Monday, July 31, 2006

REFLEXÃO DO DIA


É comum confundir-se o sábio com o apenas erudito, ou com o que se diz "inteligente". São conceitos diferentes, não sinônimos, embora a diferença seja sutil para que os despreparados, dados a generalizações (para as quais foram treinados no lar, na escola e na sociedade), a percebam. Sabedoria só se obtém com experiência. É o clímax da racionalidade. É criativa, dinâmica e sobretudo participativa. Inteligência, por sua vez, é a mera capacidade de uma pessoa entender conceitos abstratos e as coisas que a rodeiam (do latim "inteligere"). Se não aplicada, pouco ou de nada vale para o indivíduo e para a coletividade. Já o erudito, é o que acumula conhecimentos. Quase sempre, porém, esse acúmulo é apenas teórico. Se não souber o que fazer com o que acumulou, pouca valia lhe terá esse acervo.

O País, este adolescente


As fases de transição na vida de uma pessoa, por serem decisivas, são, justamente, as mais perigosas. Quem é pai, por exemplo, sabe como o comportamento de seu filho muda na passagem da infância para a adolescência. O jovem, em geral, torna-se rebelde, teimoso, independente. Caso essas características sejam bem-direcionadas, dessa matéria-prima, um tanto confusa, será possível forjar um adulto notável, produtivo, equilibrado, sensato e, sobretudo, solidário. Em caso contrário, corre-se o risco de ver uma vida desperdiçada, com o descambar do indivíduo para a marginalidade e, conseqüentemente, para a sua derrota.
O mesmo vale para países. O Brasil, uma sociedade bastante jovem em termos históricos, está nesta transição da “infância para a adolescência”. Vêm à tona, agora, com maior intensidade, todas as suas distorções de caráter. Trata-se de um povo à procura de identidade. O cardeal do Rio de Janeiro, Dom Eugênio de Araújo Sales, aborda essa questão num lúcido artigo publicado no “O Globo”, em 10 de julho de 1993, intitulado “Podridão moral”. Vislumbra tanto possibilidades positivas quanto negativas nos acontecimentos dramáticos que dominam as manchetes na atualidade.
Acentua, no final do texto: “Esse quadro (de decadência moral) nos leva ao pessimismo? Caso a comunidade se acovarde, sim; caso reaja, busque a própria conversão por uma mudança profunda, não. Crescendo o número dos que condenam o mal, o Brasil pode ser escoimado de tantas manchas que nos enodoam e envergonham”. Isso reforça a nossa tese de que está em andamento no País uma “revolução”, que não conseguimos identificar por falta de eqüidistância, já que somos os seus agentes, cujos resultados vão depender da nossa ação agora.
Caso não nos limitemos apenas a denunciar as distorções existentes na sociedade, mas nos mobilizemos para a correção de rumos, sem dúvida haveremos de transformar o Brasil para melhor. Se nos entregarmos, no entanto, ao pessimismo e, pior do que ele, ao derrotismo, estaremos contribuindo decisivamente para a instalação do caos. Colocaremos a perder todo o empenho dos antepassados.
Ninguém está defendendo que não se enxergue a dura realidade que aí está, de decadência moral e social. Pelo contrário, a insistência dos editorialistas nesses temas tem o objetivo de sacudir as pessoas, de tirá-las da pasmaceira, de convocá-las a uma ação construtiva, coerente e bastante enérgica, se é que queremos transformar este imenso País numa nação, que ainda não somos.
O jornalista Gaudêncio Torquato, no artigo “Não somos uma nação”, publicado no jornal “O Estado de São Paulo” em 31 de agosto de 1993, observa: “O Brasil é um país de versões. Um país lúdico que ri da tragédia e se comove com a comédia. Comédia e tragédia, aqui, se fundem, numa amálgama que, freqüentemente, traduz a falta de essencialidade e racionalidade de um povo tropical. Isso tem imensas vantagens, mas o fato é que a improvisação, o gosto pela aventura, a alma criativa, a descontração (hinos pátrios) provocam um sentimento de estágio numa cultura pré-civilizatória”. E de fato estamos nessa fase. O Brasil é aquele adolescente rebelde, influenciável, voluntarioso, que se bem encaminhado, dará um adulto brilhante. Ou então...

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 115 a 117, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).

Sunday, July 30, 2006

REFLEXÃO DO DIA



A educação tem sido encarada de maneira equivocada, em um sentido meramente utilitarista, como "adestramento" e não desenvolvimento de potencialidades. Faz de cada pessoa mera peça de uma poderosa engrenagem (não importa se rústica ou sofisticada, se plebéia ou elitizada) comprometida com ideologias ou interesses hegemônicos grupais. Mas o homem não é máquina. É vivo. Raciocina. Tem capacidade de distinguir o bem do mal (quando preparado para tal). Vidas são desperdiçadas, como se nada valessem, porque sua racionalidade não é exercida, sequer minimamente. Os "excluídos" (a maioria) não foram preparados para esse exercício. São tratados não como homens, mas como uma "subespécie" animal, um estágio intermediário entre o hominídeo e o "homo sapiens", uma aberração da natureza. E é como se sentem e agem. E como acabam se tornando.

Crise habitacional


Pedro J. Bondaczuk

A questão da moradia, no Brasil, ao lado das deficiências da saúde pública (setor virtualmente falido), da inadequação do sistema de ensino e da insegurança dos cidadãos face à violência urbana, entre outros, é um dos principais problemas que o novo presidente, Fernando Henrique Cardoso, terá que enfrentar em sua gestão, se pretender cumprir sua promessa de campanha, de promover o resgate da dívida social. O déficit de casas, somente para a população de baixa renda, já anda pelos 10 milhões de unidades. Cada vez mais, milhões de pessoas ficam sem nenhuma opção e passam a ter, como derradeiro e desesperado recurso, apenas as ruas das grandes e médias cidades brasileiras para viver. Ou vegetar?
Na falta de uma residência própria, por tosca e simples que fosse, para se abrigar, a opção sempre foi o aluguel. Foi. Não é mais. Alugar um imóvel torna-se, crescentemente, algo vedado à maioria dos brasileiros. E não apenas por falta de unidades habitacionais, mas também, e principalmente, por causa dos preços. Na verdade, salvo exceções, estes não são caros. As pessoas é que ganham pouco. Hoje, alugar uma casa de padrão razoável consome mais da metade da renda dos que ganham vinte salários mínimos e estes são menos de 4% da população. É, portanto, cada vez mais inacessível não somente para a faixa de baixa renda, mas até para a classe média.
O jornal "O Estado de São Paulo" publicou, no dia 29 de dezembro de 1994, matéria a este respeito em que revela, mediante dados fornecidos pelo presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), Roberto Capuano, que o aluguel de um barraco, numa favela paulistana, oscila entre R$ 30 (de madeira, no Jardim Pereira) e R$ 170 (na Vila Liviero). A média é de um salário mínimo (R$ 85,em janeiro, com o abono de R$ 15 concedido pelo governo, depois de muitas negociações e grande oposição de alguns setores). Ou seja, se algo não for feito, e com urgência, o brasileiro não conseguirá ser sequer um favelado. Será um "homeless" (sem-teto) mesmo, sem um endereço para fornecer e um telhado para lhe cobrir a cabeça.
Capuano faz, na referida matéria, um alerta, que parece alarmista, mas não é. Basta que se raciocine dentro da lógica. Diz: "Pode parecer uma previsão exagerada, mas continuando assim, a classe média vai começar a disputar as favelas, porque os preços dos aluguéis estão proibitivos e essas pessoas continuarão sem poder comprar a casa própria". O Censo de 1991, recém-divulgado, mostrou que a população brasileira se multiplicou por oito, em 91 anos, mas o número de moradias mal triplicou. Daí esse déficit monumental. Para complicar, as estatísticas comprovam que, em apenas uma década, o rendimento médio dos chefes de família teve queda de 24%.
Somados os dois fatores, só podia dar no que está dando. O problema é muito mais grave e urgente do que as autoridades ousam admitir. O Creci elaborou um projeto que tende a minorar essa crise. Encaminhou, a Fernando Henrique Cardoso, uma proposta de aluguel subsidiado, inspirada num plano de locação social adotado na França. Pela medida, o locatário despende um máximo de 25% de sua renda para alugar um imóvel e ainda assim o locador recebe o valor de mercado, de 0,5% do que foi investido na construção. A diferença é arcada pelo governo, com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, da poupança e dos fundos de pensão. Está aí uma proposta digna de análise. Só que a decisão não pode tardar. O projeto não pode ficar perdido na gaveta de algum burocrata, diante da gravidade da atual situação.

(Artigo publicado na página 2, de Opinião, do Correio Popular em 3 de janeiro de 1995)

Saturday, July 29, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Bhagvan Shree Rajneesh, em seu "O Livro Orange", dá preciosa orientação sobre como meditar: "Na meditação você está fazendo nada em particular, está simplesmente sendo. A meditação não tem passado, não está contaminada pelo passado. Não tem futuro, está limpa de qualquer futuro. É o que Lao Tzu chama de we-wu-wei, ação através da não-ação. É o que os Mestres Zen têm dito: sentando-se em silêncio, sem fazer nada, a primavera vem, a grama cresce por si mesma. Lembre-se: por si mesma – nada é feito. Você não puxa a grama para cima; a primavera vem e a grama cresce por si mesma. Esse estado – no qual você permite que a vida siga seu próprio caminho, sem querer dirigi-la, sem querer controlá-la, sem a manipular, sem lhe impor nenhuma disciplina – esse estado de pura e indisciplinada espontaneidade é meditação".

Despedida


Pedro J. Bondaczuk

Eu sinto um quê de despedida em minha vida,
algo de caro que vai deixando o meu ser
e se perdendo além do Tempo e do espaço,
sumindo, qual fumaça, rumo ao nada.

Tudo o que fui na vida me é saudoso.
Meus risos, prantos, ódios e amores.
Tudo passou! Perdeu-se no infinito,
num remoto passado, nos confins da eternidade.

O que eu quis ser nesta vida não fui.
Nos cantos, prantos e amores me esqueci
a contemplar o navio da minha ilusão
que se perdia, sereno, no horizonte.

Jamais sofri, apesar de alquebrado,
grandes fadigas, nem prejuízos corporais.
Mas minha mente, minha alma, os meus sonhos
foram só mundos cruéis de nostalgia.

“O que serei”, me pergunto, com aflição.
Qual meu futuro? Serei vassalo ou rei?
Quem me responde a esta pergunta eloqüente?
Quem me devolve a mais cara ilusão?

Cadê o meu céu, colorido de azul?
Meu sol brilhante, tão dourado, pra onde foi?
Há treva imensa na minha vida! Horror!
Meu mar de rosas em espinhos se tornou!

Sumindo triste, qual fumaça, rumo ao nada,
e se perdendo, além do Tempo e do espaço,
algo de caro vai deixando o meu ser,
pois sinto um quê de despedida em minha vida.

(Poema composto em 2 de março de 1964 em São Caetano do Sul).

Friday, July 28, 2006

REFLEXÃO DO DIA


As necessidades reais do homem são muito pequenas e podem ser satisfeitas sem muito esforço, desde que ele seja atento, disciplinado e diligente. Consiste no alimentar-se, o suficiente para prover o organismo de energia, e não na gula desenfreada, que afeta o metabolismo e produz doenças. No vestir-se, de forma confortável e funcional, com simplicidade, que é onde o bom-gosto reside. No abrigar-se em uma casa que não precisa de luxo, mas de higiene e conforto. Tudo o mais é perda de tempo e desvia o indivíduo de sua tarefa mais nobre, que é o raciocínio claro, o pensamento livre, a meditação profunda em busca do auto-conhecimento.

Feridas na alma


Pedro J. Bondaczuk


“Os norte-americanos andam cada vez mais solitários”. Esta é a constatação de um estudo, divulgado recentemente nos Estados Unidos, e que mereceu matéria da revista Time (reproduzida pela brasileira Isto É), de autoria do professor Robert Putnam, da Universidade Harvard, que há tempos se dedica ao assunto. “E daí?”, perguntaria o crítico leitor, “a solidão é prerrogativa apenas deles?”. Claro que não! Mas é de lá que procede o estudo que, bem ou mal, quantifica o número de solitários.
O tema, sem dúvida, é bastante complexo, com inúmeras facetas e nuanças, com enorme carga de subjetividade. Tanto que já escrevi um número considerável de crônicas a propósito (que, provavelmente vão resultar em um livro sobre o assunto) e, ainda assim, há muitos e muitos aspectos a abordar. Tenho recebido várias sugestões de leitores para comentar esse ou aquele ângulo da questão, o que amplia, sem dúvida, meu universo de análise.
Uma das formas mais perversas e comuns de solidão é a incompreensão dos que nos cercam, notadamente na família, mas que também se verifica no trabalho, na escola, na vida social e nos mais diversos tipos de relacionamentos do dia-a-dia. Há pais, por exemplo (e alguns até com excelente nível de instrução) que parecem nutrir ódio mortal pelos filhos, em especial quando estes são adolescentes. Só têm críticas e recriminações àqueles que puseram no mundo e por cuja educação, bem-estar e felicidade são os responsáveis. Nunca tiveram uma palavra (uma única) de elogio, de estímulo e de incentivo aos seus dependentes.
Criticar determinadas atitudes dos jovens, quando são, de fato, criticáveis e/ou condenáveis, ressalte-se, é uma das prerrogativas dos pais. Mais do que isso, é até obrigação deles. Mas há críticas e críticas. As palavras utilizadas têm que ser muito bem pesadas e acompanhadas de atitudes que reflitam compreensão e amor. Aquelas inadequadas, ou ambíguas, ou rancorosas, têm o efeito contrário ao desejado, de correção de rumos. São cáusticas, contundentes, ferinas. Abrem profundas feridas na alma dos que as ouvem e que, por questão de respeito, não podem ou não querem retrucar.
Pesa muito, por outro lado, a forma de dizer as coisas. E o tom de voz. E a fisionomia na hora de falar. E o momento em que as coisas são ditas. Nada dói mais para qualquer pessoa do que os pais lhe jogarem na cara, por exemplo, o “sacrifício” que fazem para lhe proporcionar conforto, proteção e bem-estar (isto quando, de fato, proporcionam). Críticas desse tipo geram, naquele que é alvo delas, uma profunda sensação de solidão, de mágoa, de mal-estar. Nestes casos, é comum os filhos se afastarem, paulatinamente, de casa (que deveria ser um lar, mas que não é) e procurarem outros ambientes, se expondo a toda a sorte de más-influências e de riscos.
Conversei com muitos viciados em drogas e estes, invariavelmente, atribuíram sua queda no vício à incompreensão com que sempre foram tratados pela família. Claro que muitas vezes as coisas não são bem assim e que esses adolescentes buscam, apenas, se eximir da própria culpa, a lançando toda sobre os pais. Afinal, as pessoas fortes são as que lutam por seus direitos e por sua felicidade e não as que buscam a covarde fuga, “se escondendo” nas drogas (entre as quais o álcool). Mas em tantos e tantos e tantos casos essa queixa procede, mesmo que apenas em parte.
Esse mesmo comportamento é, também, o maior fator de destruição de casamentos. Há cônjuges que parecem só ver defeitos nos parceiros e nutrirem por eles um profundo rancor, um ódio patológico e sem limites. São os que se multiplicam em críticas e reprimendas aos mínimos atos do esposo (ou da esposa). Em pouco, pouquíssimo tempo, o encantamento inicial, proporcionado pelo relacionamento afetivo, tão sonhado nos tempos de namoro, vai para o espaço.
Quantas vezes a mulher revela absoluta incompreensão com as aflições do marido, por exemplo, quando este tem a desventura de ficar desempregado e tardar para arranjar outro emprego, mesmo que visivelmente se empenhe muito para isso?! “Não quero um vagabundo em casa”, não raro é uma das expressões ditas. Ou “Fulano, casado com Sicrana, ganha muito mais do que você, exercendo a mesma função. Você é um incompetente!”. E vai por aí afora. São críticas às suas manias, aos seus amigos, ao seu desmazelo, ao seu tipo de lazer e a tantas e tantas outras coisas.
O marido, em contrapartida, condena a forma de administração doméstica da esposa. Fala mal, por exemplo, da comida feita pela mulher, comparando seus dotes culinários (ou falta deles, para ser mais exato) com os da mãe. Ou joga-lhe na cara que relaxou na aparência física, ou que ficou gorda, ou que se veste mal, ou que é frígida na cama, etc. Ou, então, condena o excesso de despesas que ela faz, acusando-a de perdulária e irresponsável, ou a arrumação da casa, ou a educação dos filhos e vai por aí afora.
Quando o relacionamento atinge esse estágio, dificilmente tem salvação. O casal está condenado à inexorável separação ou a se conformar com a perpétua, opressiva e fatal solidão a dois, que os deixa amargos, frustrados e infelizes. Em vez de construir o paraíso que, implicitamente, um prometeu ao outro, transformam o ambiente doméstico em sucursal do inferno. A incompreensão e, principalmente, as palavras duras, cruéis e impensadas, abrem profundas feridas na alma dos que são alvos delas, que nada e ninguém conseguem curar. E esta é uma das formas mais comuns e mais dolorosas, posto que evitáveis com um pouquinho só de bom-senso, de solidão.

Thursday, July 27, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Parte da culpa do retrocesso espiritual da atualidade deve-se aos intelectuais, aos artistas, aos escritores, e à sua ânsia de inovar, mesmo que a inovação significasse recuo. Muitos endeusaram tiranos e a maioria simplesmente se omitiu. Aleksandr Soljenitsin adverte: “Se nós, os criadores de arte, nos submetermos obedientemente a este deslize por baixo, se deixarmos de nutrir e valorizar a grande tradição cultural dos séculos passados, juntamente com os fundamentos espirituais dos quais ela surgiu, estaremos contribuindo para a queda extremamente perigosa do espírito humano, para a degeneração da humanidade em direção a alguma espécie de estado inferior, que mais se aproxima do mundo animal”. Cabe ao intelectual, ao escritor contemporâneo, sinalizar uma nova utopia, que apesar do seu significado (em grego significa "não existe tal lugar”), pode sair do plano da idealização e se fazer concreta.

Esperança e vida


Pedro J. Bondaczuk


A esperança é a última que morre. Quem nunca ouviu esse clichê tão surrado, repetido “ad nausea” milhões de vezes, mundo afora, nas mais variadas circunstâncias e ocasiões? Vou mais longe: quem nunca o utilizou ao se referir a sonhos considerados impossíveis (que, na maioria das vezes, de fato são) que, no íntimo, acredite que venham, de alguma forma, a se concretizar? Todavia (e creio que isso seja ponto pacífico), ninguém pode apenas se limitar a esperar que as coisas aconteçam, sem agir em sentido prático para a sua concretização.
É preciso empenho, paciência, sabedoria e muita determinação para atingir objetivos, desde que estes, logicamente, sejam factíveis. E, mesmo assim, jamais podemos ter certeza absoluta do êxito. Até porque, o sucesso, seja naquilo que for, não depende apenas de nós (pelo menos na maioria dos casos). Envolve muitas outras pessoas e, sobretudo, determinadas circunstâncias, que nos sejam favoráveis. Ademais, não há colheita sem semeadura, é óbvio (embora muitos ajam como se houvesse essa miraculosa possibilidade).
Mesmo se plantarmos, estaremos sujeitos a uma série de fatores que podem redundar ou não em sucesso. Plantando, por exemplo, o terreno escolhido tem que ser fértil. Pode, porém, ser estéril e, por isso, não produzir coisa alguma. Se não for inadequado no que se refere à fertilidade, é o clima que, muitas vezes, tende a não ajudar. Pode ocorrer, por exemplo, excesso (ou falta) de chuva, ou calor em demasia, ou geada, ou chuva de granizo, ou outro acidente climático qualquer, arruinando, dessa maneira, todos os nossos esforços. Ou, ainda, a semente utilizada pode ser ruim e sequer germinar. Ou pragas podem ocorrer (à nossa revelia, claro), tornando o nosso empenho inútil e vão. São muitos, como se vê, os fatores que ameaçam fazer da colheita uma enorme frustração.
Contudo, se tivermos plantado, teremos alguma esperança, mesmo que mínima, de que possamos colher alguma coisa, mesmo que não na quantidade e sem a qualidade que pretendíamos. Quem não plantar, no entanto... Este sim terá uma certeza que será absoluta: a de que não colherá coisíssima alguma. Na vida também é assim.
A maioria, porém, tende a esperar, esperar, e esperar, mesmo que não tenha movido um só dedo para concretizar o que tanto deseja e que sequer saiba se o que espera lhe será um bem ou um mal. Não raro lhe é nocivo. Mas e daí? É seu sonho, seu ideal, sua obsessão até.
É fartamente conhecida a composição de Chico Buarque de Holanda (grande sucesso popular, se não me falha a memória, dos anos 70), intitulada “Pedro pedreiro”, e que diz, em determinado trecho: “Pedro pedreiro espera o Carnaval./E a sorte grande do bilhete pela federal todo mês./Esperando, esperando, esperando, esperando o sol,/esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem,/esperando a festa, esperando a sorte/e a mulher de Pedro está esperando um filho pra esperar também”. E não é assim que as coisas acontecem? Claro que sim! Todos somos, em certa medida, como o Pedro pedreiro.
Graham Greene constata a respeito, no livro “O cônsul honorário”: “Nada é inelutável. A vida tem surpresas. A vida é absurda. Porque é absurda, sempre há esperança”. E há mesmo. Só que ela pode se transformar em desespero, em decepção, em mágoa, em uma enorme frustração, o que é bastante comum.
Muito já se escreveu, e outro tanto poderia ser escrito, sobre esse comportamento, caracterizado pela inação, e que, por essa razão, é sempre estéril. Jamais resulta em frutos. Afinal, como diz Geraldo Vandré, em sua tão conhecida canção, que inclusive foi bandeira de luta de toda uma geração que se opunha à ditadura militar no Brasil naqueles que ficaram conhecidos como os “anos de chumbo”: “esperar não é fazer./Quem sabe faz a hora/não espera acontecer”.
Todavia, um dos textos mais pitorescos a respeito da esperança foi escrito por Mário Quintana. Trata-se de afirmação inteligente e instigante por ser, sobretudo, lógica. E de uma lógica irrefutável. O poeta afirma, em determinado trecho: “O ditado diz que, enquanto há vida, há esperança. Eu digo que enquanto há esperança, há vida. Porque nunca foi encontrado, em nenhuma parte do mundo, num bolso de um suicida, um bilhete de loteria que fosse correr no dia seguinte. Ele esperaria, ao menos, para comprar o revólver de ouro”.
Há como refutar tamanha lógica? Claro que não! A esperança, obviamente, está necessariamente num tempo futuro. Não há, é evidente, como esperar que nos aconteça o que quer que seja num tempo que já passou. Por isso, não cansamos de fantasiar, mesmo que não venhamos a nos dar conta, um período promissor, além do instante presente, em que as coisas nos serão sumamente favoráveis (no mínimo melhores do que atualmente). Em que as circunstâncias atuarão a nosso favor, as peças se encaixarão por si sós, à nossa revelia, e seremos amados, bem-sucedidos e felizes para todo o sempre. Mas a vida não é assim.
É lícito, é válido e até é necessário que tenhamos esperanças. Contudo, estas devem sempre vir acompanhadas de ações, para que não se tornem estéreis, fantasiosas, inúteis e não se transformem em fontes inesgotáveis de mágoas e de frustrações. Afinal, nosso futuro individual (e também da espécie) será, exatamente, aquele que construirmos com nosso esforço, talento e persistência (“com uma ajudazinha providencial do acaso, claro”, eu aduziria, sem pestanejar).

Wednesday, July 26, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Uma das mais belas parábolas de Cristo fala sobre a distribuição de talentos – no caso, o nome de uma moeda da época. Quem recebeu a maior quantidade, aplicou-a e dobrou-a. O segundo servo, que ganhou uma quantia mediana, igualmente fez bom uso desse capital e o multiplicou. Todavia, justo quem foi menos aquinhoado, não soube o que fazer com o patrimônio. Enterrou seu talento e teve que devolver essa única moeda recebida, ficando sem nada. E ainda foi repreendido por sua falta de iniciativa. O mesmo ocorre no mundo. Os mais talentosos, em geral, têm autodisciplina para desenvolver novas habilidades. Os tacanhos preferem encolher-se e ficar reclamando das injustiças. E acabam por sumir, sem deixar pegadas. Apliquemos, com diligência e sabedoria, os talentos com que somos aquinhoados e façamos de nossa vida um contínuo e ininterrupto sucesso.
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Novos líderes para novos tempos


Pedro J. Bondaczuk


A complexidade das relações sociais neste início de século e de milênio, gerando problemas que nossos pais e avós sequer atinavam em seu tempo, provoca a necessidade do surgimento de um novo tipo de liderança. Há 106 anos, por exemplo, poluição era algo desconhecido. O termo "ecologia" surgiu apenas na década de 70, quando as questões ambientais deixaram de ser assunto de meia dúzia de estudiosos, para freqüentar as manchetes da imprensa. A Aids foi mencionada, pela primeira vez, em 1983, (pelo menos com a ênfase que o assunto merece), fruto podre da permissividade e da irresponsabilidade de milhões.
Exige-se, hoje, dos líderes de qualquer espécie, além dos atributos tradicionais, como competência, coragem, maleabilidade e capacidade de diálogo e, principalmente, de decisão, outros que são característicos dos novos tempos. Como, por exemplo, alto grau de informação, nos mais variados campos do conhecimento humano. E, sobretudo, muita criatividade. Ou seja, uma capacidade aguçada de encontrar novas soluções a partir de velhos pressupostos. Para tanto, faz-se indispensável a existência de um conjunto de circunstâncias simultâneas.
Exige pessoas que tenham coragem de se livrar de tabus, de ignorar preconceitos, de contestar dogmas e que, sobretudo, contem com uma capacidade ímpar de convencimento. O momento presente é de transição. As ideologias que prevaleceram durante praticamente todo o século XX provaram ser inadequadas para garantir equilíbrio econômico, com justiça social, para os povos.
Os últimos 106 anos foram os mais violentos da história. Nesse período, a humanidade passou por duas sangrentas e catastróficas guerras mundiais (na segunda surgiu a bomba atômica), por uma infinidade de revoluções (a portuguesa de 1910; a mexicana, de 1911; a Bolchevique, de 1917; a iraniana, de 1978, apenas para citar algumas das principais), além de conflitos nacionais e regionais, longos, mortíferos, desastrosos, com milhões de vidas humanas desperdiçadas por nada.
O modelo de estadista que prevaleceu ao longo de todo o século XX mostrou, sobejamente, não ser adequado. A humanidade regrediu, em termos de relacionamento social, na proporção inversa dos avanços da ciência e da tecnologia e da riqueza mundial. Faltou (e falta, o que é pior) uma liderança adequada. Hoje, dois terços dos habitantes do Planeta vegetam e batalham, virtualmente sem perspectivas ou esperanças, para sustentar o um terço que tudo tem e tudo pode, sem que haja a mínima razão lógica para isso. Será que há pessoas que acreditam de verdade que ninguém vai tentar alterar esse perverso quadro com o pior possível de todos os expedientes: o da violência? Parece que sim! E essa atitude (até uma criança inocente sabe, se é que ainda exista), é o cúmulo da alienação.
Os líderes da nova geração precisam ter em mente o potencial de violência e de destruição existente nessa situação de desigualdade e de exploração do homem pelo homem. E, mais do que isso, têm a obrigação de encontrar soluções criativas para este problema, até aqui ignorado, quando não tratado meramente como simples tema acadêmico, sem o devido realismo.
Sepultada a Guerra Fria, que por quase 50 anos manteve a humanidade à beira da hecatombe nuclear, se torna urgente, urgentíssimo, imediato, premente neutralizar o risco muito maior do que o confronto temido, mas nunca concretizado, das antigas superpotências: o da "bomba da miséria"! Falar, hoje, em sociedades não-excludentes, em que imperem a racionalidade e a justiça social, soa como delirante utopia. E, no entanto, é o único caminho lógico para evitar conflitos de conseqüências imprevisíveis.

Tuesday, July 25, 2006

REFLEXÃO DO DIA


O papel do intelectual e, sobretudo, do escritor, vem sendo cada vez mais questionado nos últimos tempos, dada a enxurrada de obras sofríveis – algumas até de autores de reconhecido talento – que tem invadido as livrarias. A falsa modernidade está desviando muitas pessoas brilhantes do verdadeiro objetivo daquele que faz literatura: o engrandecimento cultural do homem. Os temas explorados, hoje, são variações em geral em torno de um mesmo e único assunto: sexo. Mas a abordagem, dessa temática válida por sinal, tem sido infeliz e equivocada. Resvala para a degradação do ser humano e lança-o de ponta-cabeça no inferno, contrariando a advertência do poeta Daisaku Ikeda de que esse procedimento é doentio e, mais do que isso, destrutivo.

Fundamentos da civilização


Pedro J. Bondaczuk


O homem contemporâneo, a despeito do magnífico avanço tecnológico que lhe permite interferir na própria natureza e deter em suas mãos até mesmo o poder de destruir em minutos o Planeta, não é o gigante que pensa ser. É, na verdade, um anão. Apresenta as dimensões gigantescas que aparenta por estar de pé nos ombros dos gênios do passado que o antecederam e que, partindo do nada, elaboraram todas as artes, a ciência e o raciocínio.

Mas isto somente foi possível graças ao trabalho, em geral anônimo, de uma categoria sofrida, injustiçada, mas que sem ela o conhecimento adquirido simplesmente se perderia no esquecimento: a dos professores.

Quem conseguiria ser, por exemplo, um pesquisador espacial, que sonda os mistérios de estrelas tão distantes da Terra que, quando sua luz chega até nós, elas já estão extintas há milhões, quiçá bilhões de anos, se não tivesse tido uma humilde professorinha que lhe ensinasse desde as primeiras letras?

Quem poderia chegar a realizar maravilhosos transplantes de órgãos, alterar genes de uma célula para corrigir defeitos congênitos, ou mapear o próprio segredo da vida humana, se não contasse com um mestre que lhe desse as noções elementares da linguagem, do cálculo e das ciências? E vai por aí afora.

Não houvesse professores, e os primeiros homens civilizados que deixaram as cavernas para erigir cidades, Estados e nações, não conseguiriam perpetuar suas conquistas. Após sua morte, o dito Homo Sapiens retroagiria ao domo primitivo e voltaria a ser simples fera.

Os grandes líderes religiosos, que nos legaram princípios basilares de vida, que impediram que o único animal inteligente da natureza se destruísse por não saber controlar os impulsos de suas paixões, como Jesus Cristo, Buda, Confúcio, Maomé e tantos outros, foram, sobretudo, mestres. Ou seja, professores.

Pode parecer exagero à primeira vista, mas se refletirmos bem re com sinceridade, concluiremos que esses seres abnegados, que fazem da arte de ensinar um sacerdócio, são os autênticos esteios da civilização. O escritor Elias Canetti afirmou que "a humanidade só está indefesa quando não mais possui experiência nem memória".

E quem é mais indicado para preservar ambas, as transmitindo para gerações futuras, do que os que ensinam? Daí ser incompreensível, principalmente em nosso País, o tratamento dispensado aos únicos que o podem redimir dos fracassos do passado e fazer com que o Brasil tenha o futuro que sonhamos para ele: os professores.

Monday, July 24, 2006

TOQUE DE LETRA



Pedro J. Bondaczuk



DE NOVO A DEFESA ENTREGOU

A torcida da Ponte Preta não agüenta mais a ineficiência da sua defesa. No jogo de ontem, quando o time foi derrotado pelos reservas do São Paulo, em pleno Majestoso, por 3 a 1, mais uma vez o setor comprometeu e entregou o ouro para o bandido, com a mocinha e tudo. Desse jeito, a Macaca garante, com certeza, o passaporte para a Série B, caso alguma coisa não seja feita e com a máxima urgência, já para o jogo de sábado, no ABC, contra o fatídico São Caetano. A defesa da Ponte Preta, de novo, é a mais vazada do campeonato, com trinta gols sofridos. O engraçado é que a torcida e a crônica esportiva cobram eficiência é do ataque que, bem ou mal, cumpre o seu papel (tem média de mais de um gol por partida) e está entre os cinco melhores da competição. Para um time que já teve Oscar, Polozzi, Juninho, Nenê, Fábio Luciano, Pedro Luís e Rodrigo, entre tantos e bons zagueiros, essa fragilidade defensiva atual é inadmissível. Marco Aurélio tem que arrumar o setor urgente, urgentíssimo, nas próximas horas, para evitar que a Macaca continue dando vexame em cima de vexame.

NO BUGRE, O “PECADO” É OUTRO

O Guarani, ao contrário da Ponte Preta, peca é no setor ofensivo. É um parto da montanha para seus atacantes fazerem um único e solitário gol. A defesa até dá para o gasto, mas os homens de frente... têm que apurar, com urgência, a pontaria, caso contrário o time não vai para lugar algum. No jogo de sexta-feira, em Taguatinga, contra o Brasiliense, por exemplo, mais uma vez essa incompetência dos avantes para empurrar a bola para as redes ficou evidente. Resultado? Derrota por 1 a 0, apesar do Bugre ter dominado a maior parte da partida. Um único erro da defesa resultou na perda de três preciosos e irrecuperáveis pontos. Há tempos que o esquema bugrino é nitidamente ofensivo (ao contrário do da Ponte Preta, cuja obsessão é marcar, marcar e marcar). O Guarani, por exemplo, resolveu recentemente uma das suas maiores deficiências, a dos laterais. Parral e Ademar, contratados já na gestão de Leonel Martins de Oliveira, apóiam, e bem, o tempo todo. Ocorre que os cruzamentos que fazem são invariavelmente desperdiçados pela dupla de ataque, que exagera em perder gols em cada jogo. Falta ao Bugre, na verdade, aquele meia municiador, de passe preciso, capaz de, com um simples toque, deixar os atacantes de frente para a meta adversária. Além disso, Edmilson e Marcelo Peabiru não podem continuar desperdiçando oportunidades, como tem ocorrido até aqui. Caso contrário...

POSTURA EQUIVOCADA DA MACACA

Concordo plenamente com as colocações do mestre Dicá (brilhante comentarista da Rádio Bandeirantes de Campinas, que analisa os jogos com a visão de quem de fato sabe o que diz, por ter sido um craque excepcional dentro das quatro linhas), quando critica a postura defensiva da Macaca. O time, em geral, começa bem os jogos. A partir de um determinado instante, porém, recua em demasia, para a zona da meia-lua da sua defesa, atraindo o adversário (qualquer que ele seja, forte ou fraco) para a sua área. Ainda se isso fosse feito para encaixar contra-ataques mortais, seria, pelo menos em parte, justificável. Mas não é o que ocorre. A Ponte carece, por exemplo, de um volante técnico, que saiba sair com rapidez e qualidade para municiar com eficiência os atacantes. Acuada, a zaga se limita a rebater as bolas para onde o nariz estiver virado. Invariavelmente, os adversários a recuperam e voltam a rondar a meta pontepretana, isso o jogo todo. Ora, até água mole em pedra dura, de tanto bater, fura...Num determinado momento, os avantes adversários acertam algum chute bem colocado, mesmo que sem querer, no gol e a mimosa, invariavelmente, vai para o brejo. Além de mudar nomes, portanto, com a contratação de zagueiros eficientes e técnicos, que não se limitem a ser rebatedores, a Macaca tem que alterar essa postura equivocada, que já vem de longa, longuíssima data. Será que ninguém da comissão técnica enxerga isso?!!!

DEIVID É MAL-APROVEITADO

Por falar em comentarista da Rádio Bandeirantes, assino embaixo a opinião de outro deles, o Waldemir Gomes, sobre a postura do meia Deivid, do Guarani. O garoto, muito bom de bola por sinal, vem jogando em posição errada, que não combina com as suas características, e por isso não rende tanto para o time, como seu potencial permite. Em vez de jogar no meio de campo, na função de armador, muitas vezes vindo buscar a bola praticamente em sua área, deveria ser aproveitado como um terceiro atacante, sem a incumbência de marcar. Todas as vezes que o jogador atuou nessa posição, deu maior dinamismo ao ataque e até fez gol. Em vez de municiar os atacantes, portanto, Deivid deveria ser municiado. Quem sabe, com a entrada de Danilo no time, a jovem revelação bugrina venha a ser melhor aproveitada. É, pelo menos, o que o torcedor espera. É perfeita, portanto, a observação do Tigrão a respeito (como sempre, aliás).

GOLEIRO RESERVA SE CONSAGRA

Foi simplesmente espetacular a atuação do goleiro reserva do Botafogo, Max, que entrou no segundo tempo na meta do time da estrela solitária, em substituição a Lopes, no jogo de ontem, em que o time carioca empatou com o Internacional, por 0 a 0, em pleno Beira-Rio. Apesar do Colorado gaúcho jogar com seu time reserva, de olho no próximo adversário na Copa Libertadores, pelas semifinais da competição, o Libertad do Paraguai, fez uma partida digna dos titulares. No segundo tempo, promoveu um verdadeiro massacre. E Max, doido para recuperar a titularidade, que já foi sua, só faltou fazer chover. Fez defesas fantásticas, a maioria de chutes à queima-roupa da pequena área, e garantiu à equipe carioca um pontinho precioso, já que arrancado na casa do adversário. Se jogar, sempre, tudo isso que jogou, é goleiro para Seleção Brasileira. O chato é que isso raramente acontece. Em geral, um goleiro, como esse, arrebenta numa partida e em outra toma dois ou três perus, desses antológicos. Mas a atuação de Max, no jogo de ontem, é digna de registro. Foi, sem dúvida, o personagem dessa rodada.

PRETEXTO PARA DEIXAR O CLUBE

Estou seguro de que o atrito que Carlito Tevez arrumou, no sábado, no empate do Corinthians com o Fortaleza, no Morumbi, por 2 a 2, com a Gaviões da Fiel, não foi um ato de “ingenuidade” do atleta, como alguns afirmaram, mas uma atitude de caso pensado. Muitos duvidavam (e eu me incluo entre estes) que o jogador argentino retornasse ao Parque São Jorge, tão logo acabasse a Copa do Mundo. Em meio a um suspense enorme e a inequívocas manifestações de má-vontade da sua parte, porém, voltou. Para deixar o Corinthians, no entanto, e defender algum time europeu, ele precisava de alguma desculpa muito forte, para não jogar os torcedores contra a MSI. Confesso que não morro de amores por qualquer torcida organizada. Mas o gesto de Tevez, exigindo silêncio dos que vaiavam o time, que não jogava nada contra o limitadíssimo Fortaleza, após fazer o segundo gol do Corinthians, foi um claro gesto de desrespeito pelos que o alçaram à condição de ídolo. Não dou duas semanas para Carlitos ser negociado. Cobrem-me depois. E, na minha opinião, já vai tarde...

RESPINGOS...

· Foi escandaloso o erro do árbitro Sérgio da Silva Carvalho, do Distrito Federal, no jogo em que o Fluminense empatou com o São Caetano, no sábado, no Rio, por 2 a 2. Ele validou um gol do tricolor carioca feito nitidamente com a mão pelo ex-pontepretano Evando. O estádio inteiro viu a irregularidade... menos o juizão.
· O Palmeiras, nas mãos de Tite, voltou a ser um time que impõe respeito, dentro e fora de casa. Não perdeu nenhuma depois que o Campeonato Brasileiro recomeçou. Conquistou, ontem, em Goiânia, a terceira vitória consecutiva, ao bater o Goiás, no Estádio Serra Dourada, por 3 a 1. E sem nenhum reforço, diga-se de passagem, na base da pura competência do treinador.
· O Corinthians continua uma bagunça só. Diante da falta de comando da comissão técnica sobre o problemático elenco, o presidente Alberto Dualib, de 84 anos, anunciou que está assumindo o Departamento de Futebol. E tudo indica que a tal da parceria com a MSI está prestes a ir para o espaço.
· Timinho enjoado esse Paraná. De mansinho, de mansinho, sem que ninguém perceba, vai chegando às primeiras colocações. Já é o 4º na tabela. E, se bobearem, belisca o título desse Brasileirão.
· São Paulo e Internacional pegam duas pedreiras nas semifinais da Libertadores da América. O tricolor paulista enfrenta o Chivas, do México, que o derrotou por duas vezes na primeira fase da competição. O Colorado, por sua vez, encara o Libertad do Paraguai, que não vem tomando conhecimento dos seus adversários. Será muito difícil dar outra final brasileira na Libertadores. Mas impossível não é!

* E fim de papo por hoje. Entre em contato, para críticas e sugestões.


pedrojbk@hotmail.com

REFLEXÃO DO DIA


O homem de espírito somente tem seu valor reconhecido quando ou "se" comunica aos que o rodeiam suas observações sobre tudo o que o cerca. Se compartilha as idéias que tem com um número máximo de pessoas que lhe sirvam de "espelho" e reflitam toda essa "luz" que emite.. Se tem opinião formada sobre vários assuntos. Se oferece ao mundo, da mesma forma que recebe, suas criações. Se brinda a comunidade, não importa qual – se a da rua, do bairro, da cidade, do país ou mundial – com o produto resultante da sua atividade intelectual e da sua sensibilidade. O fruto da razão e da emoção só tem sentido quando se incorpora ao patrimônio comum do nosso tempo. Quando é compartilhado com os outros. Quando consegue despertar interesse e enriquece a cultura de um povo e de uma época. Quando resulta em alguma conseqüência. É sua única razão de existir.

Constante reconstrução


Pedro J. Bondaczuk


Você já notou como nossa vida é uma constante reconstrução? É um tal de fazer, refazer, construir, demolir, voltar a construir no local em que a construção anterior foi demolida, e assim vamos, nessa toada, até o momento de nos despedirmos do mundo e encerrarmos essa aventura que nos é proporcionada pelo fato de termos nascido. E não me refiro apenas a obras palpáveis, a casas e edifícios, por exemplo, mas também a carreiras, a relacionamentos, a amizades, inimizades, ódios e amores. Nada tem o caráter da permanência, da perpetuidade e da eternidade.
Galáxias, estrelas e planetas nascem a todo o momento, enquanto outros tantos explodem, ou se alteram, ou simplesmente desaparecem em algum lugar da imensidão sem-fim do espaço vazio. Essa permanente reconstrução, digamos, física, concreta, pode ser observada melhor, por exemplo, nas zonas urbanas.
Num determinado instante, em decorrência da crescente expansão das povoações (hoje, mais da metade da humanidade reside em pequenas, médias e, sobretudo, grandes cidades), uma área qualquer é loteada e dividida em vários terrenos. São feitas campanhas publicitárias, os lotes são vendidos um a um, e não tarda para que alguém edifique uma moradia no espaço que adquiriu, há pouco tempo absolutamente baldio, que é logo cercado pelo proprietário.
Digamos que nesse lugar seja erguida uma luxuosa mansão, embora a área seja ainda um tanto erma. Os anos passam. As coisas mudam. O poder público promove a urbanização da gleba, proporcionando serviços essenciais ao homem moderno, sem os quais não sobrevive com dignidade, como água, luz, esgoto, asfalto etc. E o novo bairro, que se formou lentamente, se expande com rapidez. Centenas de outras moradias são construídas, várias das quais mais suntuosas, modernas e confortáveis do que a residência original do nosso personagem pioneiro. Claro que nos referimos ao processo, digamos, “normal” de urbanização. Nas favelas, ele é mais ou menos parecido, porém desordenado e caótico. Ninguém compra terreno de ninguém. Invade a área e pronto. Ela passa a ser sua.
Voltemos ao nosso povoador pioneiro. O passar dos anos traz natural desgaste à mansão que construiu, apesar de constante e cuidadosa manutenção (e até de várias reformas) que faz. Novos (e melhores) materiais de construção são desenvolvidos. A arquitetura evolui. Os acabamentos se tornam mais sofisticados e duráveis. E a mansão, que na época em que foi construída era moderna e, não raro, revolucionária, não tarda a se tornar feia, cinzenta, envelhecida e decadente, destoando das demais moradias ao redor.
Um dia, o proprietário original morre. A propriedade, após muita disputa, é assumida pelos herdeiros. Estes, claro, têm conceitos estéticos muito diferentes do nosso pioneiro. Ademais, acham mais fácil dividir dinheiro do que uma edificação velha e decadente. Põem, portanto, o imóvel à venda. Não raro, alguma imobiliária o adquire, mas de olho, apenas, no terreno.
A mansão original acaba demolida, para dar lugar a um prédio, que ao cabo de certo tempo, também passará por idêntico processo de decadência da mansão original e será, por seu turno, posto abaixo, para ceder lugar a um edifício mais moderno e racional ainda e assim por diante, num ciclo virtualmente sem fim. Foi, por exemplo, mais ou menos o que aconteceu com a Avenida Paulista, em São Paulo. Onde estão os suntuosos casarões dos barões do café dos anos 20? Ou os de seus “sucessores” dos anos 30, 40, 50 ou 60? Há tempos não existem mais!
Com nossas carreiras, com nossos sonhos, com nossos relacionamentos etc. ocorrem processos semelhantes, guardadas as devidas proporções. São construídos, reformados, demolidos e reconstruídos continuamente. Peço licença ao paciente leitor para citar palavras de um escritor, que concorda com minhas colocações (ou, para ser exato, eu é que concordo com as dele), e que expressa tudo isso que eu quis dizer com muito mais perícia do que eu.
Trata-se do baiano Ariovaldo Matos, que constatou, num de seus contos, publicado na antologia “Histórias da Bahia”: “Um homem constrói toda a sua vida acreditando numa certeza, a ela se sacrificando, matando sentimentos profundos, sufocando desejos, justificando erros. E, de repente, todo o mundo que construía, no plano ideal, explode. A certeza era uma farsa. Talvez um cínico, diante de tal problema, dissesse: bem, amanhã é outro dia... Talvez um calculista frio, mestre na análise de sentimentos e imune a paixões, pesasse, um a um, todos os aspectos do problema, considerasse suas causas e suas conseqüências, permitindo-se uma autocrítica percucentíssima, no fim do que se consideraria disposto a outra, repetindo Camões: muda-se o ser, mudam-se as substâncias...”
Mas o que fazer, de verdade, quando nosso castelo de sonhos desmorona de maneira tão fragorosa e definitiva? Lamentar? Para quê? Lamentos não levam a lugar algum. Culpar os outros? Qual o sentido prático de agir assim? Largar mão de tudo e se entregar a um covarde desalento? Nada disso! Para as pessoas práticas e, sobretudo, corajosas, só resta um caminho a seguir. Reconstruir (se ainda houver tempo, claro) o que ruiu, seja lá o que for: casa, carreira, relacionamento, amizade ou amor...Não há outra saída.

Sunday, July 23, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Dois terços da humanidade trabalham, ou procuram trabalhar, para que o um terço restante fique com os frutos deste labor em seu próprio proveito. Por que? É a pergunta que os idealistas fazem há séculos! E muitos morrem por essa igualdade de oportunidades! Um bilhão e quatrocentos milhões de pessoas situam-se, hoje, abaixo da linha da miséria, sem casa para morar, sem comida, sem acesso à saúde, sem poder obter o preciosíssimo bem da educação que lhes permitiria uma evolução em sua condição pessoal. E essa contundente cifra cresce em progressão geométrica. Enquanto isso, os recursos preciosos e esgotáveis do Planeta concentram-se, mais e mais, proporcionalmente, em menos mãos. Por que?

Turismo sexual


Pedro J. Bondaczuk


A exploração sexual de crianças e adolescentes é uma praga mundial que governos e organizações ligadas às Nações Unidas, ou entidades defensoras de direitos humanos, buscam, a todo o custo, combater. Mas estão perdendo essa guerra.

Tragédias são noticiadas, com certa freqüência, envolvendo pedófilos – como o belga Mark Dutreux, por exemplo –, alguns até ocupando posições de responsabilidade na sociedade, em que crimes bárbaros são cometidos contra menores. Tais episódios, porém, só vêm à tona quando nada mais pode ser feito pelas vítimas.

No Brasil, fazer sexo com garotinhas ou garotinhos tornou-se "atração turística". Há muito que se conhece essa prática, mas pouca coisa (ou nada) foi feito até aqui para evitar essa aberração. Apenas os artistas – notadamente a cantora Daniela Mercury – vinham empreendendo, solitariamente, campanhas para punir exploradores sexuais de menores.

Desde quarta-feira, o governo entrou nessa "guerra". Talvez não o faça da maneira ideal, mas já é uma atitude. A "Campanha de Combate à Exploração do Turismo Sexual Infantil", lançada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, tem o mérito, pelo menos, de "pôr o dedo nessa chaga", publicamente.

Objetiva, sobretudo, conscientizar a sociedade dos prejuízos que essa prática traz para a imagem do País lá fora e que não é das melhores. Foi colocado, inclusive, um número telefônico à disposição da população (0800-990500) para que denuncie os responsáveis pela prostituição de meninos e meninas.

A rigor, não existem medidas preventivas para evitar que as crianças sejam sexualmente exploradas. Não há uma cultura de preservação da sua integridade física e emocional. Falta uma consciência generalizada de que todos somos responsáveis por todos. De que aquilo que acontece ao nosso vizinho pode, de alguma forma, nos afetar.

As pessoas preferem ignorar o problema. Apenas ficam indignadas quando crimes bárbaros, como o de Dutreux ou do casal West na Grã-Bretanha (o da "casa dos horrores"), são noticiados. Essa indignação, no entanto, tem muito de hipocrisia.

Há senhores que posam de empresários respeitáveis e amorosos pais de família que atravessam continentes para fazer "turismo sexual". E o Brasil torna-se, crescentemente, um dos países mais procurados para o exercício dessa perversão. E por que? Porque tem fama de não tratar com dignidade e seriedade suas crianças. E não trata. Com certa freqüência, documentários são exibidos no Exterior mostrando como vivem nossos meninos e meninas de rua.

Isto não quer dizer que tais cenas não devam ser mostradas. Não devem é existir. E para que isso aconteça é indispensável que se mude a mentalidade. Claro que não serão uma ou duas campanhas transitórias que vão fazer isso. Mas elas podem ser um início. É preciso que venham acompanhadas de medidas práticas que, sobretudo, eliminem, ou pelo menos atenuem, a vergonhosa miséria que atinge a grande maioria dos brasileiros.


(Artigo publicado no Correio Popular em 17 de abril de 1997).

Saturday, July 22, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Os ideais devem ser permanentes, tanto os do indivíduo, quanto os da comunidade em que ele está inserido. São os casos da solidariedade, da fraternidade e da justiça, entre outros, conceitos que, se bem entendidos e, sobretudo, aplicados, transformam por si sós o Planeta em um lugar aprazível para se viver. O austríaco Peter Handke escreveu: "Existe como que uma falta que se instala (em nossa vida). Mas é preciso ter o desejo. O desejo de redenção, de libertação. Se a gente não tem isso, acho que não se pode escrever". Eu diria que não se pode viver. Mas é necessário ter-se em mente a possibilidade de não conseguirmos alcançar o que tanto desejamos e saber como lidar com essa frustração. Temos que entender que não passamos de pequeno elo de imensa corrente surgida quando do aparecimento do primeiro indivíduo inteligente, da nossa espécie, sobre a Terra e cujo final é impossível de vislumbrar na sucessão de gerações.

Soneto à doce amada - XXVII


Pedro J. Bondaczuk

Que insensatez, minha doce amada,
em tentar o tempo móbil deter...
Quisera ofertar-te sempre meu ser!
Fazer do teu olhar uma morada

eterna dos meus sonhos tão azuis...
Mas o tempo, cruel, marcha ligeiro!
Este instante é tão vão e passageiro
que amanhã não terás o que possuis.

Minha doce amada, hoje somos dois.
Amanhã, por certo, seremos três
a viver esta insólita ilusão.

Nós não deteremos nunca este mês.
Deixa o tempo voar, como a canção!
Minha doce amada! Que insensatez...!


(Soneto composto em Campinas, em 3 de novembro de 1967 e publicado na "Gazeta do Rio Pardo", em 26 de novembro de 1967, no jornal "O Município", de São João da Boa Vista, em 5 de fevereiro de 1969 e no "Jornal do ACP", de Paulínia, em 24 de maio de 1969).

Friday, July 21, 2006

REFLEXÃO DO DIA


O mundo da fantasia, aquele do faz-de-conta, o dos nossos sonhos, tem as dimensões exatas dos nossos desejos. Difere em muito do real, onde temos que lutar pela sobrevivência, sem muito espaço para correr atrás de abstrações. Preocupações imediatas nos desafiam, como conseguir um teto para nos cobrir a cabeça, o alimento que nos mantenha as forças, o acesso à educação e à cultura para que conservemos nosso tênue verniz de "civilização", o usufruto das conquistas da medicina para manter nossa saúde e prolongar nossa vida etc. O que desejamos pode ser tanto a mola que nos impulsione às grandes realizações, quanto a fonte de toda a nossa infelicidade. E é muito difícil, senão impossível, filtrar o factível, o concretizável e o realizável do somente desejável. Alguns desejos exigem cumplicidade para que se realizem. Jamais uma única pessoa, de forma isolada, teria condições de realizá-los, dadas sua abrangência e complexidade.

Heitor Villa-Lobos - Final


Pedro J. Bondaczuk

Método peculiar de composição

Definir qual a composição mais importante ou expressiva de Villa-Lobos equivale a discutir o sexo dos anjos: todas são geniais. Cada uma delas possui algo que nos prende a atenção, nos hipnotiza, nos apaixona. Interessante era a forma que o maestro tinha de compor.

Ao contrário de tantos mestres, que se isolavam do mundo e se trancavam por horas, dias ou até semanas em aposentos silenciosos, o nosso “Villa” preferia a balbúrdia, a algazarra, a algaravia, a agitação para buscar inspiração. Suas páginas mais brilhantes foram compostas na cozinha de sua casa, em meio a conversas e até de discussões. Villa-Lobos tinha uma capacidade incrível de fazer várias coisas ao mesmo tempo.

Costumava, antes de tudo, ligar o rádio no último volume, nos programas musicais da época, em geral daqueles “bolerões” sombrios, trágicos e barulhentos de antigamente, ou então nas radionovelas, nas quais era vidrado.

Criado o “clima”, entabulava alguma conversa, com quem quer que estivesse mais próximo, que tanto poderia ser sobre o sucesso do bloco carnavalesco que ajudou a criar, quanto sobre o preço do tomate, da cebola ou da batata.

Enquanto isso, ia despejando notas e mais notas nos pentagramas, extraindo sons de dentro de si de uma maneira aparentemente casual. E o resultado era sempre surpreendente. Durante certo tempo, fumou os famosos “quebra-peito”, de preço barato, sem filtro (antigamente não existia disso), que acendia um após o outro.

Proibido pelo médico de consumir cigarros comuns, passou a adquirir os célebres charutos Monte Cristo, fedorentos, dos quais jamais se desgrudava. Foi dessa forma que surgiram harmonias imortais, para instrumentos ou vozes. Gênio é gênio!

É muito difícil catalogar todas as composições de Villa-Lobos ou sequer mencionar as preferidas. Todas têm o seu fascínio, seu charme, seu encanto especial. No entanto, algumas das que mais gostamos, daquelas que conseguimos lembrar, de memória, são: As óperas “Aglaia” e “Elisa”; o “Quinteto em forma de Choros”; as “Bachianas Brasileiras”; os bailados “Amazonas” e “Uirapuru”; a “Sonata Fantasia nº 1” (“Desesperance”), para violino e piano; a “Prole do Bebê nº 1”; “Vida Pura”; “Cânticos Sertanejos”, suíte para orquestra de câmara; “Quinteto Duplo”, para cordas; “Carnaval das Crianças Brasileiras”; “Missa de São Sebastião”; “Choros”; “Cirandas”; “Danças Africanas”; “Rudepoema”; “Sexteto Místico”; “Noneto”; “Brinquedo de Roda”, para piano; “Serestas”; “Pequena Suíte”, para violoncelo e piano; “13 Estudos para Violão” e outras, tantas outras que no momento fogem da lembrança.

Este é, em rápidas pinceladas, o perfil de um gênio com características diferentes das manifestadas por outros desses seres extraordinários que vez ou outra surgem, em alguma geração e em algumas atividades, e que aceleram a evolução artística e cultural da humanidade.

Não foi trágico, não foi agressivo e nem muito diferente de nós. Talvez tenha sido um pouquinho mais excêntrico que a maioria. Todavia, gostava daquilo que a maioria das pessoas simples aprecia. Reagia de forma idêntica à que reagimos aos problemas, às alegrias e às tristezas. O que o diferenciou dos outros gênios, possivelmente, foi o fato de ser brasileiro. E como foi!

Tinha, por exemplo, essa postura, misto de anjo e de demônio, que caracteriza a nossa maneira de ser. Por isso não se frustrou, não se perdeu em amarguras e nem definhou se julgando injustiçado e incompreendido pelos mortais comuns. Foi um dos raros gênios que saboreou o sucesso em vida (ventura reservada a pouquíssimos), na certeza de que jamais seria esquecido pelo povo que, à sua maneira, amou, e com o qual se identificou até nos mais insignificantes detalhes.

(Ensaio publicado na página 26, Especial, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).

Thursday, July 20, 2006

REFLEXÃO DO DIA


A modernidade depende das definições feitas a seu respeito. O que é tido como "moderno", hoje, numa fração não conhecida de tempo será obsoleto, antiquado, "demodé". O que se deve buscar, no entanto, é o eterno. Ou seja, aqueles princípios e valores que o passar dos anos, dos séculos, dos milênios não consegue alterar. A liberdade é um desses conceitos. A amizade talvez seja o principal. O amor é outro. E há uma infinidade deles eternizada, depois de provada e comprovada.

Heitor Villa-Lobos - Parte IV


Pedro J. Bondaczuk

Manifestação precoce de talento

Heitor Villa-Lobos, a exemplo de todos os gênios, revelou, também, grande precocidade. Nasceu no bairro carioca das Laranjeiras, em 5 de março de 1887. Seu pai, Raul, funcionário da Biblioteca Nacional, foi um homem de refinado gosto musical e de grande cultura. Tanto é que se constituiu num dos fundadores da Sociedade de Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro.

Pelo lado materno, Villa-Lobos deve ter herdado o seu talento de compor. A mãe, Noêmia Monteiro, era filha do compositor Santos Monteiro. Seus primeiros passos na arte que o iria consagrar foram dados em casa mesmo. O pai foi seu primeiro professor. Aprendeu a tocar com ele dois instrumentos: o violoncelo e o clarinete. Foi Raul, também, que lhe deu as primeiras noções de teoria musical.

Aos oito anos, Villa-Lobos já era um admirador por excelência de Johann Sebastian Bach, especialmente da sua obra “Cravo Bem Temperado”. Aliás, anos mais tarde, o maestro identificaria acordes e harmonias do gênio germânico em muitas cantigas de roda e expressões folclóricas brasileiras.

Suas composições mais célebres também estão ligadas a este mestre dos mestres, que vem influenciando gerações, quer no gênero clássico, quer no popular, em todo o mundo. São conhecidíssimas (pelo menos nos meios culturais refinados), as “Bachianas Brasileiras”, de Heitor Villa-Lobos, inspiradas nos acordes de Johann Sebastian Bach.

O genial compositor brasileiro teve, por professores, Breno Niedenberg, com quem estudou violoncelo, Frederico Nascimento e Agnelo França. Sua primeira composição foi feita para violão e intitulava-se “Panqueca”. Surgiu quando Villa-Lobos tinha apenas 13 anos de idade.

Aos 14, já era perito nesse instrumento. Tanto é que se ligou a um conjunto instrumental popular e passou a viver de música, no sentido profissional. Aos 16, em 1903, resolveu fugir de casa. Passou a morar e a conviver com os famosos “chorões”, grupos de boêmios especializados nos deliciosos chorinhos, que até hoje têm um público fiel e cativo e que certamente jamais haverão de morrer, por expressarem o lado sentimental do brasileiro.

Em 1905, quando vendeu a biblioteca do pai (após a morte deste, é óbvio), saiu a rodar pelo Brasil, sem direção certa e sem prazo para voltar. Tanto é que permaneceu oito longos anos fora do Rio de Janeiro, em pequenas cidades de Minas, de São Paulo, da Bahia, do Ceará, do Amazonas e de tantos outros Estados.

A colheita de inspiração que fez nesse período, foi das mais fartas e preciosas. Nessas suas andanças, conseguiu coletar mais de um milhar de temas, que viria a desenvolver, posteriormente.

Os primeiros concertos de Villa-Lobos foram desastrosos, sob o ponto de vista da aceitação pública. Recebeu tantas vaias e xingamentos que chegou a se acostumar a essas manifestações de hostilidade. Foi vaiado não somente no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas até no célebre “Scala”, de Milão, onde o nosso Carlos Gomes se lançou para a glória e celebridade, anos antes.

Isto, todavia, não o abalou. Não, pelo menos, exteriormente. Em pouco tempo, a maré passou a se inverter. Convites e mais convites, das mais diversas partes do mundo, começaram a chegar ao controvertido maestro.

Em 1926, por exemplo, voltou a apresentar-se em São Paulo e no Rio de Janeiro, desta vez, ao contrário de oportunidades anteriores menos auspiciosas, acabou aplaudido de pé pelas respectivas platéias. Em 1927, deu dois concertos na Sala Gaveau, de Paris. Regeu, regeu e regeu a não poder mais a partir de então. E compôs de forma prolífica, generosa, larga e, sobretudo, brilhante. Sua obra completa ascende a mais de 1.500 composições. Todas com seu toque característico, verde e amarelo. Todas tendo por tema e por mote o Brasil.

Esses trabalhos artísticos teve a oportunidade de mostrar nos locais mais seletos e refinados do mundo. Dirigiu um grande número de orquestras, na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. Pode-se dizer que foi um dos maiores embaixadores da nossa cultura, especialmente a musical, no Exterior.

Embora apreciado e admirado pelos brasileiros (antes e depois da morte), seus trabalhos são mais conhecidos no estrangeiro. Isso, apesar de existirem cerca de 100 de suas composições gravadas. Aqueles que não tiveram, ainda, o privilégio de tomar contato com a música de Villa-Lobos, não têm a mínima noção do que estão perdendo.

Ele próprio autodefiniu-se, certa feita, desta forma: “Sou um atonal neoprimitivo e durmo pouco”. Está aí uma dica para a garotada que “curte” novidades. O grande “Villa” tinha um talento de tal forma eclético, que será sempre novo para quem o ouvir, mesmo daqui a dois, três ou cinco séculos. Quem duvidar, que faça a experiência e se perca nos emaranhados geniais dos seus acordes.


(Ensaio publicado na página 26, Especial, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).

Wednesday, July 19, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Cada um de nós vem ao mundo com duplo compromisso. O primeiro (nossa maior obrigação na vida) é o de sermos felizes. O segundo, não menos importante, é o de acrescentarmos conhecimentos e experiências ao patrimônio cultural comum, que vem sendo engrossado e enriquecido desde o surgimento da humanidade civilizada. A esse propósito, Jacques Maritain observa: "Por ser capaz de adquirir conhecimentos o homem não progride na sua vida específica...sem a experiência coletiva, previamente acumulada e preservada, e sem a transmissão normal de conhecimentos adquiridos". E para esse usufruto e esse acréscimo ao "estoque" cultural humano, convenhamos, não podemos "construir nossa casa na floresta" do isolamento. A comunicação eficaz e competente é fundamental na construção de um mundo melhor. Daí a importância desse nosso amistoso contato diário que, além de reforçar nossa amizade, nos induz a maduras e sábias reflexões.

Heitor Villa-Lobos - Parte III


Pedro J. Bondaczuk

“Bebendo” nacionalismo na fonte

Villa-Lobos foi um nacionalista por excelência. Não somente no que dissesse respeito à música, mas a tudo o que se referisse a Brasil. Para as suas composições, não perdeu tempo pesquisando as nossas raízes sonoras em empoeirados e bolorentos papéis, em escuros arquivos, ou em bibliografia estrangeira, até porque a alma popular não está em nenhum desses lugares.

Quando ainda bastante jovem, vendeu a biblioteca do pai, Raul, e com o dinheiro apurado, saiu para uma andança longa, preguiçosa, descompromissada e, sobretudo, atenciosa por este nosso imenso País-continente. Imagine o leitor o que isso significava naqueles idos de 1905, quando não havia, virtualmente, estradas que merecessem esse nome e os transportes, que ainda hoje são deficientes, praticamente se resumiam a lombo de burro, sela de um cavalo ou velhas e sacolejantes carroças, quando não navios inseguros e desconfortáveis.

Foi ali, na própria fonte, que Villa-Lobos “bebeu” todo o folclore que pôde. Conheceu a autêntica raiz musical do nosso povo, brotada anônima, espontânea, viva, sem qualquer mescla ou deturpação, da alma das pessoas.

Falando, certa feita, a respeito, o compositor declarou, todo satisfeito: “Todo o mundo tem uma grande biblioteca. Eu possuo um grande mapa do Brasil”. Todavia, à medida em que o quadro da distribuição demográfica nacional começou a mudar, em que a proporção entre a população urbana e rural passou a ser alterada, em detrimento da última, Villa-Lobos percebeu que essas manifestações genuínas de brasileirismo passaram a correr riscos de desaparecer. Principalmente após o advento do rádio e da indústria fonográfica. Passou a se manifestar uma invasão maciça de produções de péssima qualidade, vindas de fora, impingidas aos brasileiros por grandes multinacionais do ramo. Eram músicas que, além de ruins, nada tinham a ver com a nossa cultura, com nossos costumes e com a nossa maneira peculiar de ser.

A esse propósito, Villa-Lobos observou: “Os americanos conseguiram transformar a Coca-Cola em algo melhor que o champanhe. O mesmo acontece no Brasil em relação à má música. O brasileiro tem necessidade psicológica de má música”. E como tem!

Basta que alguém sintonize alguma das tantas emissoras de FM no dial do seu rádio. Ouvirá, certamente, uma cacofonia de enlouquecer qualquer um. Trata-se de uma sucessão interminável de gritos guturais, de grunhidos, de rosnados, de miados, de gemidos, tudo num idioma que é completamente estranho à maioria dos brasileiros, cujas letras (e aqueles que entendem inglês sabem disso) são desfiles magníficos de estupidez e de imbecilidades, que não têm coisíssima alguma de arte.

E no entanto, essas produções são consumidas aos borbotões e disputadas, nas lojas de discos e videocassetes, muitas vezes aos tapas, como suprassumos de genialidade. Uma das maiores ambições de Villa-Lobos era que todo o brasileiro tivesse acesso à autêntica música, e da melhor qualidade.

Foi ele, por exemplo, que desenvolveu campanha para o ensino do canto orfeônico nas escolas, matéria que permaneceu no currículo do antigo ginásio até que algum “iluminado” cismasse de a suprimir, na reforma procedida no início da década de 1960 (dois ou três anos após a morte do compositor).

Foi ele, também, que levou os sons mais seletos às grandes massas, aos estádios de futebol, como a apresentação em que regeu –, em 1942, no campo do Vasco da Gama, São Januário – um coro composto por 42 mil alunos. Foi Villa-Lobos, ainda, em pleno Estado Novo, em 1937 (o que lhe valeu imensas críticas e acusações de estar apoiando a ditadura de Getúlio Vargas), que protagonizou, em várias outras praças esportivas, recitais envolvendo 30 mil vozes e mil músicos. E sempre com repertórios brasileiros, mostrando o que havia de melhor em nossa cultura às jovens gerações.

Oxalá nós tivéssemos hoje, neste período caótico e confuso em que vivemos, pessoas que amassem o Brasil como Villa-Lobos amou. Mas não de uma maneira calhorda, através de um ufanismo boboca e vazio. Porém de uma forma crítica, construtiva, destacando nossas deficiências, clamando pela supressão das nossas carências, no entanto ressaltando as nossas qualidades (certamente as temos) e as valorizando.

Nosso saudoso maestro dirigiu, ainda, a Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA); fundou, em 1942, o Conselho Nacional de Canto Orfeônico e, em 1945, a Academia Brasileira de Música. E até o último dia de sua vida, preocupou-se em registrar e recriar os sons originais e a sensibilidade refinada do povo do seu País.


(Ensaio publicado na página 26, Especial, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).

Tuesday, July 18, 2006

REFLEXÃO DO DIA


Bertrand Russell, em sua "História da Filosofia Antiga", observa: "Quando nos lembramos, as lembranças nos ocorrem agora, e não são idênticas ao acontecimento lembrado. Mas a lembrança nos fornece uma 'descrição' do acontecimento passado e, para a maioria dos fins práticos, não é necessário distinguir entre a descrição e aquilo que é descrito". Por isso, não costumo me fiar muito na exatidão da chamada "Literatura Memorialística". Encaro o que é descrito como "ficção calcada em fatos reais". A menos que se trate de diário, reproduzido na íntegra, sem tirar e nem pôr, literalmente como foi escrito, dia por dia. Mesmo então, a carga de subjetividade é muito grande. O mesmo fato pode ser encarado e descrito de formas diferentes, dependendo do observador. Quando os textos são bem escritos e os episódios são interessantes, esse é um dos tipos de literatura que mais aprecio. Mas nunca tomo a narrativa em sentido literal.

Heitor Villa-Lobos - Parte II


Pedro J. Bondaczuk

Brincadeiras históricas e desconcertantes

Heitor Villa-Lobos, ao contrário do ar trágico assumido pelos grandes gênios, era como se fosse um meninão. Adorava fazer brincadeiras, agradassem ou não aos que eram vítimas delas. Alguns não o entenderam jamais. Outros, ficaram magoados, pela vida afora, como foi o caso do maestro Guerra Peixe, que mesmo reconhecendo o seu talento, afirmou que o compositor foi “um mau caráter”.

Garantiu que foi prejudicado por ele, embora dissesse que não guardou qualquer mágoa disso. Aliás, existe um grande folclore em torno desse espírito brincalhão, gozador, irreverente de “carioca da gema”.

Durante a realização da Semana de Arte Moderna, período pouco compreendido, mas que lançou as bases do modernismo no Brasil, realizada de 13 a 17 de fevereiro de 1922, em São Paulo, sob o patrocínio de Graça Aranha, da Academia Brasileira de Letras, essa irreverência veio à tona.

Em pleno Teatro Municipal, templo sacrossanto do esnobismo paulista, Villa-Lobos teve a suprema coragem de apresentar-se trajando fraque, cartola, a indefectível gravata borboleta, porém sem camisa e sem sapatos. Foi um escândalo, um “deboche”, conforme destacaram os jornais da época.

Poucos entenderam, no entanto, na ocasião, que o objetivo dos promotores do evento era exatamente esse. O de ridicularizar o artificialismo que então predominava, não apenas nas artes como a Literatura, a Música e a Pintura, mas, principalmente, nos “modismos”, nos trejeitos e nos gostos da chamada “gente bem”, todos importados e inadaptáveis ao nosso tropicalismo.

Anos mais tarde, comentando os caminhos do nacionalismo que impôs em seu estilo de composição e, principalmente, em sua temática, o nosso genial e irreverente artista sapecou: “Eu dei um pontapé na tradição. Eu sou de hoje”. Mais do que isso. Parodiando Drummond de Andrade, Villa-Lobos não era somente “moderno”, mas “eterno”.

Para encarnar na arte o espírito do brasileiro, seria impossível que assumisse na vida uma postura diferente da que caracteriza o nosso comportamento. Ficaria chocante em demasia um compositor tentar transpor para as suas obras o brasileirismo de uma forma sisuda, formal, engessada em regras, conceitos e preconceitos que não dizem nada para nós.

A nossa gente é irreverente por natureza. E admitamos, é até um pouco irresponsável na sua maneira de proceder. Mas é alegre, de uma alegria contagiante, que impressiona a todos os que nos visitam ou que conosco mantêm contato pela primeira vez. Somos um povo que sabe rir de suas próprias misérias, posturas e deficiências de caráter.

Temos, entranhada em nós, aquela postura “macunaimiana”, que Mário de Andrade soube perceber tão bem e transpor para o seu delicioso personagem. É claro que o Macunaíma é uma expressão caricatural, e não literal, do brasileiro. Mas, em certa medida, todos temos, em nosso comportamento, um pouquinho dele.E como toda a caricatura, esta também realça as nossas características que mais saltam à vista.

Villa-Lobos foi o autêntico compositor nacionalista brasileiro. E como tal, não poderia ser diferente do que foi. Gostava de um “chorinho”, como certamente todos gostamos. Adorava tudo o que fosse autenticamente nosso. A feijoada, o samba, a radionovela (posteriormente a televisão, quando esta apareceu por aqui), os filmes de “bang-bang”, a conversa vazia, a patuscada, o Carnaval, o papo jogado fora nas tardes quentes e preguiçosas do verão carioca, a última anedota, geralmente do papagaio ou do português, etc.

Isto, no entanto, não quer dizer que fosse um irresponsável. Que não desejasse uma vida melhor para si próprio e para todos os brasileiros ou que não sonhasse com um País onde não faltasse comida e moradia para ninguém, escola para todas as crianças, salário digno para todo o pai de família, probidade e coerência nos administradores e tudo aquilo que cada um de nós reivindica, nas ruas, nos bares, em cartas para as seções de leitores dos jornais, em artigos e em todas as nossas manifestações, públicas ou privadas.

Dizem que quando o compositor foi, pela primeira vez, à Europa, lhe perguntaram com que mestre europeu iria estudar. Naquela época, era costume isso. Era comum jovens talentosos da América Latina irem ao Velho Mundo para aperfeiçoarem-se com os músicos mais ilustres e conhecidos de então. Villa-Lobos, meio na base da gozação, como era do seu feitio, encarou o interlocutor e com um sorriso um tanto maroto, retrucou: “Quem disse que eu vim para cá para tomar aulas com alguém? Vocês é que vão estudar comigo”.


(Ensaio publicado na página 26, Especial, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).

Monday, July 17, 2006

TOQUE DE LETRA



Pedro J. Bondaczuk



MAIS UM VEXAME, POR CONTA DA DEFESA

A defesa da Ponte Preta (sempre ela!) mais uma vez foi a causa do vexame que a Macaca deu, no sábado, em Volta Redonda, quando foi goleada por 4 a 1, e de virada. Perder para o Botafogo, mesmo que por 1 a 0 ou 2 a 1, já é um péssimo negócio (toda derrota é). Mas ser goleada por esse timinho inexpressivo, que luta para sair das últimas colocações, já é demais para o coração do torcedor pontepretano (e sou um deles, claro)! O pior é que não existem alternativas no plantel. A diretoria contratou muito mal, mais uma vez, e de novo o time virou saco de pancadas dos adversários. Há já uns cinco Campeonatos Brasileiros que a Ponte Preta vem sofrendo com as deficiências do seu setor defensivo. Contratam-se meios-campistas às bateladas, um ou outro atacante, a maioria apenas para fazer número, e nada de se trazer bons zagueiros. Se é para ser goleada, que pelo menos se mude o esquema jogo e que se jogue ofensivamente, para cima dos adversários. Jogar retrancada, e ainda por cima ser goleada, é inadmissível para a Ponte Preta, se é que ela aspira, de fato, a algo mais que não seja meramente lutar para permanecer na divisão principal.

LIÇÃO DE CASA MALFEITA

O Guarani não fez, como deveria, a lição de casa. Cedeu empate, de 1 a 1, ao desfalcado Paysandu, no sábado, em pleno Brinco de Ouro, mesmo tendo domínio absoluto da partida. No futebol, porém, o que conta são os gols. E, não fosse um pênalti a favor, o Bugre estaria amargando, a esta altura, outra derrota em seus próprios domínios. Perder pontos em casa, em um campeonato de pontos corridos, em que os times são todos do mesmo nível (tanto que a distância dos primeiros para os últimos colocados na tabela é muito pequena), é dar sopa para o azar. Agora o Guarani terá que descontar essa perda fora, se possível já na sexta-feira, contra o sempre tinhoso Brasiliense, o que, convenhamos, não é tarefa das mais fáceis. Como a Ponte Preta, o Bugre mostrou, também, grande fragilidade defensiva (embora não tanta quanto a Macaca). A defesa bugrina não passa segurança alguma para a torcida. O empate com o Paysandu apenas confirmou o que escrevemos na coluna anterior. Ou seja, que a vitória contra o Gama, que gerou muita euforia em determinada parcela da imprensa, foi altamente enganadora.

O TREINADOR SABE O QUE DIZ

O técnico Marco Aurélio Moreira, embora desta vez sem citar nomes, voltou a insinuar que há jogadores no plantel da Ponte Preta fazendo corpo mole. Falou isso na entrevista de sábado à noite, no Estádio Raulino de Oliveira, em Volta Redonda, após a “sapatada” que o nosso time levou diante do Botafogo, por 4 a 1. Há tempos que a torcida vem desconfiando disso, embora não possa provar. Ninguém, contudo, melhor do que o treinador para sentir quem está se empenhando, de fato, e quem está de olho apenas em possível transferência para outro clube. Há tempos que quase nenhum jogador pontepretano que deixou o Moisés Lucarelli (as exceções são o Harrison e o Kahê) faz sucesso em outro time. Vejam-se os casos, por exemplo, de Roger, de André Cunha, de Ângelo, de Rissut, de Lauro e de Everton, apenas para citar alguns. Nenhum deles emplacou fora de Campinas. Não seria melhor se permanecessem no Majestoso, ganhassem mais experiência, mostrassem o futebol que deles se esperava (pelo menos mais honesto e produtivo), para só então se transferir? Tem muito boleiro que “viaja na maionese” e acredita em tudo o que os empresários lhe dizem. Alguns, por causa disso, chegam até a encerrar a carreira prematuramente. Tomara, pois, que a Ponte identifique os que fazem de fato corpo mole e lhes dê, sem dó e nem piedade, o clássico “bilhete azul”, com a máxima urgência. Uma fruta podre pode contaminar todas as sadias!

MÁXIMA EFICIÊNCIA COM NENHUMA POSE

O torcedor, às vezes, costuma ser cabeça dura e demora muito para fazer justiça com jogadores que mostram eficiência e espírito de luta. É o que vem ocorrendo com o atacante Tuto, na Ponte Preta. Em apenas cinco jogos em que atuou como titular, o avante já fez três gols (inclusive sábado, no Rio), deu outros três feitos para companheiros fazerem e foi substituído nas duas últimas partidas, exausto de tanto correr. Trata-se, portanto, de um jogador bastante eficiente, que “vale o quanto pesa”. Ainda assim, o torcedor, certamente influenciado pela imprensa, que chegou a ridicularizar o atleta tão logo chegou ao Majestoso, ainda não lhe deu o devido valor. Não conheço Tuto pessoalmente e não tenho procuração para sair em sua defesa. Defendo-o, porém, como ferrenho torcedor da Ponte Preta que sou, pois valorizo os lutadores, os que mostram raça, garra e determinação em favor do time e repudio os pilantras, que fazem corpo mole e prejudicam o meu time. O atleta, sem fazer pose de craque, em silêncio, já mostrou, no pouco tempo que está no Moisés Lucarelli, muito mais trabalho e eficiência que tantos e tantos “medalhões”, que vieram para cá precedidos de muita badalação, mas que não justificaram a fama. Abram os olhos, companheiros! Vamos dar valor a quem de fato tem!

CLÁSSICOS HORROROSOS EM SÃO PAULO E NO RIO

Dois dos maiores clássicos do futebol brasileiro, disputados na rodada passada Brasileirão, apresentaram nível técnico baixíssimo, para desespero das respectivas torcidas. Em São Paulo, o Corinthians acumulou a sexta derrota consecutiva, ao perder para o Palmeiras, que apenas jogou um pouquinho (o mínimo, na verdade), no segundo tempo, no Morumbi, por 1 a 0. No Rio de Janeiro, o Vasco derrotou, pelo mesmo placar do clássico paulista, o sempre instável Flamengo, jogando retrancado, como qualquer timinho do interior. É verdade que no confronto carioca, os dois times jogaram praticamente com os reservas, para poupar os titulares para a decisão da Copa do Brasil, marcada para a próxima quarta-feira, envolvendo ambos. O jogão da rodada, desses de ficarem na história, ocorreu no Estádio Olímpico, em Porto Alegre, entre o Fluminense e o Grêmio. Para se ter uma idéia das emoções proporcionadas ao torcedor, basta dizer que, até os 42 minutos do segundo tempo, o resultado era de 3 a 2 para o tricolor carioca. Nos últimos minutos da partida, porém, quando muita gente já havia deixado o estádio, saíram mais três gols. Resultado: empate de 4 a 4, com direito a gol olímpico do sérvio Petkovic. Esse sim é o autêntico futebol brasileiro.

BABAQUICE DAS PREVISÕES CONTINUA

Quando afirmo que, a esta altura do Campeonato Brasileiro, apontar possíveis rebaixados ou eventuais favoritos à conquista do título é uma grande bobagem, que só serve para irritar os torcedores, muitos me torcem o nariz, achando que estou errado. Os lanternas, porém, começaram a se recuperar, como foi o caso do Santa Cruz, que aplicou uma bela goleada no Fortaleza, em plena capital cearense, por 4 a 1. À exceção do Corinthians (que não cairá nem a pau), os últimos colocados venceram na rodada e subiram na tabela. Na ponta de cima, a alternância também é muito grande. Até aqui, quem está mostrando maior regularidade, embora longe de jogar um futebol brilhante, é o São Paulo. Este, sim, pode ser considerado favorito em qualquer competição que entre, por se tratar do clube melhor administrado do País. Os demais...Hoje em dia, a maioria não passa de times de aluguel, com jogadores pertencentes a empresários, fazendo, somente, “estágio” ali, antes de serem negociados com o Exterior. Quem vai cair? Nem Mãe Diná sabe? E muito menos quem será o campeão. Ora, coleguinhas, parem com essa babaquice e deixem o campeonato rolar!

RESPINGOS...

· O meia Edmundo é, mesmo, um figuraço. No intervalo do jogo de ontem, contra o Corinthians, quando perguntado sobre a justiça do placar, que era então de 1 a 0 em favor do Palmeiras, saiu com essa: “O resultado é mentiroso! Não fizemos nada para merecer a vitória!”. Poucos jogadores (provavelmente nenhum) teriam a coragem de ser tão sinceros.
· O goleiro Marcos, um dos jogadores mais queridos do futebol brasileiro, anda com um azar de fazer medo. Mal se recuperou de uma contusão que sofreu em fevereiro, que o afastou da Copa do Mundo, em seu segundo jogo após o retorno, voltou a se machucar. E deve ficar mais um mês afastado dos gramados. Que coisa!
· O Corinthians virou um verdadeiro vespeiro, em que algum moleque tenha atirado uma pedra, irritando as vespas. Percebe-se, nitidamente, uma profunda divisão no plantel. De um lado, estão os milionários contratados da MSI e de outro os “carregadores de piano” do próprio clube. Estes últimos, porém, se recusam a jogar para os famosos. Vai daí...
· O atacante Dodô, do Botafogo, pode não ser um craque, na acepção do termo, mas tem o “cheiro de gol”. Com os dois que fez sábado, contra a Ponte Preta, assumiu a artilharia isolada do Campeonato Brasileiro. Com ele é assim: bobeou, tem que buscar a bola no fundo das redes.
· O Paraná é, mesmo, um time tinhoso. Com um plantel até modesto, faz uma campanha que muitos clubes repletos de cobras não conseguem fazer. Após golear o Flamengo, na quinta-feira, no Rio, por 4 a 1, sapecou, ontem, um 2 a 1 no rival curitibano, o Atlético Paranaense, em plena Arena da Baixada. E sem fazer qualquer alarde.

* E fim de papo por hoje. Entre em contato, para críticas e sugestões.


pedrojbk@hotmail.com

REFLEXÃO DO DIA


Como o exercício da meditação deve ser feito? Existem técnicas, momentos e lugares adequados? Quais os requisitos exigidos? Jiddu Krishnamurti responde: "A meditação não é consciente, nem requer determinadas posturas. Aquele que medita não tem consciência de que está meditando. Se alguém medita deliberadamente, essa é uma outra forma de desejo". A condição básica, portanto, para a meditação é esse expurgo da mente. É o relaxamento, a serenidade, a respiração lenta, profunda e pausada. Pois como destaca o guru indiano: "Quando a mente está toda vazia, em completo silêncio, ela é capaz de renovar-se inteiramente, sem pressões externas, alheia a circunstâncias. Então ela é clara, cristalina e há nela uma alegria que não é mero prazer".

Heitor Villa-Lobos - Parte I


Pedro J. Bondaczuk


O compositor carioca, que faria cem anos em 1987 caso estivesse vivo, foi um dos poucos gênios a ser reconhecido, em vida, por seus contemporâneos. Criador do nacionalismo brasileiro na música, legou, para a posteridade, mais de 1.500 composições, a maioria tendo por raiz temas do nosso folclore, que ele estudou em longas viagens de pesquisa pelo vasto território nacional, das quais 100 estão gravadas.

A trajetória da vida e da carreira de um grande artista, geralmente, apresenta altos e baixos, alternando sucessos e fracassos ao longo dos anos. Caso tenha valor, sua obra, quase sempre, é reconhecida, mas apenas muitos anos após a sua morte.

Se ele estiver na seleta, e reduzidíssima, categoria dos gênios, acaba sendo, via de regra, incompreendido pelas pessoas do seu tempo, que o tomam por louco e o hostilizam a não mais poder. Isso aconteceu com quase todos os homens excepcionais, que hoje admiramos e respeitamos e até procuramos imitar, mas que, enquanto estavam vivos, foram alvos da execração popular e da ira dos medíocres, seus contemporâneos, estes sim astros efêmeros no firmamento da glória, estrelas cadentes que brilham intensamente, numa fração ínfima de tempo, e se apagam de vez, sem deixar nenhuma lembrança da sua passagem.

É por isso que a biografia dos grandes artistas, especialmente as dos músicos considerados imortais, são uma sucessão de tragédias. Como a da surdez de Beethoven, da tuberculose de Chopin, das desditas amorosas de Liszt, da incompreensão de Wagner, da turbulência psicológica de Tchaikowsky, da perfídia contra Mozart e da ingratidão a Bach.

Quase todos não conheceram, pessoalmente, o doce sabor do sucesso e o reconhecimento em vida do seu talento. Como foi o caso do nosso Carlos Gomes, injustiçado, espoliado e que morreu longe da terra que tanto amou.

Houve, no entanto, um gênio, nascido no Brasil, que teve uma trajetória exatamente inversa a essas. Jamais dependeu de reconhecimentos oficiais para se firmar no mundo das artes, se impondo, unicamente, pelas suas obras. Foi um artista que, enquanto vivo, pôde sentir o gosto delicioso do reconhecimento, embora não se possa afirmar que tivesse sido completamente compreendido.

Esse compositor genial, que em 1957, quando completou setenta anos, teve seu aniversário festejado em praticamente todas as capitais do mundo, até mesmo nas de países que nunca sonhou visitar, da África e da Ásia, estaria fazendo cem anos agora em 1987, caso ainda estivesse entre nós.

O presidente José Sarney, inclusive, dedicou todos os próximos 365 dias em sua homenagem. Este músico, de rara sensibilidade, considerado a expressão máxima do nosso nacionalismo, conseguiu aquilo que raríssimas personalidades têm logrado obter, qualquer que seja o seu campo de atuação.

Tem a sua efígie gravada até nas cédulas de Cz$ 500,00. Não há este brasileiro que não tenha visto sua figura ou ouvido alguma vez o seu nome, embora nem todos conheçam a extensão da sua genialidade. É claro que nos referimos ao carioquíssimo, ao brasileiríssimo, ao “verdeamarelíssimo” Heitor Villa-Lobos.

A seu respeito, o violonista Turíbio Santos, que sofreu uma grande influência dele e dirige atualmente o museu que leva o seu nome, afirmou, em recente trabalho, publicado em 5 de março passado (data do seu centésimo aniversário), no “Jornal do Brasil”: “Tenho dito várias vezes que Villa-Lobos vai ter dois sucessos. O primeiro teve enquanto vivo – foi reconhecido internacionalmente – sua música tocada, e o segundo sucesso, virá no dia em que o Brasil for sucesso, no dia em que tivermos uma situação econômica estável, com apoio mais generoso e sólido à cultura, com maior número de orquestras, público maior e com poder aquisitivo para ir a concertos, comprar discos”.

Mas apesar de sua biografia diferir da dos demais compositores clássicos, as coisas para ele não foram tão fáceis assim, pelo menos no princípio da sua vitoriosa trajetória musical. As primeiras audições de Villa-Lobos tiveram, invariavelmente, como pano de fundo, vaias e xingamentos das platéias para as quais foram destinadas.

A diferença dele, em relação aos demais, está no fato dele ter consciência da sua genialidade. E de, principalmente, como bom carioca, encarar essas manifestações de desagrado na base da gozação. Não que não sentisse os efeitos de tamanha incompreensão de espíritos retrógrados, parados no tempo, apegados a estereótipos importados. Sentiu, e bastante.

Léo Schlafman, na excelente matéria, supracitada, do “Jornal do Brasil”, intitulada “O Músico com Brasil no Sangue”, narra um episódio bastante característico de suas reações diante do repúdio inicial das platéias ao seu trabalho.

Escreve, o articulista, que Villa-Lobos, em 1918, estava se apresentando no Cine Odeon, no Rio de Janeiro e entre os espectadores do seu espetáculo, estava o consagrado pianista Arthur Rubinstein, que então transitava pela Capital Federal brasileira da época, procedente de uma temporada em Buenos Aires.

Findo o recital, o músico estrangeiro dirigiu-se aos camarins do nosso artista, para cumprimenta-lo, tão impressionado ficou com a sua performance. Mas foi recebido muito mal. Antes que pudesse abrir a boca para dizer qualquer coisa, Villa-Lobos lhe jogou no rosto, aos berros: “O que você quer? Você é um virtuose, não pode me entender”.

É que o autor das Bachianas achou que o pianista, como os demais, iria lhe tecer críticas. Só no dia seguinte ele pôde explicar-se junto ao artista visitante, de quem se tornou grande amigo, dizendo, ao procura-lo em seu hotel: “Pensei que o senhor tivesse ido ao camarim para me criticar, como tantos outros”.


(Ensaio publicado na página 26, Especial, do Correio Popular, em 4 de abril de 1987).

Sunday, July 16, 2006

REFLEXÃO DO DIA


A mais fascinante (e importante) descoberta que um homem pode fazer ao longo da sua vida não se refere a algum princípio científico, ou processo tecnológico, ou localização de planetas ou galáxias desconhecidos. É a da sua própria pessoa. Não nos conhecemos, embora achemos que sim. Não sabemos qual é o nosso verdadeiro potencial e sequer temos noção da quantidade (e qualidade) do acervo de informações, sensações e emoções "estocado" em nosso subconsciente. A forma de realizarmos esta aventura, essa caça ao tesouro, essa busca da pedra filosofal da suprema sabedoria, é uma só: a meditação.

Toque de amor


Pedro J. Bondaczuk


As vidas dos grandes ídolos – sejam artistas, jogadores de futebol, esportistas bem-sucedidos de outras modalidades ou escritores de renome – são amiúde devassadas, sem cerimônias, por determinados órgãos de comunicação, como se, pelo fato de serem figuras públicas, não tivessem nenhum direito à privacidade. Claro que têm. Multiplicam-se, inclusive, revistas e sites da internet voltados exclusivamente para esse tipo de matéria. E cada uma é mais escandalosa (e fútil) do que a outra.
É bastante conhecida, por exemplo, a ojeriza dos famosos para com os tais “paparazzi”, que não medem esforços para flagrar suas vítimas em atitudes grotescas ou comprometedoras. E quase sempre conseguem. A perseguição dos tais fotógrafos freelancers foi, inclusive, uma das causas do acidente que redundou na morte da princesa Diana, em Paris.
Boa parte das matérias dessas revistas enfoca somente banalidades. E, infelizmente, há quem goste desse tipo de informação. Afinal...há gosto para tudo (ou quase tudo). Raramente, porém, essas publicações especializadas em fofocas revelam ao público fatos realmente relevantes, que mostrem um outro lado dos ídolos e revelem como eles de fato são. Divulgam-se, apenas, seus namoros (não raro inventados), aventuras extraconjugais, brigas e outras tantas bobagens do gênero, que deveriam interessar somente aos envolvidos.
Num determinado dia de abril de 1990 (cuja data exata, infelizmente, não registrei), a Rede Globo exibiu, na sessão “Corujão”, que passa de madrugada, o filme “Toque de Amor”, cujo enredo é baseado num fato verídico, envolvendo o cantor Elvis Presley. Sei disso porque o registrei em meu diário (embora, não sei por que cargas d’água, deixei de mencionar o dia exato da exibição da película), tamanha foi a impressão que o enredo me causou.
A história enfocava a ação de uma aprendiz de enfermagem, que fazia estágio numa instituição de recuperação de crianças deficientes. Uma das pacientes internadas era Karen, menina linda, de cerca de 13 anos de idade, acometida de paralisia cerebral. Sua doença estava em estágio tão avançado, que a garotinha era considerada doente terminal. Os médicos a haviam desenganado, garantindo que a adolescente não tinha qualquer possibilidade de melhora, e muito menos de cura. Tinha, somente, vida vegetativa. Não se comunicava com ninguém.
A jovem enfermeira, porém, discordava do diagnóstico. Tanto que decidiu tentar quebrar a barreira de silêncio que a garotinha havia estabelecido e penetrar em seu mundo, para saber o que sentia, o que queria e o que a fazia feliz. Por que? Não sabia explicar. Talvez por pura piedade. As primeiras tentativas que fez, de comunicação com a menina, foram frustrantes. A paciente não correspondeu aos seus esforços e nem deu sinal de que havia entendido o que ela lhe dizia.
A enfermeira não desistiu. Mudou de estratégia. Era um desafio que exigia não apenas muita paciência, mas, sobretudo, dedicação e amor, já que não tinha nenhuma experiência em lidar com esse tipo de caso. Afinal, era a primeira vez que cuidava de doentes. Tanto ela tentou, porém, penetrar no mundo da garotinha, que num determinado dia ocorreu um “milagre”. Karen respondeu, com clareza e concisão, a uma pergunta da interlocutora, que não cabia em si de contente.
Em suma, a enfermeira conseguiu não apenas que a adolescente se comunicasse com ela, como a levou a se interessar pelo mundo e a lutar pela vida, mesmo que a luta fosse vã. No correr dos contatos, a garotinha confessou, entre outras coisas, que tinha adoração pelo cantor Elvis Presley e que o seu maior sonho era se corresponder com o ídolo.
Estava aí outro desafio para a jovem enfermeira, quem sabe ainda maior do que o de se comunicar com Karen. Suas colegas chegaram a tentar demovê-la de sequer tentar estabelecer contato com o “rei do rock”, para não se frustrar. “Imagine se ele vai dar atenção a uma menina doente, ele que é assediado por tantas fãs e que tem tantos compromissos!”, lhe diziam, incrédulas. A enfermeira, todavia, não desanimou. Moveu céus e terra para obter o endereço do cantor. Assim que conseguiu, escreveu-lhe uma carta, em nome de Karen (foi a garotinha que ditou o que queria dizer ao ídolo) e a pôs no correio.
Os dias passavam, e nada de resposta. A ansiedade fez com que o estado da garotinha piorasse. Num belo dia, contudo, para surpresa geral, eis que chegou uma carta para a menina. E adivinhem de quem? Isso mesmo, de Elvis Presley! E o roqueiro não se limitou a uma simples e formal resposta, dessas impressas que os ídolos costumam enviar aos fãs. Teve, pelo contrário, muita sensibilidade para entender o drama de Karen e passou, desde então, a se corresponder regularmente com ela. É verdade que a doença evoluiu. Os médicos tinham razão: não havia a mínima possibilidade de melhora, quanto mais de cura. A garotinha, de fato, morreu. Mas serenamente, apertando no peito uma das tantas cartas que havia recebido do seu ídolo.
Confesso que até assistir o filme desconhecia o episódio. E olhem que havia lido centenas, quiçá milhares, de reportagens sobre o “rei do rock”, do qual era (e agora sou muitíssimo mais) admirador, a ponto de ter adquirido todos os discos que ele lançou. Por que, em vez das tantas fofocas que publicaram, essas revistas ditas “especializadas” não trouxeram a público essa história? Talvez porque não envolvesse nenhum escândalo! Perderam, dessa forma, a oportunidade de exercer o verdadeiro jornalismo. Pois, para mim, considero a atenção que Elvis dedicou a Karen a maior das suas bem-sucedidas obras. Ou não foi?!