Wednesday, October 25, 2006
Inteligência e sensibilidade
Pedro J. Bondaczuk
O que devemos preservar com mais afinco? A inteligência, desenvolvida ao longo dos anos mediante o exercício e o estudo e que, em determinado período da vida, tende a se deteriorar? Ou a sensibilidade, com a qual nascemos, e que tínhamos quando crianças, mas que, na idade adulta, não raro abrimos mão, para a retomar (às vezes) apenas na velhice? Embora a maioria possa optar pela primeira, manda a prudência que cultivemos com mais atenção a segunda. Ou seja, que sejamos sensíveis, emotivos, apaixonados até em todos os nossos relacionamentos e em nossas realizações. É o que, há anos, procuro fazer.
Claro que o ideal seria ter as duas coisas simultaneamente, mas pela vida toda e não somente por um certo período, como em geral acontece. Mas isso, creiam, não é possível. Não, pelo menos, o tempo todo. O poeta Paulo Mendes Campos toma partido nessa controvérsia e explica a razão da sua opção: “Inteligência degenera com a idade, sensibilidade não; inteligência é desonesta, sensibilidade não”. Por isso, procuro ser, sobretudo, sensível, sem nunca ter vergonha de demonstrar minhas emoções. Não quero deixar que a criança que vive em mim definhe, esmoreça e um dia venha a morrer. Não morrerá! Prefiro cultivar o que é honesto e não degenera do que aquilo que talvez me dê mais prestígio, mas que pode me deixar na mão algum dia.
Estas considerações vêm a propósito de uma gravação conjunta em CD, feita pelos chamados três tenores – o italiano Luciano Pavarotti, o espanhol José Carreras Coll e Plácido Domingo, que apesar de ter nascido na Espanha (em Madri), tem o “coração” mexicano, pois foi no México, para onde se mudou aos oito anos de idade, que estudou, revelou seu talento para a música e iniciou sua vitoriosa carreira – que ganhei de um amigo.
É escusado dizer que se trata de uma preciosidade, em se considerando de quem se trata. Esse trio conseguiu o que poucos artistas conseguem em vida (e, postumamente, menos ainda), ou seja, a consagração mundial e num gênero que, convenhamos, não é dos mais populares. Os três, destaque-se, projetaram-se individualmente em suas respectivas carreiras e, quando decidiram se juntar, foi um “arraso”, como diriam os adolescentes. Basta lembrar que ganharam 14 discos de platina pelo sucesso de vendas de suas gravações.
Foi inesquecível, por exemplo, o recital que deram, acompanhados pela Orquestra Filarmônica de Los Angeles, em julho de 1994, no encerramento da Copa do Mundo dos Estados Unidos. Tiveram, com certeza, o maior público de todos os tempos que algum artista pudesse sequer sonhar (diria, delirar) em reunir algum dia: mais de dois bilhões de pessoas, Planeta afora (um terço da humanidade), assistiram, simultaneamente, a esse espetáculo, graças ao milagre da tecnologia.
Os três intérpretes, com estilos e trajetórias diferentes, rivalizam para se saber qual é o melhor. Eu diria, no caso, que há um rigoroso empate. E vou mais longe. Argumentaria como Mário Quintana fez em determinada ocasião. Certa feita, perguntaram-lhe quem ele achava que era o maior poeta do País. Sem titubear, respondeu: “Deixe disso. Nenhum poeta é cavalo de corrida para ser obrigado a chegar em primeiro lugar”. No caso, substituiria, apenas, a palavra “poeta” por “tenor”.
Luciano Pavarotti é o mais velho dos três. Nasceu em Módena, na Itália, em 12 de outubro de 1935. Cantou nos mais importantes teatros do mundo, como o Scala (Milão), a Royal Opera House, o Covent Garden (Londres) e o Metropolitan Opera House (Nova York). Já Plácido Domingo é natural de Madri, mas mudou-se com a família para o México, quando tinha somente oito anos de idade, onde fez os estudos musicais. Nasceu em 21 de janeiro de 1941. Estreou interpretando o personagem “Alfredo”, em “La Traviata”. Passou 24 anos na Israel National Opera, representando mais de 100 diferentes papéis em teatros de todo o mundo. Entre outras honrarias, conquistou oito Prêmios Grammy.
Finalmente, o catalão José Carreras Coll, o mais jovem dos três, nasceu em Barcelona, na Espanha, em 5 de dezembro de 1946. Estreou, com quase 24 anos de idade, no Gran Teatro del Liceo, de sua cidade natal, em 1970. Em 1983, fez enorme sucesso no concerto que a Orquestra Nacional de Espanha, dirigida por Jesus López Cobo, realizou na sede das Nações Unidas, em Nova York. Foi a partir de 1985 que se juntou a outros tenores, com o objetivo declarado (e bem-sucedido) de divulgar a ópera, atuando em cenários com ampla capacidade de espectadores, como ginásios de esportes e estádios de futebol. Em 1991, ganhou o cobiçado Prêmio Príncipe das Astúrias para as Artes.
Como destacar, pois, um deles como o melhor tenor do mundo? É preciso? É melhor, e mais justo, situá-los no mesmíssimo patamar, não é mesmo?. Estes três notáveis artistas (entre tantos outros) fazem com que eu aposte todas as minhas fichas na “honestidade” da sensibilidade, mesmo que para isso tenha que abrir mão, em parte, da talvez já decadente inteligência (espero que não, claro).
A propósito, encerro este estranho monólogo com o que o escritor polonês Henri Sienkiewicz (ganhador de um Nobel de Literatura e autor do best-seller “Quo Vadis”) escreveu no romance “Em vão”: “Sábio!...Sábio!...Sábio: palavra sonora e formosa! Mas...de que nos servirá o ser sábio, se nem sequer sabemos apertar o nó, se descuidamos da educação de nossos filhos, se deixamos nossa mulher sem amparo, se abandonamos nossos pais?”. Sim, de que nos valerá, se agirmos dessa maneira?
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