Sunday, July 02, 2006

Questão de sobrevivência


Pedro J. Bondaczuk


A depredação do meio ambiente, em várias partes do mundo, todos os dias, de várias maneiras, há alguns séculos (em especial neste), atingiu tamanhas proporções, que a questão não pode mais ser encarada como até aqui: como um "braço-de-ferro" político onde a ideologia é que conta e prevalece sobre a ação.

Há, principalmente em relação à Amazônia, duas teses conflitantes em debate. A primeira, defendida por organizações do Primeiro Mundo, é a que propõe a internacionalização da região, obviamente por razões pouco nobres. Afinal, esses mesmos países proponentes pulverizaram suas próprias reservas naturais, poluíram seu ar e sua água e não são, portanto, nenhum paradigma de preservacionismo.

A segunda tese diz respeito à exploração racional e metódica dos recursos da maior floresta tropical do mundo, de formas a proporcionar vantagens para o País e, em especial, para o habitante amazônico. E sobretudo sem que estes se esgotem, mas possam ser renovados constantemente. Defendem como lícito o acesso aos benefícios econômicos que um patrimônio desse porte tende a conferir a seus detentores.

Enquanto as duas correntes se digladiam --- mas apenas com argumentos ideológicos, incompatíveis quando se trata de meio ambiente --- a maior floresta tropical do Planeta, com uma quantidade de espécies vegetais e animais tão grande que sequer foi totalmente catalogada pelos cientistas, corre o risco de se extinguir antes mesmo que esse levantamento seja completado. E, o que é pior, sem trazer nenhum benefício para o morador local.

O Fundo Mundial para a Natureza alertou, recentemente, que as três madeireiras asiáticas responsáveis pela devastação da maior parte das reservas florestais na Malásia, China e Birmânia, acabam de se instalar na Amazônia, através da compra de empresas da região ou da fusão com elas.

O jornal "Folha de S. Paulo", na edição de 16 de setembro passado, em reportagem assinada por André Muggiati e Abnor Gondim, informa que a malaia WTK comprou a Amaplac, do Amazonas, por US$ 7 milhões. A essa gigante do ramo de madeira juntou-se a não menos poderosa Tianjin Fortune Timber da China, que adquiriu a Compensa.

O terceiro grande conglomerado madeireiro, o grupo também malaio Samling Strategic Corporation, já teria transferido para a Amazônia US$ 320 milhões, só de janeiro a junho, e agora negocia a compra da Amacol do Pará.

Como se observa, não contentes em devastar as florestas tropicais de seus respectivos países (além dos africanos, como a Nigéria, Gana e Costa do Marfim) investem agora na maior reserva do mundo, que alguns julgam inesgotável (mas certamente não é).

Este é o exemplo da exploração predatória que se condena. Mais destrói do que aproveita. Pouquíssimos se beneficiam. Os estragos são muito maiores do que os benefícios. As madeireiras --- havia 377 delas instaladas na Amazônia no início do ano, controlando 1,6 milhão de hectares --- abatem árvores de todos os tipos e portes, sem qualquer preocupação com a reposição, com o reflorestamento, com a necessidade de manutenção do ecossistema e do equilíbrio biológico.

São milhões de unidades mensais extirpadas, enviadas para os ávidos consumidores asiáticos, sem que o Brasil tenha qualquer espécie de vantagem. O Fundo Mundial para a Natureza responsabiliza essas mesmas empresas que estão se instalando na Amazônia de haverem devastado as florestas tropicais de seus países. Quem precisa desse tipo de parceiro?

As malaias WTK e Samling, por exemplo, arrasaram com mais de 15 milhões de hectares de árvores de madeira de lei na região de Sarawak, transformada em um quase deserto. Quanto tempo vão levar para desertificar a Amazônia? Dez anos? Vinte? Cinqüenta? Não importa. O fato é que um dia chegarão lá se não forem impedidas.

A indústria madeireira hoje sofisticou-se, tendo em vista o máximo de aproveitamento com o mínimo de custos. Adota alta tecnologia, que permite o abate de alguns milhares de árvores em poucas horas, com o mínimo de mão de obra.

Utiliza não mais a força humana nas derrubadas, mas imensos tratores articulados e modernos helicópteros. Essas m quinas não são, evidentemente, seletivas. Arbustos e cipós, por exemplo --- muitos com propriedades medicinais inquestionáveis e comprovadas --- são arrancados e simplesmente queimados. Não produzem madeira de lei, que é o que lhes interessa, por isso são destruídos. E um imenso e precioso patrimônio natural é irreversivelmente perdido.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente acaba de lançar um livro, ainda não traduzido para o português, intitulado "Taking action: an environmental guide for you and your comunity", em que adverte que a qualidade de vida na Terra continua se deteriorando dia a dia, apesar de todos os esforços de alguns governos e de organizações preservacionistas, por causa de ações como estas das madeireiras asiáticas.

Assinala que a deterioração atinge tanto o ar que respiramos (essencial para a sobrevivência humana), quanto a água que bebemos (outra substância vital). Isto sem falar da transformação de rios, lagos, mares e oceanos em imensas lixeiras. E de florestas em cinzas...

A obra em questão destaca que cresce a consciência preservacionista global, o que não deixa de ser uma boa notícia. Existem, atualmente, 25 mil organizações lutando em defesa do meio ambiente só nos países em desenvolvimento, além de outras 4.600 nos Estados ricos (a maioria responsável direta pela devastação da natureza que se verificou em especial neste século).

Algumas questões, no entanto, se impõem. Somente uma preocupação "intelectual" com a preservação do meio ambiente, desacompanhada de atitudes práticas e inteligentes, são suficientes para deter a ruína do Planeta? Esse ativismo não estaria chegando tarde demais? É possível regenerar tudo o que já se deteriorou, mesmo a longo prazo? Quem tem as respostas para estas questões?

O mencionado livro cita alguns exemplos da deterioração da qualidade de vida na Terra. Diz que entre 5% e 20% de alguns grupos de espécies de plantas ou animais estão em extinção por culpa do homem. Cerca de 80 países, abrangendo 40% da população mundial, já enfrentam problemas de escassez de água limpa. O ar é ruim em 54 cidades monitoradas pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Como se observa, a determinação de se cuidar da natureza já não pode mais se limitar ao mero debate acadêmico. A luz vermelha de alerta está acesa, indicando que o responsável pela extinção de tantas espécies animais e vegetais (o homem) está, ele mesmo, correndo o risco de se extinguir.

O ambientalista José Lutzenberger fez uma declaração, em entrevista à revista "Corpo a Corpo" na edição de novembro de 1988, que é mais pertinente e atual do que nunca, sobre esse perigo que paira sobre a humanidade.

Afirmou: "A crença dominante é a de que precisamos apenas fixar uma série de normas técnicas, controlando a poluição aqui ou tornando a agricultura mais saudável ali, e todos os nossos problemas estarão resolvidos. Mas não é só isso. Temos que mudar nossa filosofia ou acabaremos pondo fim à vida no Planeta". Pelo exposto, estamos a caminho disto. Talvez sem reversão...


(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 4 de outubro de 1997)

No comments: