Monday, July 17, 2006
Heitor Villa-Lobos - Parte I
Pedro J. Bondaczuk
O compositor carioca, que faria cem anos em 1987 caso estivesse vivo, foi um dos poucos gênios a ser reconhecido, em vida, por seus contemporâneos. Criador do nacionalismo brasileiro na música, legou, para a posteridade, mais de 1.500 composições, a maioria tendo por raiz temas do nosso folclore, que ele estudou em longas viagens de pesquisa pelo vasto território nacional, das quais 100 estão gravadas.
A trajetória da vida e da carreira de um grande artista, geralmente, apresenta altos e baixos, alternando sucessos e fracassos ao longo dos anos. Caso tenha valor, sua obra, quase sempre, é reconhecida, mas apenas muitos anos após a sua morte.
Se ele estiver na seleta, e reduzidíssima, categoria dos gênios, acaba sendo, via de regra, incompreendido pelas pessoas do seu tempo, que o tomam por louco e o hostilizam a não mais poder. Isso aconteceu com quase todos os homens excepcionais, que hoje admiramos e respeitamos e até procuramos imitar, mas que, enquanto estavam vivos, foram alvos da execração popular e da ira dos medíocres, seus contemporâneos, estes sim astros efêmeros no firmamento da glória, estrelas cadentes que brilham intensamente, numa fração ínfima de tempo, e se apagam de vez, sem deixar nenhuma lembrança da sua passagem.
É por isso que a biografia dos grandes artistas, especialmente as dos músicos considerados imortais, são uma sucessão de tragédias. Como a da surdez de Beethoven, da tuberculose de Chopin, das desditas amorosas de Liszt, da incompreensão de Wagner, da turbulência psicológica de Tchaikowsky, da perfídia contra Mozart e da ingratidão a Bach.
Quase todos não conheceram, pessoalmente, o doce sabor do sucesso e o reconhecimento em vida do seu talento. Como foi o caso do nosso Carlos Gomes, injustiçado, espoliado e que morreu longe da terra que tanto amou.
Houve, no entanto, um gênio, nascido no Brasil, que teve uma trajetória exatamente inversa a essas. Jamais dependeu de reconhecimentos oficiais para se firmar no mundo das artes, se impondo, unicamente, pelas suas obras. Foi um artista que, enquanto vivo, pôde sentir o gosto delicioso do reconhecimento, embora não se possa afirmar que tivesse sido completamente compreendido.
Esse compositor genial, que em 1957, quando completou setenta anos, teve seu aniversário festejado em praticamente todas as capitais do mundo, até mesmo nas de países que nunca sonhou visitar, da África e da Ásia, estaria fazendo cem anos agora em 1987, caso ainda estivesse entre nós.
O presidente José Sarney, inclusive, dedicou todos os próximos 365 dias em sua homenagem. Este músico, de rara sensibilidade, considerado a expressão máxima do nosso nacionalismo, conseguiu aquilo que raríssimas personalidades têm logrado obter, qualquer que seja o seu campo de atuação.
Tem a sua efígie gravada até nas cédulas de Cz$ 500,00. Não há este brasileiro que não tenha visto sua figura ou ouvido alguma vez o seu nome, embora nem todos conheçam a extensão da sua genialidade. É claro que nos referimos ao carioquíssimo, ao brasileiríssimo, ao “verdeamarelíssimo” Heitor Villa-Lobos.
A seu respeito, o violonista Turíbio Santos, que sofreu uma grande influência dele e dirige atualmente o museu que leva o seu nome, afirmou, em recente trabalho, publicado em 5 de março passado (data do seu centésimo aniversário), no “Jornal do Brasil”: “Tenho dito várias vezes que Villa-Lobos vai ter dois sucessos. O primeiro teve enquanto vivo – foi reconhecido internacionalmente – sua música tocada, e o segundo sucesso, virá no dia em que o Brasil for sucesso, no dia em que tivermos uma situação econômica estável, com apoio mais generoso e sólido à cultura, com maior número de orquestras, público maior e com poder aquisitivo para ir a concertos, comprar discos”.
Mas apesar de sua biografia diferir da dos demais compositores clássicos, as coisas para ele não foram tão fáceis assim, pelo menos no princípio da sua vitoriosa trajetória musical. As primeiras audições de Villa-Lobos tiveram, invariavelmente, como pano de fundo, vaias e xingamentos das platéias para as quais foram destinadas.
A diferença dele, em relação aos demais, está no fato dele ter consciência da sua genialidade. E de, principalmente, como bom carioca, encarar essas manifestações de desagrado na base da gozação. Não que não sentisse os efeitos de tamanha incompreensão de espíritos retrógrados, parados no tempo, apegados a estereótipos importados. Sentiu, e bastante.
Léo Schlafman, na excelente matéria, supracitada, do “Jornal do Brasil”, intitulada “O Músico com Brasil no Sangue”, narra um episódio bastante característico de suas reações diante do repúdio inicial das platéias ao seu trabalho.
Escreve, o articulista, que Villa-Lobos, em 1918, estava se apresentando no Cine Odeon, no Rio de Janeiro e entre os espectadores do seu espetáculo, estava o consagrado pianista Arthur Rubinstein, que então transitava pela Capital Federal brasileira da época, procedente de uma temporada em Buenos Aires.
Findo o recital, o músico estrangeiro dirigiu-se aos camarins do nosso artista, para cumprimenta-lo, tão impressionado ficou com a sua performance. Mas foi recebido muito mal. Antes que pudesse abrir a boca para dizer qualquer coisa, Villa-Lobos lhe jogou no rosto, aos berros: “O que você quer? Você é um virtuose, não pode me entender”.
É que o autor das Bachianas achou que o pianista, como os demais, iria lhe tecer críticas. Só no dia seguinte ele pôde explicar-se junto ao artista visitante, de quem se tornou grande amigo, dizendo, ao procura-lo em seu hotel: “Pensei que o senhor tivesse ido ao camarim para me criticar, como tantos outros”.
(Ensaio publicado na página 26, Especial, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).
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