Pedro J. Bondaczuk
A nossa vida é constituída de ganhos (poucos e transitórios) e perdas (muitas e inexoráveis e definitivas). Conquistamos (quando o fazemos), com imensos sacrifícios, sucessos, fama, fortuna, amizades e amores, mas raros de nós os usufruem por muito tempo. E ninguém os tem para sempre. Aliás, esta palavra “sempre” é por demais ambígua para ser utilizada por nós, seres perecíveis, efêmeros e passageiros. Nada, para nós, é duradouro, perpétuo e/ou permanente.
Entre as maiores perdas que se abatem sobre nós, está, claro, a morte. A nossa ou, então, a das pessoas que amamos. E esta última dói mais, já que, com a nossa, não sentimos mais nada. Deixamos de amar, de odiar, de ter ambições, de sentir alegrias, saudades ou raivas etc. Deixamos, em suma, de “ser”. Mas a morte de quem amamos, deixa-nos um sentimento de frustração, um buraco no peito, um vazio na alma que nada e ninguém conseguem preencher.
Amo extremadamente a vida, com todas as suas dores, circunstâncias e perdas. Por isso não gosto de falar e, sobretudo, de escrever sobre seu antípoda. A morte é um assunto que abomino. Claro que, por se tratar de uma realidade da nossa existência, há circunstâncias em que, por mais que queira, não consigo fugir do tema. Mas minha opinião sobre ela (se é que vale alguma coisa), é das piores. Assemelha-se, por exemplo, à do médico psiquiatra e escritor Roberto Freire (não confundir com seu homônimo político).
Numa memorável crônica, publicada em sua coluna diária no extinto jornal “Última Hora”, de São Paulo, intitulada “O post último S. S. Show”, sobre o falecimento do jornalista e entrevistador de TV Silveira Sampaio, no dia 25 de novembro de 1964, o citado colunista assim se expressou a respeito: “A morte é feia, burra, medíocre, suja, desleal, grossa, parcial, desonesta, arbitrária, injusta, covarde, chata, indecorosa, infiel, premeditada, viciosa, incômoda, óbvia, incomunicável, cafajeste, ladra, assassina, extorsiva, ingrata, irresponsável, pretensiosa, caloteira, agressiva, mentirosa, imoral, amoral, torpe, pérfida, cretina, reacionária, antipática, lúgubre, atrevida, alienada, gulosa, quadrada e pornográfica! Enfim, o que a gente pensa sobre a tinhosa, não fosse a necessidade de atendermos a certas imposições de ordem moral da lei de imprensa, poderia ser simplesmente resumido no mais eficiente e definitivo dos palavrões. Aquele, vocês sabem!”.
Peço licença ao prolífico e criativo escritor – autor dos livros “Cleo e Daniel” (transposto para o cinema com um elenco de famosos, entre os quais destaco Sônia Braga, John Herbert e Myriam Muniz), “Sem entrada e sem mais nada”, “Coiote”, “Utopia e paixão”, “Sem tesão não há solução” e “Ame e dê vexame” – para me apropriar dessas suas palavras.
Perdi, em 25 de março passado (há, portanto, apenas um mês), uma das pessoas que mais amei na vida (e continuarei amando enquanto existir), seguramente aquela com a qual mais me identifiquei, inclusive abstraindo a hierarquia familiar: meu pai, Ananii Bondaczuk. Foi o amigo mais leal, sincero, cristalino e nobre que já tive. A nossa era uma amizade total, absoluta e irrestrita. Falávamos de tudo. Não tínhamos temas tabus. Concordávamos na maioria dos assuntos. Divergíamos, óbvio, em muitos, mas sempre com o respeito devido às opiniões mútuas, prerrogativa de pessoas inteligentes e sensíveis que se amam, se admiram e se respeitam e que aprenderam a conviver com suas diferenças. Raros têm o privilégio de conquistar amizades desse tipo. Mais raros ainda são os que as conservam para sempre.
A despeito de nos tratarmos em absoluto pé de igualdade, tudo o que sou de bom devo a ele. E o que tenho de ruim... Bem, foi influência do meio, da minha realidade de vida, de algumas pessoas que conheci e que não deveria conhecer, de circunstâncias danosas que tive que enfrentar e que não o fiz com a devida competência e de uma certa cegueira, burrice ou seja lá o que for, ditadas pela teimosia em me recusar a enxergar o óbvio.
Aprendi a ler com ele, entre os quatro e cinco anos de idade, em uma velha Bíblia, que guardo como relíquia até hoje. Meu pai, russo de nascimento, vindo para o Brasil com os pais em 1937, havia, não fazia muito, aprendido a falar o português. E sozinho, por pura curiosidade. Com o tempo, se aperfeiçoou no novo e complexo idioma que passou a falar com pouco (ou nenhum) sotaque. Mas queria mais. Queria aprender a ler na nova língua. Prático, como era, matou dois coelhos com uma só cajadada. Ou seja, aproveitou o embalo para ensinar ao filho os mistérios da leitura.
Devo, pois, ao meu pai meu gosto pelos livros e, por extensão, pela escrita. Devo-lhe a profissão de jornalista que abracei e que transformei em missão de vida. Devo-lhe o meu decantado espírito de luta, que nada mais é do que uma imitação barata, mero “genérico” do dele. Devo-lhe meus princípios morais e religiosos, que me equilibram e valorizam. Devo-lhe o fato de ser cristalino e transparente em meus sentimentos, sem nunca dissimular emoções. Devo-lhe, sobretudo, a imensa paixão que tenho pela vida e por meus semelhantes, a despeito da sua maldade, estupidez e contradições (de alguns, evidentemente).
Mesmo correndo o risco de ser considerado piegas (o que, a esta altura, pouquíssimo me importa), rendo esta humilde, mas sentida, homenagem ao amigão de todas as horas e, principalmente, a essa figura humana ímpar, que sempre me serviu (e servirá) de paradigma e de inspiração. E nada mais apropriado para isso do que a letra de uma das canções mais belas do riquíssimo cancioneiro popular brasileiro, composta por Sergio Bitencourt, intitulada “Naquela mesa”, que diz:
“Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava estórias
E hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava a gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho, eu fiquei seu fã
Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa no canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse quanto dói a vida
Essa dor tão doída não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala no seu bandolim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa no canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse quanto dói a vida
Essa dor tão doída não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala no seu bandolim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim”.
E como está doendo! Até um dia, amigão! Não sei como, quando e onde, mas estou certo, certíssimo, seguro, seguríssimo de que ainda nos reencontraremos e daremos, então, gostosas gargalhadas ao relembrar minhas tantas trapalhadas, gafes e contradições, como sempre fazíamos, com ternura e bom-humor, até há pouquíssimo tempo!!!
A nossa vida é constituída de ganhos (poucos e transitórios) e perdas (muitas e inexoráveis e definitivas). Conquistamos (quando o fazemos), com imensos sacrifícios, sucessos, fama, fortuna, amizades e amores, mas raros de nós os usufruem por muito tempo. E ninguém os tem para sempre. Aliás, esta palavra “sempre” é por demais ambígua para ser utilizada por nós, seres perecíveis, efêmeros e passageiros. Nada, para nós, é duradouro, perpétuo e/ou permanente.
Entre as maiores perdas que se abatem sobre nós, está, claro, a morte. A nossa ou, então, a das pessoas que amamos. E esta última dói mais, já que, com a nossa, não sentimos mais nada. Deixamos de amar, de odiar, de ter ambições, de sentir alegrias, saudades ou raivas etc. Deixamos, em suma, de “ser”. Mas a morte de quem amamos, deixa-nos um sentimento de frustração, um buraco no peito, um vazio na alma que nada e ninguém conseguem preencher.
Amo extremadamente a vida, com todas as suas dores, circunstâncias e perdas. Por isso não gosto de falar e, sobretudo, de escrever sobre seu antípoda. A morte é um assunto que abomino. Claro que, por se tratar de uma realidade da nossa existência, há circunstâncias em que, por mais que queira, não consigo fugir do tema. Mas minha opinião sobre ela (se é que vale alguma coisa), é das piores. Assemelha-se, por exemplo, à do médico psiquiatra e escritor Roberto Freire (não confundir com seu homônimo político).
Numa memorável crônica, publicada em sua coluna diária no extinto jornal “Última Hora”, de São Paulo, intitulada “O post último S. S. Show”, sobre o falecimento do jornalista e entrevistador de TV Silveira Sampaio, no dia 25 de novembro de 1964, o citado colunista assim se expressou a respeito: “A morte é feia, burra, medíocre, suja, desleal, grossa, parcial, desonesta, arbitrária, injusta, covarde, chata, indecorosa, infiel, premeditada, viciosa, incômoda, óbvia, incomunicável, cafajeste, ladra, assassina, extorsiva, ingrata, irresponsável, pretensiosa, caloteira, agressiva, mentirosa, imoral, amoral, torpe, pérfida, cretina, reacionária, antipática, lúgubre, atrevida, alienada, gulosa, quadrada e pornográfica! Enfim, o que a gente pensa sobre a tinhosa, não fosse a necessidade de atendermos a certas imposições de ordem moral da lei de imprensa, poderia ser simplesmente resumido no mais eficiente e definitivo dos palavrões. Aquele, vocês sabem!”.
Peço licença ao prolífico e criativo escritor – autor dos livros “Cleo e Daniel” (transposto para o cinema com um elenco de famosos, entre os quais destaco Sônia Braga, John Herbert e Myriam Muniz), “Sem entrada e sem mais nada”, “Coiote”, “Utopia e paixão”, “Sem tesão não há solução” e “Ame e dê vexame” – para me apropriar dessas suas palavras.
Perdi, em 25 de março passado (há, portanto, apenas um mês), uma das pessoas que mais amei na vida (e continuarei amando enquanto existir), seguramente aquela com a qual mais me identifiquei, inclusive abstraindo a hierarquia familiar: meu pai, Ananii Bondaczuk. Foi o amigo mais leal, sincero, cristalino e nobre que já tive. A nossa era uma amizade total, absoluta e irrestrita. Falávamos de tudo. Não tínhamos temas tabus. Concordávamos na maioria dos assuntos. Divergíamos, óbvio, em muitos, mas sempre com o respeito devido às opiniões mútuas, prerrogativa de pessoas inteligentes e sensíveis que se amam, se admiram e se respeitam e que aprenderam a conviver com suas diferenças. Raros têm o privilégio de conquistar amizades desse tipo. Mais raros ainda são os que as conservam para sempre.
A despeito de nos tratarmos em absoluto pé de igualdade, tudo o que sou de bom devo a ele. E o que tenho de ruim... Bem, foi influência do meio, da minha realidade de vida, de algumas pessoas que conheci e que não deveria conhecer, de circunstâncias danosas que tive que enfrentar e que não o fiz com a devida competência e de uma certa cegueira, burrice ou seja lá o que for, ditadas pela teimosia em me recusar a enxergar o óbvio.
Aprendi a ler com ele, entre os quatro e cinco anos de idade, em uma velha Bíblia, que guardo como relíquia até hoje. Meu pai, russo de nascimento, vindo para o Brasil com os pais em 1937, havia, não fazia muito, aprendido a falar o português. E sozinho, por pura curiosidade. Com o tempo, se aperfeiçoou no novo e complexo idioma que passou a falar com pouco (ou nenhum) sotaque. Mas queria mais. Queria aprender a ler na nova língua. Prático, como era, matou dois coelhos com uma só cajadada. Ou seja, aproveitou o embalo para ensinar ao filho os mistérios da leitura.
Devo, pois, ao meu pai meu gosto pelos livros e, por extensão, pela escrita. Devo-lhe a profissão de jornalista que abracei e que transformei em missão de vida. Devo-lhe o meu decantado espírito de luta, que nada mais é do que uma imitação barata, mero “genérico” do dele. Devo-lhe meus princípios morais e religiosos, que me equilibram e valorizam. Devo-lhe o fato de ser cristalino e transparente em meus sentimentos, sem nunca dissimular emoções. Devo-lhe, sobretudo, a imensa paixão que tenho pela vida e por meus semelhantes, a despeito da sua maldade, estupidez e contradições (de alguns, evidentemente).
Mesmo correndo o risco de ser considerado piegas (o que, a esta altura, pouquíssimo me importa), rendo esta humilde, mas sentida, homenagem ao amigão de todas as horas e, principalmente, a essa figura humana ímpar, que sempre me serviu (e servirá) de paradigma e de inspiração. E nada mais apropriado para isso do que a letra de uma das canções mais belas do riquíssimo cancioneiro popular brasileiro, composta por Sergio Bitencourt, intitulada “Naquela mesa”, que diz:
“Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava estórias
E hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava a gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho, eu fiquei seu fã
Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa no canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse quanto dói a vida
Essa dor tão doída não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala no seu bandolim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa no canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse quanto dói a vida
Essa dor tão doída não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala no seu bandolim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim
Naquela mesa tá faltando ele
E a saudade dele tá doendo em mim”.
E como está doendo! Até um dia, amigão! Não sei como, quando e onde, mas estou certo, certíssimo, seguro, seguríssimo de que ainda nos reencontraremos e daremos, então, gostosas gargalhadas ao relembrar minhas tantas trapalhadas, gafes e contradições, como sempre fazíamos, com ternura e bom-humor, até há pouquíssimo tempo!!!
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