Tuesday, January 09, 2007

Repórter do imaginário



Pedro J. Bondaczuk

O escritor Émile Zola é muito citado, pelo menos nos círculos intelectuais que freqüento, mas pouco lido (creio que em qualquer meio cultural), pelo menos no Brasil. Seu nome, em geral, vem à baila, por haver sido o criador de uma escola literária, o Naturalismo, e pelo corajoso manifesto que publicou, em janeiro de 1898, no jornal “L’Aurore”, intitulado “J’Accuse”. Raros, porém, dos que falam a seu respeito, tiveram acesso à sua eclética e caudalosa obra, de mais de 40 livros, entre romances, novelas, contos, ensaios etc., produzidos ao longo de uma vida dedicada, a maior parte dela (a partir dos 22 anos de idade) ao árduo e raramente compensador ofício de escrever.
Ambas façanhas, ou seja o Naturalismo e o famoso manifesto, merecem um breve esclarecimento, para que o leitor não afeito à Literatura e à História (a maioria) entenda a sua importância. A escola que Émile-Edouard Charles Antoine Zola criou é, grosso modo, uma teoria metafísica que defende que todos os fenômenos, sejam de que natureza forem (físicos, químicos, biológicos, comportamentais, psicológicos etc.) podem ser explicados mecanicamente, em termos de leis naturais. Vê o universo como máquina ou organismo, desprovido de um propósito geral, embora partes dele funcionem de forma harmoniosa e pareçam terem sido desenhadas para essa função.
Para os naturalistas, portanto, a natureza é absolutamente indiferente quer às necessidades, quer aos desejos humanos. Essa escola literária opõe-se, por conseqüência, ao chamado sobrenaturalismo. Este, como o próprio nome indica, recorre ao sobrenatural, à teologia, para explicar o mundo, a vida e tudo o que há. Não apenas atribui a uma entidade suprema, no caso Deus, a origem do universo, mas afirma que este tem moral própria e que seu propósito é espiritual. Aproveito o embalo para lembrar que a metafísica é uma divisão da filosofia que trata da natureza da realidade. Divide-se em ontologia (que trata do ser), cosmologia (cosmo ou universo) e teologia (Deus e o sobrenatural).
Quanto ao “J’Accuse”, foi um manifesto que Émile Zola divulgou em defesa do capitão Alfred Dreyfus, oficial judeu do exército francês, acusado, injustamente (sua inocência ficou posteriormente provada sem sombra de dúvidas) de espionagem em favor da Alemanha. Num arremedo de julgamento, em que ficou claro o preconceito dos que acusavam o injustiçado militar, este foi considerado culpado e condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa. O assunto dividiu toda a França, por um bom tempo, em fins do século XIX. Zola sofreu sérias represálias por seu gesto ousado e corajoso de denunciar o complô dos acusadores de Dreyfus.
Mas não são esses os aspectos que mais me chamam a atenção nesse prolífico escritor, filho de pai italiano e mãe francesa. O que me levou a tê-lo como um dos meus favoritos, uma espécie de guru que, dentro das minhas limitadas capacidades busco imitar, foi o rigor quase científico dos seus textos. Foram a sua persistência e a sua produtividade. Foi a verossimilhança dos seus personagens e dos cenários em que situou seus enredos.
Émile Zola era meticuloso ao extremo, tanto no planejamento, quanto no desenvolvimento dos seus livros. Fazia observações sobre tudo o que o cercava, pessoas e/ou coisas, e anotava o que via, ouvia e lia, com o máximo rigor de um experiente e tenaz jornalista, como se esse material fosse destinado a uma grande reportagem. Luís Carlos Lisboa, com muita felicidade, classificou-o, num detalhado ensaio que publicou, em 24 de abril de 1990, no “Caderno de Sábado”, do Jornal da Tarde, como um “repórter do imaginário”. E era isso que o pai do naturalismo, de fato, era.
Claro que não me considero nenhum “expert”, nenhum grande especialista na obra de Zola (minha pretensão não chega a tanto), já que li, somente, 15 dos seus mais de 40 livros. Apesar disso, creio que meu índice de leitura desse autor está muito acima da média dos tantos que se abalam a falar (e a escrever) a seu respeito, sem que tenham lido, não raro, um único dos seus textos. Zola escreveu uma série de romances extensos, detalhados, caudalosos e seriados. O caso mais notável é o relato, em 20 volumes, da trajetória histórica de uma família do Segundo Império francês, sob o título geral de “Les Rougon-Macquart”.
O ciclo abrange desde o golpe de Napoleão III até a Batalha de Sedan. Seu foco centra-se em duas famílias: os violentos Rougon e os fracos Macquart, que eram rivais (na verdade, inimigos mortais), que se atritaram, rivalizaram, disputaram primazia, mas se misturaram através de sucessivos casamentos, formando, ao longo de várias gerações (sobre as quais o autor escreveu um volume para cada uma), no final, praticamente um só clã familiar.
No Brasil, guardadas as devidas proporções, Érico Veríssimo seguiu a mesma trilha, com o épico “O tempo e o vento”, no qual, em cinco volumes, narrou a história do Rio Grande do Sul, através das peripécias das famílias Terra e Cambará, que ao fim e ao cabo, acabaram se fundindo, também, numa só.
Curiosamente, dos vinte volumes das tragédias e comédias das famílias Rougon e Macquart, li os cinco primeiros – “La fortune des Rougons” (1871), “La Curée” (1872), “Le ventre de Paris” (1873), “La conquête de Plassans” (1874) e “La faute de l’Abbé Mouret” (1875) – e os cinco últimos – “Le rêve” (1888), “La bête humaine” (1890), “L’argent” (1891), “La débâcle” (1892) e “Le Docteur Pascal” (1893).
Os outros livros de Zola que tive o privilégio de ler (a maioria no original francês) foram: O primeiro volume da série de quatro dos “Quatro Evangelhos”, intitulado “Fecondité” (1899); os três volumes de “As três cidades”, respectivamente “Lourdes” (1894), “Rome” (1896) e “Paris” (1898) e, finalmente, outro dos seus clássicos, “Thérese Raquin” (1867).
Este é, pois, um escritor que recomendo sem nenhum receio aos companheiros que lidam com reportagens. E, não somente que o leiam com a máxima atenção (até porque, dada sua meticulosidade, em determinados momentos ele se torna monótono e até maçante), mas fazendo as devidas anotações, que é como a leitura se torna mais proveitosa. E que, sobretudo, busquem imitar seu método de trabalho. Que sejam, 24 horas por dia, perspicazes e meticulosos observadores de tudo o que os cerque. Que anotem, com o máximo rigor, tudo e todos que virem pela frente e que sejam, dessa forma, se não “repórteres do imaginário”, pelo menos profissionais melhores, como o bom e sadio jornalismo exige. Ou até, quem sabe... escritores consagrados e imortais. Por que não?!

1 comment:

Anonymous said...

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