Wednesday, July 19, 2006

Heitor Villa-Lobos - Parte III


Pedro J. Bondaczuk

“Bebendo” nacionalismo na fonte

Villa-Lobos foi um nacionalista por excelência. Não somente no que dissesse respeito à música, mas a tudo o que se referisse a Brasil. Para as suas composições, não perdeu tempo pesquisando as nossas raízes sonoras em empoeirados e bolorentos papéis, em escuros arquivos, ou em bibliografia estrangeira, até porque a alma popular não está em nenhum desses lugares.

Quando ainda bastante jovem, vendeu a biblioteca do pai, Raul, e com o dinheiro apurado, saiu para uma andança longa, preguiçosa, descompromissada e, sobretudo, atenciosa por este nosso imenso País-continente. Imagine o leitor o que isso significava naqueles idos de 1905, quando não havia, virtualmente, estradas que merecessem esse nome e os transportes, que ainda hoje são deficientes, praticamente se resumiam a lombo de burro, sela de um cavalo ou velhas e sacolejantes carroças, quando não navios inseguros e desconfortáveis.

Foi ali, na própria fonte, que Villa-Lobos “bebeu” todo o folclore que pôde. Conheceu a autêntica raiz musical do nosso povo, brotada anônima, espontânea, viva, sem qualquer mescla ou deturpação, da alma das pessoas.

Falando, certa feita, a respeito, o compositor declarou, todo satisfeito: “Todo o mundo tem uma grande biblioteca. Eu possuo um grande mapa do Brasil”. Todavia, à medida em que o quadro da distribuição demográfica nacional começou a mudar, em que a proporção entre a população urbana e rural passou a ser alterada, em detrimento da última, Villa-Lobos percebeu que essas manifestações genuínas de brasileirismo passaram a correr riscos de desaparecer. Principalmente após o advento do rádio e da indústria fonográfica. Passou a se manifestar uma invasão maciça de produções de péssima qualidade, vindas de fora, impingidas aos brasileiros por grandes multinacionais do ramo. Eram músicas que, além de ruins, nada tinham a ver com a nossa cultura, com nossos costumes e com a nossa maneira peculiar de ser.

A esse propósito, Villa-Lobos observou: “Os americanos conseguiram transformar a Coca-Cola em algo melhor que o champanhe. O mesmo acontece no Brasil em relação à má música. O brasileiro tem necessidade psicológica de má música”. E como tem!

Basta que alguém sintonize alguma das tantas emissoras de FM no dial do seu rádio. Ouvirá, certamente, uma cacofonia de enlouquecer qualquer um. Trata-se de uma sucessão interminável de gritos guturais, de grunhidos, de rosnados, de miados, de gemidos, tudo num idioma que é completamente estranho à maioria dos brasileiros, cujas letras (e aqueles que entendem inglês sabem disso) são desfiles magníficos de estupidez e de imbecilidades, que não têm coisíssima alguma de arte.

E no entanto, essas produções são consumidas aos borbotões e disputadas, nas lojas de discos e videocassetes, muitas vezes aos tapas, como suprassumos de genialidade. Uma das maiores ambições de Villa-Lobos era que todo o brasileiro tivesse acesso à autêntica música, e da melhor qualidade.

Foi ele, por exemplo, que desenvolveu campanha para o ensino do canto orfeônico nas escolas, matéria que permaneceu no currículo do antigo ginásio até que algum “iluminado” cismasse de a suprimir, na reforma procedida no início da década de 1960 (dois ou três anos após a morte do compositor).

Foi ele, também, que levou os sons mais seletos às grandes massas, aos estádios de futebol, como a apresentação em que regeu –, em 1942, no campo do Vasco da Gama, São Januário – um coro composto por 42 mil alunos. Foi Villa-Lobos, ainda, em pleno Estado Novo, em 1937 (o que lhe valeu imensas críticas e acusações de estar apoiando a ditadura de Getúlio Vargas), que protagonizou, em várias outras praças esportivas, recitais envolvendo 30 mil vozes e mil músicos. E sempre com repertórios brasileiros, mostrando o que havia de melhor em nossa cultura às jovens gerações.

Oxalá nós tivéssemos hoje, neste período caótico e confuso em que vivemos, pessoas que amassem o Brasil como Villa-Lobos amou. Mas não de uma maneira calhorda, através de um ufanismo boboca e vazio. Porém de uma forma crítica, construtiva, destacando nossas deficiências, clamando pela supressão das nossas carências, no entanto ressaltando as nossas qualidades (certamente as temos) e as valorizando.

Nosso saudoso maestro dirigiu, ainda, a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA); fundou, em 1942, o Conselho Nacional de Canto Orfeônico e, em 1945, a Academia Brasileira de Música. E até o último dia de sua vida, preocupou-se em registrar e recriar os sons originais e a sensibilidade refinada do povo do seu País.


(Ensaio publicado na página 26, Especial, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).

1 comment:

Artur Araujo said...

Caro Pedro, saudações.

Tivemos um "transmimento de pensação" ao falar de Villa.

Dê uma olhada no meu blog.

http://arturaraujo.blogspot.com/