Tuesday, October 24, 2006

A família em pauta


A família, instituição que surgiu com o próprio homem e sobreviveu a tantas mudanças, cataclismas e perigos, passa por dramáticas transformações. Novas técnicas de procriação, a emancipação feminina e a permissividade sexual agem sutilmente no núcleo familiar. Para uns, esses são fatores de erosão. Para outros, embora traumático, trata-se de um processo natural de adaptação a novos comportamentos e a nova mentalidade. As mudanças em andamento são boas? São más? Apenas o tempo poderá mostrar, mediante o resultado final, nas próximas gerações.
A família foi o tema central da Campanha da Fraternidade de 1994. Requer profunda, séria e ponderada reflexão, já que é o elo de amor que prende cada um de nós aos semelhantes. É nela que nos sentimos – ou deveríamos nos sentir – amados, protegidos, importantes. É a primeira escola que temos, onde aprendemos desde o elementar para a vida – andar, falar, alimentar-se e cuidar do nosso corpo – a noções transcendentais, como Deus, pátria, solidariedade e dever, entre outras. Pelo menos deveria ser assim. Mas na maioria dos casos, não é mais.
Vários fatores externos estão fazendo das mudanças, que deveriam ocorrer naturalmente, sem traumas, em esfacelamento da família. O papa João Paulo II, em sua mensagem de Ano Novo de 1994, apontou as dificuldades que se verificam em todas as partes, fruto de um modelo perverso que, sutilmente, penaliza quem produz e concentra riquezas em mãos de poucos, como uma das principais causas dessa desagregação. No mundo onde a produção de alimentos é suficiente para nutrir pelo menos três vezes a atual população mundial, dois terços da humanidade estão ameaçados pela fome ou são vítimas da subnutrição.
A necessidade de batalhar o sustento da prole leva parte considerável dos pais a descuidar da educação dos filhos, privando-os do amor, da proteção, da atenção que eles tanto precisam num estágio da vida em que são tão desprotegidos e vulneráveis às influências externas. As crescentes carências e dificuldades fazem com que eles sejam considerados não mais os herdeiros, o elo da continuidade da espécie, mas um estorvo, uma fonte de preocupações e aflições. Milhões de menores, que por sua vez um dia irão procriar, são criados nas ruas, relegados ao abandono, nas selvas de cimento e asfalto em que as cidades se transformaram.
Sua visão da vida, da sociedade e de suas instituições será pautada, fatalmente, por essa experiência traumática. Tais pessoas acabarão por se comportar como feras, utilizando, na luta pela sobrevivência, a única ferramenta que foram condicionadas a usar: a violência. O criminoso descuido do passado com a formação dos menores está cobrando agora o seu tributo. Hoje, para se educar as crianças, é necessário faze-lo antes com seus pais.
Quem não teve família sólida e estável é incapaz de valorizar a instituição. Age, tão logo se acasala e procria, da maneira como foi “treinado”. Julga-se “dono” de sua prole, com poder para dispor sobre sua vida ou sua morte. Por não haver recebido instrução religiosa, não transmite aos descendentes nenhum desses princípios transcendentais. O poeta francês Charles Péguy chegou a ser profético quando, em 1912, sentenciou: “Os verdadeiros revolucionários do século XX serão os pais de família cristãos”. E não são? A distorção de valores é tamanha a ponto de eles serem considerados “raridades” por praticar simplesmente o bom-senso.

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 153 a 155, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).

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