Friday, July 21, 2006
Heitor Villa-Lobos - Final
Pedro J. Bondaczuk
Método peculiar de composição
Definir qual a composição mais importante ou expressiva de Villa-Lobos equivale a discutir o sexo dos anjos: todas são geniais. Cada uma delas possui algo que nos prende a atenção, nos hipnotiza, nos apaixona. Interessante era a forma que o maestro tinha de compor.
Ao contrário de tantos mestres, que se isolavam do mundo e se trancavam por horas, dias ou até semanas em aposentos silenciosos, o nosso “Villa” preferia a balbúrdia, a algazarra, a algaravia, a agitação para buscar inspiração. Suas páginas mais brilhantes foram compostas na cozinha de sua casa, em meio a conversas e até de discussões. Villa-Lobos tinha uma capacidade incrível de fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Costumava, antes de tudo, ligar o rádio no último volume, nos programas musicais da época, em geral daqueles “bolerões” sombrios, trágicos e barulhentos de antigamente, ou então nas radionovelas, nas quais era vidrado.
Criado o “clima”, entabulava alguma conversa, com quem quer que estivesse mais próximo, que tanto poderia ser sobre o sucesso do bloco carnavalesco que ajudou a criar, quanto sobre o preço do tomate, da cebola ou da batata.
Enquanto isso, ia despejando notas e mais notas nos pentagramas, extraindo sons de dentro de si de uma maneira aparentemente casual. E o resultado era sempre surpreendente. Durante certo tempo, fumou os famosos “quebra-peito”, de preço barato, sem filtro (antigamente não existia disso), que acendia um após o outro.
Proibido pelo médico de consumir cigarros comuns, passou a adquirir os célebres charutos Monte Cristo, fedorentos, dos quais jamais se desgrudava. Foi dessa forma que surgiram harmonias imortais, para instrumentos ou vozes. Gênio é gênio!
É muito difícil catalogar todas as composições de Villa-Lobos ou sequer mencionar as preferidas. Todas têm o seu fascínio, seu charme, seu encanto especial. No entanto, algumas das que mais gostamos, daquelas que conseguimos lembrar, de memória, são: As óperas “Aglaia” e “Elisa”; o “Quinteto em forma de Choros”; as “Bachianas Brasileiras”; os bailados “Amazonas” e “Uirapuru”; a “Sonata Fantasia nº 1” (“Desesperance”), para violino e piano; a “Prole do Bebê nº 1”; “Vida Pura”; “Cânticos Sertanejos”, suíte para orquestra de câmara; “Quinteto Duplo”, para cordas; “Carnaval das Crianças Brasileiras”; “Missa de São Sebastião”; “Choros”; “Cirandas”; “Danças Africanas”; “Rudepoema”; “Sexteto Místico”; “Noneto”; “Brinquedo de Roda”, para piano; “Serestas”; “Pequena Suíte”, para violoncelo e piano; “13 Estudos para Violão” e outras, tantas outras que no momento fogem da lembrança.
Este é, em rápidas pinceladas, o perfil de um gênio com características diferentes das manifestadas por outros desses seres extraordinários que vez ou outra surgem, em alguma geração e em algumas atividades, e que aceleram a evolução artística e cultural da humanidade.
Não foi trágico, não foi agressivo e nem muito diferente de nós. Talvez tenha sido um pouquinho mais excêntrico que a maioria. Todavia, gostava daquilo que a maioria das pessoas simples aprecia. Reagia de forma idêntica à que reagimos aos problemas, às alegrias e às tristezas. O que o diferenciou dos outros gênios, possivelmente, foi o fato de ser brasileiro. E como foi!
Tinha, por exemplo, essa postura, misto de anjo e de demônio, que caracteriza a nossa maneira de ser. Por isso não se frustrou, não se perdeu em amarguras e nem definhou se julgando injustiçado e incompreendido pelos mortais comuns. Foi um dos raros gênios que saboreou o sucesso em vida (ventura reservada a pouquíssimos), na certeza de que jamais seria esquecido pelo povo que, à sua maneira, amou, e com o qual se identificou até nos mais insignificantes detalhes.
(Ensaio publicado na página 26, Especial, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).
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