Friday, October 23, 2009




Palavra cavada no silêncio

Pedro J. Bondaczuk

O verão, em Campinas, tem dias maravilhosos, como uma pintura de hábil artista (isto, quando não chove), não raro os mais bonitos do ano. Num dos poucos sábados livres que tenho, saio para dar uma volta pelo centro da cidade, razoavelmente tranqüilo nesta tarde, bem diferente do que ocorre durante a semana, quando o trânsito caótico, as multidões apressadas e a ação dos trombadinhas tornam o simples ato de andar distraído pelas calçadas verdadeira aventura.
Caminho, despreocupado, pelo Largo do Rosário, apreciando o revoar das pombas ao redor dos prédios e das marquises da praça. Sinto sede. Resolvo dar uma paradinha no Éden Bar para uma cervejinha estupidamente gelada.
Não tarda muito, aparece um conhecido, ferrenho torcedor do São Paulo, que logo me acena. Tento fingir que não o vi, mas volto atrás, para não cometer uma indelicadeza com essa pessoa. Afinal, quando não fala sobre futebol, ele até que é um bom sujeito.Cumprimentamo-nos, trocamos as palavras formais de sempre. “Como vai?”, pergunta o tal conhecido, “você anda sumido”, acrescenta. “É o meu trabalho no jornal”, respondo. “Não encontro tempo sequer para respirar”, explico, torcendo para que a conversa se atenha, apenas, ao terreno neutro das amenidades. Ou que o meu interlocutor enverede para aquilo que é a minha especialidade enquanto jornalista, a política, com as suas nuances, digamos, nem sempre éticas.
A questão que eu temia, porém, não se fez esperar muito. “E a Macaca? Quase caiu, mais uma vez, do galho”, sapecou o sampaulino fanático, para o meu desgosto, em alusão à péssima campanha, no Segundo Turno do Campeonato Brasileiro, recém-encerrado, do meu time do coração, a Ponte Preta. Foi tão mal, que só escapou do rebaixamento no último jogo, ao derrotar o rebaixado Brasiliense, no Majestoso, por 3 a 1, em um jogo tenso e dramático.
Como se vê, lá vinha ele com mais uma das tantas piadinhas que circularam, nos dias que antecederam essa partida, em geral respondidas com palavrões. Afinal, o que responder? O time tinha decepcionado mesmo!
Claro que ainda estou de cabeça inchada por mais esse fracasso do meu clube de coração, uma das minhas paixões que, como todas as que temos, é ilógica e irracional. Pois é, mais uma vez, a falta de planejamento e de organização (e, principalmente, de dinheiro) nos atropelou. E lá vai a Ponte Preta, detentora da maior torcida da cidade (apesar de uma certa pesquisa ter mostrado o contrário) tentar montar outro time, completamente novo e desentrosado, para não dar vexame no Campeonato Paulista de 2006.
“Onde ficou a recuperação que você escreveu que haveria?”, perguntou o chato, em tom de chacota. Eu havia publicado, na metade do Segundo Turno, em uma das minhas colunas de esportes que escrevo para jornais de bairro, que a equipe iria dar a volta por cima e permanecer distante das últimas colocações. Não permaneceu. Mas escapou (por um triz) do rebaixamento. Ufa! Que alívio!
“Bem, embora goste muito de futebol, não sou especialista dessa área”, respondi, meio que com vontade de espantar o chato para longe. “Por essa razão, não tenho necessidade de ser neutro. E não sou. Na qualidade de simples torcedor, acreditei até o final. Não é este o único papel da torcida?”, acrescentei, sentindo que não estava sendo nada convincente e incomodado com o papo, que estava se tornando cada vez mais desagradável.
Ninguém gosta de ficar em desvantagem, seja lá no que for, e eu não precisava me aborrecer sem necessidade. Ainda mais num sábado tão bonito de verão, como era esse. Emborquei, rapidamente, o último copo de cerveja, sem sequer saborear o paladar da bebida, olhei para o relógio, dando a entender que estava atrasado para um compromisso (que na verdade não tinha), dei um tapinha nas costas do sãopaulino chato, mas cuja amizade queria preservar, e segui adiante, General Osório abaixo, rumo à Praça Carlos Gomes.
Andei apressado, quase correndo, pelo primeiro quarteirão, temendo que o conhecido quisesse me acompanhar. Não quis. Ufa! Reduzi o passo e voltei às minhas reflexões. Senti o quanto esta cidade faz parte de mim, o quanto tem me influenciado positivamente. Não se diz que o homem é produto do meio em que vive? Talvez não seja assim, mas que este tem lá sua influência, ah, isso tem!Lembro-me, a propósito, de uma crônica de Wilson Luiz Sanvitto, publicada no Jornal da Tarde, que diz, em determinado trecho, algo que me marcou e que, sempre que posso, costumo citar: “Após uma longa vida, o homem é um pouco uma fusão de todas as pessoas que conheceu, todos os livros que leu, todos os crepúsculos que admirou, todas as obras de arte que apreciou, todas as músicas que ouviu...De sorte que eu concordo com quem disse: cada homem que morre é uma biblioteca que arde”.Pois é, um pouco desta tarde também ficará incorporado em mim. Espero, apenas, que a parte do encontro com o sampaulino se apague da mente. Que atrevimento vir me gozar por causa da Ponte Preta! Justo ele, que é campineiro de nascimento, mas que sequer torce para algum clube da sua cidade natal! Também sou cidadão desta metrópole, mas por opção. Mas...deixa para lá!
Não é a primeira vez que o time viveu situações como essa e sempre (ou quase sempre) deu um jeito de se safar. Afinal, já foi vice-campeão por quatro vezes! Só no Brasil o segundo lugar não tem valor algum.
O poeta italiano, G. Ungaretti, tem um verso que, não sei por qual razão, me vem à memória, enquanto perambulo, preguiçosamente, pela Praça Carlos Gomes: “Quando encontro/neste meu silêncio/uma palavra/cavo nela minha vida/como um abismo”, escreveu o poeta.
Qual é a minha palavra? Olho ao redor, vejo tantas caras estranhas e conhecidas, alegres e tristes, feias e bonitas, e lugares tão familiares desta cidade, que já é um pedaço de mim. Já sei qual é...”Na palavra ‘amor’, cavo minha vida, como um abismo”, digo aos meus botões, parodiando Ungaretti...

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