Monday, July 10, 2006

Encontro marcado


Pedro J. Bondaczuk


A literatura imita a vida ou esta imita a literatura? Creio que ambos, dependendo do escritor e das circunstâncias. Esta indagação vem a propósito do romance "O Encontro Marcado", de Fernando Sabino, escritor com o qual sempre me identifiquei e que morreu em 11 de outubro de 2004, um dia antes do seu aniversário. Li o livro no início dos anos 70 e dei conta que o enredo tinha alguma (ou muita) identidade comigo.
Na referida estória, formandos de medicina de uma faculdade de Belo Horizonte marcam para se reunir 20 anos depois da formatura, para trocar informações e experiências. Se não me falha a memória, apenas cinco deles apareceram, entre os quais Mauro, o personagem central.
No meu caso ocorreu algo parecido, em relação à turma que se formou no curso ginasial, em 1960, no então Ginásio Adventista Campineiro, em Hortolândia, designado carinhosamente com a sigla GAC (sem favor algum, uma das melhores instituições de educação do País) hoje um magnífico complexo de ensino, o Instituto Adventista São Paulo.
Nossa classe era considerada excepcional. Era uma turma brilhante, de ótimas notas e que exalava idealismo por todos os poros. Dos 36 integrantes, 20 pretendiam cursar medicina (eu entre eles). Passados 20 anos, em 1980, deveríamos nos encontrar no mesmo colégio e exatamente no mesmo salão nobre onde tínhamos recebido nossos diplomas. Era um desafio à memória e, principalmente, à capacidade de cumprir compromissos de cada um.
Por informações esparsas dos companheiros, eu sabia que a maioria havia atingido seus objetivos. Cinco desses queridos colegas, amigos, irmãos eram missionários em paupérrimos países africanos, como médicos que trabalhavam em precaríssimos hospitais, carentes de praticamente todos os recursos, em troca de moradia e comida. Eram (ou são, certamente) vencedores. Era o que queriam. E conseguiram concretizar seu sonho.
Chegou o dia aguardado do encontro, 17 de dezembro de 1980. Os colegas começaram a chegar dos mais remotos lugares do Brasil e do Exterior. Tremi na base. Minha curiosidade em saber da situação dessas pessoas tão especiais era muito grande. Mas não era maior do que o medo de tentar, em vão, recuperar um passado feliz, mas irrecuperável.
Eu trabalhava, nessa época, como editor de Internacional do "Diário do Povo", em Campinas, e acumulava essa função com a de comentarista político. Começava a decolar na carreira, após anos exercendo funções consideradas menores, mas que serviram como aprendizado prático dos maiores, diria, fundamental.
Ao contrário do livro de Sabino, vinte dos formandos de 1960 – turma conhecida como “Brasília”, por ter sido nesse ano que a Capital Federal brasileira havia sido inaugurada – compareceram, inclusive os cinco missionários vindos da África. Entre os faltosos, a maioria não foi localizada. Menos eu... Era público e notório onde eu me encontrava, meu nome era estampado diariamente no jornal, no alto da coluna que redigia e fui devidamente convidado. Faltei – usando a desculpa do trabalho – a esse encontro com o passado. Não tive coragem de enfrentar meu fracasso de não ter conseguido me formar médico, embora tenha chegado tão perto...
Isso não quer dizer que hoje considero o jornalismo profissão menos nobre, ou de menor importância para a sociedade, do que a Medicina. Pelo contrário, tenho orgulho do pouco que pude realizar, ao longo de 45 anos de atividade contínua, já que foi realizado com empenho, com ponderação, com responsabilidade, com garra e com muito, com muitíssimo sacrifício. Mas... este não era o meu sonho. Não era o ideal que acalentei desde menino.
Na ocasião, considerava-me “fracassado”, por não ter tido condições materiais para concluir o curso de Medicina (cursei um ano e fui forçado, pelas circunstâncias, pela falta de recursos financeiros, a abrir mão do que tanto queria, mas que não consegui conquistar, posto que à minha revelia). Claro que era uma enorme bobagem da minha parte. Por erro de avaliação do que havia conseguido, cometi a pior das faltas que poderia cometer: não honrei um compromisso assumido há vinte anos. Faltei ao encontro marcado com o passado!

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