Thursday, July 20, 2006

Heitor Villa-Lobos - Parte IV


Pedro J. Bondaczuk

Manifestação precoce de talento

Heitor Villa-Lobos, a exemplo de todos os gênios, revelou, também, grande precocidade. Nasceu no bairro carioca das Laranjeiras, em 5 de março de 1887. Seu pai, Raul, funcionário da Biblioteca Nacional, foi um homem de refinado gosto musical e de grande cultura. Tanto é que se constituiu num dos fundadores da Sociedade de Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro.

Pelo lado materno, Villa-Lobos deve ter herdado o seu talento de compor. A mãe, Noêmia Monteiro, era filha do compositor Santos Monteiro. Seus primeiros passos na arte que o iria consagrar foram dados em casa mesmo. O pai foi seu primeiro professor. Aprendeu a tocar com ele dois instrumentos: o violoncelo e o clarinete. Foi Raul, também, que lhe deu as primeiras noções de teoria musical.

Aos oito anos, Villa-Lobos já era um admirador por excelência de Johann Sebastian Bach, especialmente da sua obra “Cravo Bem Temperado”. Aliás, anos mais tarde, o maestro identificaria acordes e harmonias do gênio germânico em muitas cantigas de roda e expressões folclóricas brasileiras.

Suas composições mais célebres também estão ligadas a este mestre dos mestres, que vem influenciando gerações, quer no gênero clássico, quer no popular, em todo o mundo. São conhecidíssimas (pelo menos nos meios culturais refinados), as “Bachianas Brasileiras”, de Heitor Villa-Lobos, inspiradas nos acordes de Johann Sebastian Bach.

O genial compositor brasileiro teve, por professores, Breno Niedenberg, com quem estudou violoncelo, Frederico Nascimento e Agnelo França. Sua primeira composição foi feita para violão e intitulava-se “Panqueca”. Surgiu quando Villa-Lobos tinha apenas 13 anos de idade.

Aos 14, já era perito nesse instrumento. Tanto é que se ligou a um conjunto instrumental popular e passou a viver de música, no sentido profissional. Aos 16, em 1903, resolveu fugir de casa. Passou a morar e a conviver com os famosos “chorões”, grupos de boêmios especializados nos deliciosos chorinhos, que até hoje têm um público fiel e cativo e que certamente jamais haverão de morrer, por expressarem o lado sentimental do brasileiro.

Em 1905, quando vendeu a biblioteca do pai (após a morte deste, é óbvio), saiu a rodar pelo Brasil, sem direção certa e sem prazo para voltar. Tanto é que permaneceu oito longos anos fora do Rio de Janeiro, em pequenas cidades de Minas, de São Paulo, da Bahia, do Ceará, do Amazonas e de tantos outros Estados.

A colheita de inspiração que fez nesse período, foi das mais fartas e preciosas. Nessas suas andanças, conseguiu coletar mais de um milhar de temas, que viria a desenvolver, posteriormente.

Os primeiros concertos de Villa-Lobos foram desastrosos, sob o ponto de vista da aceitação pública. Recebeu tantas vaias e xingamentos que chegou a se acostumar a essas manifestações de hostilidade. Foi vaiado não somente no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas até no célebre “Scala”, de Milão, onde o nosso Carlos Gomes se lançou para a glória e celebridade, anos antes.

Isto, todavia, não o abalou. Não, pelo menos, exteriormente. Em pouco tempo, a maré passou a se inverter. Convites e mais convites, das mais diversas partes do mundo, começaram a chegar ao controvertido maestro.

Em 1926, por exemplo, voltou a apresentar-se em São Paulo e no Rio de Janeiro, desta vez, ao contrário de oportunidades anteriores menos auspiciosas, acabou aplaudido de pé pelas respectivas platéias. Em 1927, deu dois concertos na Sala Gaveau, de Paris. Regeu, regeu e regeu a não poder mais a partir de então. E compôs de forma prolífica, generosa, larga e, sobretudo, brilhante. Sua obra completa ascende a mais de 1.500 composições. Todas com seu toque característico, verde e amarelo. Todas tendo por tema e por mote o Brasil.

Esses trabalhos artísticos teve a oportunidade de mostrar nos locais mais seletos e refinados do mundo. Dirigiu um grande número de orquestras, na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. Pode-se dizer que foi um dos maiores embaixadores da nossa cultura, especialmente a musical, no Exterior.

Embora apreciado e admirado pelos brasileiros (antes e depois da morte), seus trabalhos são mais conhecidos no estrangeiro. Isso, apesar de existirem cerca de 100 de suas composições gravadas. Aqueles que não tiveram, ainda, o privilégio de tomar contato com a música de Villa-Lobos, não têm a mínima noção do que estão perdendo.

Ele próprio autodefiniu-se, certa feita, desta forma: “Sou um atonal neoprimitivo e durmo pouco”. Está aí uma dica para a garotada que “curte” novidades. O grande “Villa” tinha um talento de tal forma eclético, que será sempre novo para quem o ouvir, mesmo daqui a dois, três ou cinco séculos. Quem duvidar, que faça a experiência e se perca nos emaranhados geniais dos seus acordes.


(Ensaio publicado na página 26, Especial, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).

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