Wednesday, April 11, 2007

Brilho de infância


Pedro J. Bondaczuk


"A poesia encontra-se em todas as coisas – na terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade – é evidente para mim aqui, enquanto estou sentado, que há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia no barulho dos carros nas ruas, em cada movimento diminuto, comum, ridículo, de um operário, que do outro lado da rua está pintando a tabuleta de um açougue". Estas palavras são de Fernando Pessoa, e definem o vasto campo de ação do poeta: a totalidade das coisas, das pessoas e das emoções que elas têm.

É uma trilha aberta a todos, mas que apenas alguns raros seres que fogem do convencional, dotados de um "filtro" muito especial, conseguem vislumbrar e caminhar com desenvoltura por ela. No meio do caminho, como que por magia, ou feitiçaria, transformam palavras comuns em pepitas de rara beleza e incomensurável valor. São como o legendário rei Midas: transformam em ouro tudo o que tocam. Brincam com os sentimentos, como as crianças com seus brinquedos preferidos.

Vinícius de Moraes escreve, no livro "Para viver um Grande Amor", que "o material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e de sublime. Seu instrumento é a palavra". Convenhamos que se trata de uma ferramenta fragílima, que oferece poucos recursos e exige manejo de grande perícia, para que se possa, com ele, extrair beleza dos pântanos mais horrendos e sombrios do coração humano. Mas ele consegue, com maestria e grandeza, com naturalidade, isso que seria enorme proeza para uma pessoa comum. É possuidor da "pedra filosofal", que lhe confere o poder de transmutação de "metais" ordinários, comuns, banais e sem valor, em ouro de 18 quilates. Mais do que isso: de pedras em esmeraldas, topázios, ônix, safiras etc.

Tive, por anos, a honra de privar da amizade de um desses "pastores de emoções", que brincam com sentimentos (próprios e/ou alheios), tal como um menino o faz com a sua pipa, com a sua bola ou, para estar mais de acordo com os tempos atuais, com seu vídeogame. Refiro-me ao ex-presidente da Academia Campinense de Letras, Mauro Sampaio. Fiquei sabendo, tempos atrás, por carta que então me escreveu, que o amigo estava prestes a nos brindar com novo livro. Esse poeta exigente e detalhista foi muito parcimonioso na publicação de seus trabalhos.

Mauro enviou-me, na ocasião, alguns poemas, compostos especialmente para o citado livro, pedindo minha opinião sobre sua qualidade ou eventuais defeitos (quanta modéstia!). Antes de qualquer comentário, é preciso caracterizar seu estilo para os que não tiveram o privilégio de um contato com a sua requintada poesia. Caracteriza-se pela parcimônia de palavras, colocadas com precisão cirúrgica: exatas, precisas, insubstituíveis, sem desperdícios e sem descambar para a pirotecnia ou para a "hemorragia verbal". Seus poemas, salvo exceções, têm no máximo três versos cada. Soam a aforismos, a pensamentos, a reflexões, com a parcimônia dos chineses ou dos hai-kais japoneses, embora sem a base formal desses últimos.

Em alguns casos, poderiam ser gravados em mármore, como epitáfios. Talvez por sua exiguidade, "grudam" no ouvido, permanecem no cérebro, suscitando as mais profundas reflexões filosóficas e indo fundo, mexendo com nossos sentimentos mais secretos e resguardados. Para exemplificar, cito essa "Elegia", composta quando Mauro visitou o túmulo da mãe, no dia do aniversário desta: "Não trouxe rosas./Vim em busca do tempo na estação dos mortos./ - Sobre este chão planto a saudade!".

Embora as palavras sejam escassas, medidas, parcimoniosas, são versos profundos, belos, emotivos. Como estes, do poema "Declaração": "Este amor que me leva a ti,/é como as águas mansas de um rio/que se precipitam de uma cachoeira de sonhos!". Ou estes, de "Saudades": "Velhas tempestades de luz,/faces úmidas, nuvens intocadas./--- melodias do mar ressoando nos sonhos!". Ou destes outros, de "Inspiração": "Vento!/Não te feches em tuas asas./Leva-me contigo!"

Em meu livro "Por uma Nova Utopia", dedico-lhe um capítulo inteiro. Além disso, cito seus versos límpidos, cristalinos, cirúrgicos, em vários outros. Para que o leitor tenha uma idéia desse livro de Mauro Sampaio, me atrevo a reproduzir (sem sua autorização ou conhecimento), os outros seis poemas que o amigo me enviou, então, para análise. "Fidelidade": "Amada! neste final de inverno,/onde buscar rosas/senão em nossas mãos entrelaçadas?!" "Prelúdio": "Nada me alegra mais/que a incapacidade graciosa/do teu amor ainda hesitante!". "Real": Antes de ser/sou o que sente a alegria de viver./Nem quero mais que a realidade do existir!" "Recado": "Eu não precisaria dos pássaros,/nem das flores, nem dos sonhos,/se estivesses aqui!" "Forte": "O amor/descobre o segredo das pedras/sem o rumor das palavras!"

O que dizer? Como qualificar essa poesia, senão de magnífica, inquietante, sublime, bela?! Como privar o meu leitor dela, mesmo sob o risco de ofender o amigo, se vivo estivesse? Mauro brincava com nossas emoções. E espalhava pérolas ao longo do caminho que trilhava. Como estas, do poema "Concreto": "Vida! apenas o instante eu vivo./E é tão frágil o instante/que não há tempo para guardar-te na memória!". Que precisão! Quanta beleza! É poesia pura...Quanta saudade, querido amigo!!!!

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