapulta e “voou” por no máximo dois metros, o que uma pedra ou outro objeto qualquer que venhamos a lançar no ar também o fará. Ademais, sem querer insinuar uma fraude (que era até possível, diga-se de passagem), sua façanha, que teria ocorrido em 17 de dezembro de 1903, foi (como os próprios irmãos admitiram em sua biografia) testemunhada por míseros cinco “gatos pingados”. Ademais, nada foi filmado, nada fotografado e nada, absolutamente nada, foi noticiado pela onipresente imprensa norte-americana.
Além disso, seu apregoado teste não ocorreu em Nova York, Washington, Los Angeles, San Francisco, Chicago ou qualquer outra grande cidade dos Estados Unidos. Teria acontecido (e por razões compreensíveis coloco sempre no condicional) num lugarejo conhecido como Kil Devil Hil, 4 milhas ao sul de Kitty Hawk, no Estado de Ohio. Creio que são raros, raríssimos os norte-americanos que conhecem esse lugar.
Santos Dumont era um ser humano tão especial, tão despojado e tão humilde que, ao contrário dos irmãos Wright e de outros tantos pretensos pioneiros da aviação, nunca quis patentear seus inventos. E não por falta de tino comercial, mas por generosidade. Sublime e generoso sonhador! Santos Dumont explicava, a todos que o interpelavam a respeito, que o avião que criou era a sua contribuição para o progresso da humanidade. E que contribuição!
A indústria aeronáutica é, hoje, uma das mais prósperas e bilionárias das tantas atividades industriais do mundo. Empresas gigantescas faturam bilhões e bilhões de dólares anualmente, nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia e no Brasil (com a Embraer). Mas a família do menino brasileiro, que tinha certeza de que o homem poderia voar, no entanto, jamais recebeu um mísero centavo de roialties por essa criação. Que não lhe tirem, ao menos, a primazia dessa fantástica invenção.

1 comment:

Marco Aurélio said...

Não tenho dúvidas de que ele é o inventor do avião. Mais um injustiçado como outros dois gênios brasileiros Villa Lobos e César Lattes.

Um abraço

Marco Aurélio