Tuesday, October 27, 2009




Resistência das sementes

Pedro J. Bondaczuk

O homem evoluído, que tem consciência do seu papel no mundo e se empenha na sua realização (raridade em todos os tempos), sem esperar vantagem material, é, sobretudo, generoso. A evolução da espécie humana deve tudo a essas pessoas abnegadas, que surgem a cada geração, determinando saltos evolutivos desse estranho e precioso animal que pensa (ou pelo menos conta com essa capacidade), mas que nem sempre dá um sentido positivo ao pensamento.
Tais indivíduos são os responsáveis pelas descobertas científicas, pelo desenvolvimento das artes, pela Justiça, pela organização política e social, pelos sistemas econômicos e pela geração e veiculação de idéias. Sua característica marcante é a generosidade. Semeiam inteligência e princípios incansavelmente, sem sequer atentar para o "solo" onde as sementes irão cair. Dão oportunidade a todos os que queiram usufruir de sua ação, sem nenhuma espécie de preconceito ou discriminação.
Das dezenas de bilhões de pessoas que já viveram, desde o surgimento do homem na Terra, apenas alguns milhares são lembrados, e, assim mesmo, eventualmente. Os demais... O dramaturgo Berthold Brecht levanta a seguinte questão, em uma das suas peças: “Quem construiu as sete torres de Tebas? Os livros estão cheios de nomes de reis. Foram reis que arrastaram os blocos de pedra? Na noite em que a Muralha da China foi concluída aonde foram os pedreiros?”
As grandes obras, sejam de que natureza forem, portanto, não são garantias de imortalidade. Nada é! As pequenas...? Não será criando barreiras de preconceitos, nem arrotando a importância, que na verdade não se tem, e muito menos será pisando sobre os que não tiveram ou não souberam aproveitar oportunidades, que se construirão as bases para um cotidiano saudável. Serão a solidariedade, o amor e as genuínas amizades.
Khalil Gibran Khalil escreveu, em um de seus mais belos poemas: “A neve e a tempestade destroem as flores, mas nada podem contra a semente”. As guerras e as catástrofes naturais destroem as obras, mas são impotentes para destruir ideias. É isso o que precisamos “semear” vida afora.
Há pessoas que vivem 80 anos ou mais e quando morrem não têm nada para deixar, não apenas aos familiares, mas à comunidade em que viveram. Outras, deixam rastros de destruição, de ódio e de rancor e, quando são lembradas, as lembranças são de um pesadelo que passou.
Outras, todavia, desaparecem prematuramente, com uma bagagem de realizações tão grande que chega a ser desproporcional aos anos que viveram. Tenhamos em mente que foram as ideias (não foi a força), que tiraram o homem das cavernas, com a maior revolução já ocorrida em todos os tempos: a descoberta da agricultura.
Foi a ciência, e não o comércio, que ampliou os anos de vida desse animal frágil, exposto a um número incontável de doenças, e lhe proporcionou conforto e segurança. Foram as artes, e não as guerras, que deram sentido à vida, com a revelação da beleza. No entanto, tudo isso está sendo deixado de lado, trocado por acúmulo de "bens", que na verdade são "males".
Seria saudável a cada pessoa se, ao despertar, ela pensasse que esse dia pode ser o último de sua passagem na Terra. Pode parecer mórbido, mas não é. É um exercício de humildade. Da humildade que o homem perdeu e precisa recuperar. Esqueceu-se da sua efemeridade, arrotando um poder que em verdade não possui.
Falta ao ser humano – pelo menos à maioria – descobrir seu verdadeiro papel e exercitá-lo. Só assim este macabro inferno de violência, de injustiças e de egoísmo, poderá ser transformado em um lugar bom para se viver...
As boas ideias, as que são embriões das grandes obras e que, não raro, até revolucionam o mundo, surgem de repente, quando menos esperamos, como que por acaso. Devemos estar atentos, e, sobretudo, preparados, para não deixar escapar essas preciosas oportunidades, que raramente voltam a aparecer.
Alguns, chamam esses momentos especiais de “inspirações”, que de nada valem, frise-se, se não vierem acompanhados de ações, de esforços, de atos concretos e competentes. Ou seja, de “transpiração”. Tenhamos em mente que nossas ideias nos personalizam, elevam, depreciam ou engrandecem, dependendo do seu teor e intensidade.
Se positivas e altruístas, desde que praticada, nos perpetuam no coração dos que se beneficiam, direta ou indiretamente, delas e promovem progresso, grandeza e transcendência. São aquela semente a que Gibran se refere, que nem a neve e nem as tempestades têm o poder de destruir.
Se nossas ideias, contudo, forem destrutivas, corruptoras, malévolas e chulas, despertarão horror e ira nos mais sensatos e, caso venham a ser aplicadas pelos tíbios e sem-personalidade, resultarão em intensos sofrimentos e desgraças para um número incontável de pessoas. Afinal, elas podem nos apequenar (e aos que as compartilharem) ou engrandecer.
São as ideias que, de fato, governam o mundo. Por isso devem ser policiadas, dia e noite, e filtradas, para que só as construtivas prevaleçam. Não há como, pois, não dar razão a Victor Hugo, quando alerta: “Estamos nas mãos desses deuses, desses monstros, desses gigantes: nossas ideias”. Tornemos as nossas em armas eficazes do bem e da justiça. Façamo-las sementes indestrutíveis contra as quais a neve, a tempestade e quaisquer outros fatores sejam impotentes.

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