Wednesday, January 31, 2007
Obsessão pelo figurino
Pedro J. Bondaczuk
O cronista João do Rio, que anda um tanto esquecido pela atual geração e que já foi considerado uma espécie de "árbitro do comportamento" do carioca lá pelos idos dos anos 20, (era um Stanislaw Ponte Preta do seu tempo) abordou, em uma de suas centenas de crônicas, essa verdadeira obsessão que as pessoas têm pelos modismos. Retratou com maestria todo esse empenho delas para estarem, por exemplo, trajadas de acordo com a moda do momento – mesmo que se trate mais de uma fantasia carnavalesca, de tão ridícula e caricata que é, do que de uma vestimenta – ou para usarem o jargão em voga (composto por chulices inomináveis) ou para fazerem qualquer coisa considerada "moderna".
Trata-se de vã tentativa de aparecer, daqueles que não têm estrutura, fundamento, cultura e nada que os destaque da massa, senão uma forçada (artificialíssima) excentricidade. É uma desesperada busca pela popularidade (ou pelo popularesco?), na impossibilidade de conseguir a verdadeira notoriedade que advém do talento, da competência, do esforço, da sensibilidade e da inteligência.
Todos querem, evidentemente, o seu espaço público. Lutam para serem reconhecidos, valorizados e, se possível, glorificados pelos semelhantes. Alguns fazem disso um objetivo de vida. A diferença é que os competentes agem, de forma consistente e prática, para isso. A maioria não.
João do Rio constatou: "Tudo no mundo é cada vez mais figurino. O figurino é a obsessão contemporânea. Se os antigos falavam de quatro idades, sendo que na última, na de ferro, fugiu da terra para o azul a verdade, nesta agora o figurino impera. Estamos na era da exasperante ilusão, do artificialismo, do papel pintado, das casas pintadas, das almas pintadas".
Ressalte-se que esta crônica foi escrita há mais de oitenta anos. No entanto, como é fácil de se observar, é atualíssima. O artificial, o forçado, o falso, o "prêt-a-porter", o "use e jogue fora" estão cada vez mais na ordem do dia. As pessoas como que se defendem da vida, em vez de viver. Esmeram-se em artificialismos, em "papéis pintados, casas pintadas, almas pintadas".
Olavo Bilac, anos antes, em 19 de março de 1917, em uma palestra sobre Bocage na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo, já havia abordado essa obsessão pela popularidade. Observou, em certo trecho:
"É tão fácil ser popular! Terríveis assassinos, exímios ladrões, grandes devassos alcançam facilmente uma celebridade mais vasta do que a que logram os mais altos benfeitores da humanidade e os mais claros servidores da arte".
O poeta esqueceu, apenas, de dizer o quanto essa súbita fama é efêmera. Enquanto as feras humanas, os bandidos e os pilantras de todas as espécies são esquecidos em questão de dias e retornam para sempre à sua anônima mediocridade, as obras dos homens notáveis os mantêm vivos na memória coletiva através de gerações. E quanto mais o tempo passa, mais fica valorizado o que estes últimos fizeram.
A popularidade, além de incômoda, é volátil. Acaba sendo, na verdade, uma praga, um vírus, uma doença para os que são por ela atingidos. Quem não a administra de forma conveniente (e raros têm esse dom), termina a vida de maneira melancólica: esquecido, amargurado e se sentindo agredido pela ingratidão alheia (de que, na maioria das vezes, sequer é merecedor).
Na mesma citada palestra de Olavo Bilac, o poeta adverte: "O homem renomado perde a propriedade de si mesmo, e fica escravo da pior das tiranias, que é a tirania exercida pela multidão". E esta é um monstro disforme, sem rosto, sem alma, sem memória e sem lembrança. Alimenta-se de escândalos e de desgraças. Veja-se o caso de Bocage. Foi, sem dúvida, um dos mais perfeitos e completos poetas do seu tempo.
Dotado de sensibilidade ímpar, de rima fácil e métrica perfeita, escrevia versos como poucos antes e depois dele o fizeram. Contudo, em determinado (e curto) período de sua vida, usou seu talento para fazer galhofa, envolvendo-se em polêmicas desnecessárias e tolas com desafetos.
O escândalo, não há dúvida, lhe trouxe popularidade, se era isso o que buscava. E, claro, problemas com os atingidos por suas "gracinhas". Todo o seu trabalho artístico, consistente e sério, acabou esquecido. O que restou do poeta foi um farto anedotário, que não lhe faz justiça.
Bocage acabou atropelado pela popularidade que tanto buscou e que tem um preço. E têm sido vãos os esforços dos críticos que procuram resgatar a essência da sua verdadeira obra, fundamental para a literatura portuguesa (e, por conseqüência, brasileira), pelas inovações que implantou.
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