Friday, October 09, 2009

Triste surpresa


Pedro J. Bondaczuk

A vida, a todo o momento, nos surpreende, ora de forma positiva, ora negativa, ora, não raro, trágica até. Acontecimentos inesperados nos ocorrem, sem que tenhamos a menor condição de prevê-los, e mudam, da noite para o dia, nossa situação (reitero, para melhor ou para pior).
Podemos, por exemplo, ganhar na loteria, ou na megassena, ou em outro sorteio qualquer alguns milhões de reais e com os palpites mais improváveis, após termos jogado por anos e passado raspando o grande prêmio em “n” ocasiões. É sempre uma possibilidade. Só não tem nenhuma chance, óbvio, quem nunca joga.
Outra possibilidade positiva é o surgimento de alguma ótima oportunidade profissional (uma inesperada promoção, por exemplo) que nos chegue no lugar certo e no momento oportuno, modificando, subitamente, nossa situação para melhor. Quando acontece, é outra surpresa gratificante. Só não teremos a menor chance disso acontecer se estivermos, claro, desempregados, ou se, mesmo tendo emprego, nos sentirmos desmotivados ou formos despreparados para as funções que nos competirem exercer.
Podemos, igualmente, ser surpreendidos no amor. A mulher dos nossos sonhos – aquela que tínhamos a certeza que seria a única que poderia nos fazer felizes, mas que parecia tão inacessível e distante – pode, subitamente, mudar de idéia.
De uma hora para outra, há uma chance, mesmo que remota, dela se dar conta de que somos seu parceiro ideal. E, para a nossa surpresa, e mais do que isso, nosso pasmo e estupefação, pode facilitar a conquista, ou, quem sabe, nos conquistar, enchendo-nos, dessa forma, de esperança e de felicidade.
Pode acontecer? Claro, mesmo que pareça improvável e que a chance a nosso favor seja de uma em um bilhão. Afinal, ocorrência inesperada, como esta, já aconteceu inúmeras vezes, e com diversas pessoas. Não deixa, pois, de ser, também, uma possibilidade para nós.
Temo, todavia, baseado na observação e na experiência que os muitos anos de vida me conferem, que as surpresas negativas são mais freqüentes e em muito maior número do que as favoráveis.
Podemos, por exemplo, nos equivocar na escolha de um sócio, que nos aplique um súbito e decisivo golpe e arruíne nosso negócio, que parecia tão próspero e promissor, deixando-nos dívidas e mais dívidas e uma montanha do tamanho da Cordilheira dos Andes de contas a pagar. E justo no momento em que não tenhamos recursos sequer para a manutenção pessoal.
Isso acontece, e a todo o momento, e não temos a mínima condição de evitar, embora quem esteja de fora ache que sim. É aquela história: pimenta nos olhos dos outros... Afinal, nenhum pilantra mau-caráter traz essa característica de malandragem estampada na testa. Da prosperidade à ruína, portanto, há apenas a distância de um passo, um simples e corriqueiro passo, embora custemos a acreditar.
Outra triste surpresa, que pode nos abalroar subitamente e fazer ruir nosso mundo, refere-se à vida conjugal. A mulher dos nossos sonhos, por exemplo, aquela à qual confiamos nossa vida, que julgávamos incorruptível, leal e rigorosamente fiel, pode estar nos traindo com quem julgávamos o “melhor amigo” sem que tenhamos a mínima suspeita.
Podemos fazer um papel ridículo por meses, anos e até décadas, sem que venhamos a desconfiar. Lá um belo dia, sem aviso ou previsão, no entanto, podemos flagrar, acidentalmente, o casal infiel na cama, mantendo relações sexuais, numa incontestável comprovação pessoal do delito, em que não reste o mais leve resquício de dúvida.
Aliás, esta é a mais amarga e, todavia, a mais comum das surpresas. Ocorre milhares, talvez milhões de vezes por dia, em várias partes do mundo. Mas quando somos nós os surpreendidos... Perdemos a cabeça e a compostura. Daí haver tantas tragédias conjugais recheando o noticiário policial dos meios de comunicação.
Somos surpreendidos, positiva ou negativamente, em geral por outras pessoas ou pelas circunstâncias. Mas as melhores e piores surpresas são as proporcionadas por nossa própria natureza. Podemos, de uma hora para outra, por exemplo, descobrir em nós algum talento que nunca antes suspeitávamos. Podemos detectar em nosso interior muito mais força, vigor e resistência do que supúnhamos.
Mas podemos, igualmente, prospectar taras incontroláveis, tendências perigosas, para nós e os que nos cercam, que façam de nós monstros em potencial. Podemos, por outro lado, subitamente, descobrir que temos alguma doença incurável, que nos limite a vida a alguns meses, quando não a semanas.
Nada disso, porém, é mais tristemente surpreendente do que isso que Machado de Assis constatou e revelou em um de seus romances, pela boca de um de seus personagens: “A velhice ridícula é a mais triste e derradeira surpresa da natureza humana”. E é circunstância para lá de comum, mas para a qual nunca estamos prevenidos.
Perder a dignidade, não importa em que situação ou por qual motivo, após uma vida inteira de disciplina, de trabalho, de sacrifícios e de abnegação, é simplesmente trágico e injusto! Ficar na dependência alheia, até para os mais comezinhos atos de sobrevivência, como comer, se vestir, se limpar etc., é dolorosíssimo para quem é vítima disso, além de ser sumamente constrangedor para os que o cercam. E, dependendo das circunstâncias, não há, sequer, a mais remota forma de prevenção contra tamanho constrangimento e tão triste surpresa da natureza humana.



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