Tuesday, January 23, 2007
Lembranças da várzea - 14
Pedro J. Bondaczuk
O meio de campo do Flamenguinho sempre foi o grande segredo do sucesso do time, principalmente no setor ofensivo. Era um motorzinho eficiente, competente e incansável. E com a vinda do jovem, mas já experiente, Chicão, que havia sido profissional do São Bento de Sorocaba, o setor se tornou ainda melhor. Por causa da sua forma de jogar é que o Flamenguinho foi considerado (e de fato era) um time que jogava sempre para a frente, com intenção exclusiva de ganhar. E, não somente isso, mas de golear seus adversários. Tínhamos volúpia de gols!
A maioria dos times da época jogava no sistema 4-2-4, mas apenas nominal. Um dos dois jogadores de meio de campo, o volante, era, na verdade, um terceiro zagueiro disfarçado. Cabia-lhe a responsabilidade de dar o primeiro combate nos adversários, permitindo que o miolo de zaga se preocupasse mais com a cobertura, com a sobra. Essa sua função facilitava, também, os laterais que, como enfatizei antes, ainda não eram alas e tinham preocupação exclusivamente defensiva. Mas não no nosso time.
O Flamenguinho tinha um esquema diferente desse. É verdade que a nossa forma de jogar sobrecarregava a zaga. Mas essa sobrecarga deixou de ser problema com a vinda dos irmãos Orestes e Cali, dada a segurança desses dois atletas e seu perfeito entrosamento. Nosso volante era, na prática, um segundo meia armador, com bom passe e licença para avançar rumo à área adversária e arrematar a gol, como um “fator surpresa”, expediente apregoado hoje como novidade por alguns técnicos, mas do qual, como se vê, nosso time já se valia há mais de quarenta anos.
Se com o Tião, mais pesado e menos criativo, esse esquema já funcionava bem, com a vinda do Chicão se tornou perfeito. E essa perfeição se deveu, sobretudo, à capacidade técnica, à visão de jogo e ao talento desse grande jogador. Era a segunda “alma” do time (a primeira, evidentemente, era o Celso, um fora de série), o segundo grande craque do Flamenguinho. Era dos seus pés, e não do meia armador, que surgiam as oportunidades mais agudas e decisivas do nosso ataque. Suas jogadas surpreendiam as defesas adversárias, que nunca conseguiam neutralizar esses seus avanços.
O engraçado é que Chicão tinha o apelido de “Gordinho” e custou para que eu entendesse a razão dos colegas o chamarem dessa forma. Afinal, era um atleta completo. Não tinha um grama de gordura sequer. Era todo músculos. Ademais, era rápido, rapidíssimo, e não somente nos seus movimentos, mas principalmente no seu raciocínio. Antecipava as jogadas, calculando com precisão em que lugar seria feita a cobertura adversária, para lançar a bola no buraco deixado pela defesa. Ou avançava com ela e arrematava, com precisão, a gol. Era, também, muito bom cobrador de faltas.
Fiquei sabendo que seu estranho apelido veio de uma conversa que o Chicão teve no vestiário, antes de um jogo, em que confidenciou, se não me engano ao Celso, que estava se achando um tanto “gordinho”. E este, gozador como ele só, espalhou essa “confissão” para os companheiros. Como sua impressão era absurda e estava longe da realidade, os colegas não somente riram dele, mas passaram a chamar o Chicão dessa forma. E o apelido colou. No princípio, ele ficava fulo da vida quando o chamavam assim. Com o tempo, se acostumou e não ligou mais.
O Tião, justiça seja feita, apesar de haver perdido a condição de titular, foi utilíssimo nas campanhas dos dois títulos do time. Era um substituto à altura, embora não tão brilhante quanto o “Gordinho”, nas vezes em que tinha a chance de jogar. E no segundo quadro, era destaque, ao lado do Canguru ou do Patinhas, dependendo de qual dos dois jogasse.
O Chicão, embora eu o tivesse liberado da obrigação de marcar, era um marcador implacável. Tinha um bote certeiro e raramente cometia faltas. Costumava deixar a torcida de coração na boca, pois nunca dava chutões. Ao tomar a bola do adversário, limpava a jogada, antes de fazer algum passe, com dribles desconcertantes e, não raro, com uma sucessão de chapéus. Recebia até maior quantidade de faltas do que o Celso e provocava expulsões de adversários em quase todos os jogos. Nesse aspecto, o Tião era mais sóbrio. Mas não era tão bom no desarme.
O armador titular era o Gera, cuja característica principal eram os lançamentos longos e precisos, de trinta a quarenta metros, com um índice de acertos que beirava à perfeição. Era o responsável por puxar contra-ataques fulminantes e mortais. Era titularíssimo do Flamenguinho. Com uma saúde invejável, na média, era o jogador do time com o maior número de participações em jogos em todos os anos. Houve uma temporada, não me recordo qual, em que atuou (e bem) em 100% das partidas. Haja físico!
Seu reserva imediato era o Canguru. Todavia, esse jogador não sabia fazer lançamentos longos. Mas era a alegria do time. Suas brincadeiras, algumas de mau-gosto, animavam o ambiente, principalmente nas viagens que fazíamos. Falava por dez. Até parecia que havia engolido uma vitrola. Uma das suas brincadeiras prediletas, que nunca vou esquecer, era a de morder a bunda (isso mesmo, não é exagero meu!) de quem estivesse distraído. Mas a turma do Flamenguinho era unida e essas gracinhas do Canguru nunca resultaram em briga, o que considero milagre. Haja mau-gosto!
Nas raríssimas vezes em que não podia contar com o Gera, eu preferia utilizar o Patinhas. Era um jogador baixinho, de 1,60m se tanto, mas de dribles infernais. Claro que apanhava até não querer mais dos zagueiros adversários. Se o utilizasse com freqüência no time titular, era capaz de algum defensor botinudo arrancar as suas pernas, tantas e tamanhas eram as pancadas que levava. Por isso, eu pensava duas vezes, antes de escalá-lo, até no segundo quadro. Ou seja, minha preocupação era a de preservar a sua integridade física, já que o Patinhas era um dos melhores amigos que eu tinha.
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