Tão fascinante quanto
Pedro J. Bondaczuk
O mundo da literatura é fascinante principalmente por causa da variedade: de idéias, estilos, conceitos, gêneros, enredos, temas etc. que apresenta. Há escritores cujas vidas despertam maior fascínio, ou no mínimo igual, ao de suas criações. São os casos, por exemplo, de José Maria Du Bocage, Gregório de Matos Guerra, Honoré Balzac, Fedor Dostoievski e tantos e tantos outros. O personagem que trago hoje à sua apreciação é marcante por ambos aspectos. Sua obra é rica, original, bem-urdida e desafiadora. E sua vida não fica atrás. É tão fascinante quanto.
Se eu lhe perguntar, arguto leitor, se você já leu algum livro de Júlio César de Mello e Souza, por maior que seja o seu nível de leitura, provavelmente você irá retrucar, entre surpreso e desconfiado, achando que se trata de alguma “pegadinha”: “Quem???!!!”. Mas se eu repetir a pergunta, alterando o nome do escritor para Malba Tahan, certamente a coisa mudará de figura. É mais provável que você dê um indisfarçável sorriso de superioridade e diga: “Claro!”, como se tratasse da coisa mais natural do mundo.
Dificilmente você deixará de ter lido pelo menos “O homem que calculava”, quem sabe na escola, por sugestão, possivelmente, do professor de matemática, por se tratar de uma das obras mais divulgadas entre as 21 que o autor publicou. Pois se você já leu, deveria saber quem foi Júlio César de Mello e Souza. Não sabe? Pois lhe informo: é o nome de batismo de Malba Tahan.
Ah, você já ouviu falar desse livro, mas ainda não o leu? Pois aí está excelente oportunidade de fazê-lo. A Editora Best-Seller relançou, recentemente, “O homem que calculava”, acrescentando, de lambuja, outra obra do criativo escritor no mesmo volume: ”Melhores contos”. Leia que não irá se arrepender, eu garanto. E toco no assunto sem nenhum interesse particular, a não ser o de fazer-lhe ótima recomendação de leitura. Afinal, a minha editora, pela qual atualmente “visto a camisa”, é a Barauna, e não a Best-Seller. Isso mesmo, Malba Tahan e Júlio César de Mello e Souza vêm a ser a mesmíssima pessoa.
Embora reconhecido como excelente professor (ele que era formado em engenharia), e de matemática, matéria da qual os estudantes fogem como o diabo foge da cruz, poucos críticos e companheiros de literatura exaltaram, na medida do seu merecimento, seus méritos, seus dotes literários. Justiça seja feita; a Academia Pernambucana de Letras teve-o como membro, onde ocupou, até a morte, a cadeira de número oito (embora ele tivesse nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 6 de maio de 1895, e que não lhe concedeu essa honra). Vou chamá-lo, aqui, de Malba Tahan, como gostava de ser chamado e como ficou conhecido pela posteridade.
O escritor-matemático (ou matemático-escritor, como queiram), homem dinâmico e realizador, que fez mais de duas mil palestras país afora, sobre a matéria de sua paixão, morreu no Recife, em 18 de junho de 1974, vítima de fulminante4 ataque cardíaco. A morte veio encontrá-lo no quarto de um hotel da capital pernambucana, horas depois de haver palestrado para uma atenta platéia de estudantes. Morreu como viveu: produzindo e partilhando idéias.
Quanto ao pseudônimo que adotou, Malba Tahan apreciava-o tanto, que obteve autorização do presidente Getúlio Vargas (seu confesso admirador) para usá-lo em sua carteira de identidade. Pode-se dizer, pois, que mudou de nome, trocando o que lhe foi dado pelos pais por outro, de sua escolha. Cá para nós, esse mestre e escritor era um figuraço (no sentido de admiração e não pejorativo). E foi bom tanto como professor (nunca deixou de lecionar), quanto como ficcionista. Seus personagens, cenários e enredos eram todos do Oriente, do Irã, Síria, Líbano, atual Israel etc. Vejo, em algumas histórias de Paulo Coelho (notadamente nas que publicou em jornais, mais especificamente em “O Globo”), forte influência de Malba Tahan. Está, pois, na melhor das companhias.
Da minha parte, considero-o legítimo colega de profissão. Para mim, foi jornalista e dos bons. Como deixar de considerar como tal quem, por dez anos, editou uma revista (a “Damião”) que combatia o preconceito, especialmente contra as vítimas de hanseníase? Fez isso e muito bem, com garra invejável por sinal, como raramente se vê hoje em dia na imprensa.
Aliás, Malba Tahan começou a mostrar sua obra literária primeiro em jornais. O início dessa divulgação foi em 1918, no “O Imparcial” do Rio de Janeiro. Na ocasião, valeu-se de outro pseudônimo, que não se tornou, óbvio, tão popular: R. S. Slade. Em 1925 propôs a Irineu Marinho, então proprietário do jornal “A Noite”, escrever uma série de histórias na linha das “mil e uma noites”. O “big-boss” da imprensa topou. Foi então que passou a adotar o heterônimo com o qual se consagrou: Malba Tahan. O curioso é que abaixo dos contos eram publicados comentários (como se faz, por sinal, hoje na internet), mas sempre do mesmo comentarista: um tal de Professor Breno Alencar Bianco. Pois é, sabem quem era esse ilustre docente? Era ele mesmo, Malba Tahan!! Era ou não era uma figuraça??!!
Um dos seus grandes admiradores (tirando eu, que já o confessei desbragadamente), foi Monteiro Lobato. A enciclopédia eletrônica Wikipédia reproduz o seguinte comentário do criador do Sítio do Pica-pau Amarelo sobre a literatura de Malba Tahan: “É obra que ficará a salvo das vassouradas do tempo como a melhor expressão do binômio ‘ciência-imaginação’”.
Entre as excentricidades dessa fascinante figura humana consta a mania de criar sapos. Diz-se que chegou a ter mais de 50 espécimes de batráquios no quintal de sua casa no Rio. Que coleção mais esquisita!!!
Além de “O homem que calculava”, Malba Tahan legou-nos as seguintes obras: “Contos de Malba Tahan”, “Amor de beduíno”, “Lendas do deserto”, “Lendas do oásis”, “Lendas do céu e da terra”, “Maktub”, “Minha vida querida”, “Matemática divertida e delirante”, “A arte de ler e contar histórias”, “Aventuras do Rei Baribê”, “À sombra do arco-íris”, “A caixa do futuro”, “O céu de Allá”, “Lendas do povo de Deus”, “A estrela dos reis magos”, “Mil histórias sem fim”, “Matemática divertida e curiosa”, “Novas lendas orientais”, “Salim, o mágico” e “Diabruras da Matemática”.
Li, até com veneração, a metade desses livros e espero ainda ter o privilégio de ler os que me faltam. Contudo, apesar de todas essas leituras, até hoje ainda não sei dizer qual dos dois, para mim, é o mais fascinante: se o escritor imaginativo e hábil, ou se o personagem, deliciosamente excêntrico, autor dessas histórias. Creio que aí dá empate técnico.
Pedro J. Bondaczuk
O mundo da literatura é fascinante principalmente por causa da variedade: de idéias, estilos, conceitos, gêneros, enredos, temas etc. que apresenta. Há escritores cujas vidas despertam maior fascínio, ou no mínimo igual, ao de suas criações. São os casos, por exemplo, de José Maria Du Bocage, Gregório de Matos Guerra, Honoré Balzac, Fedor Dostoievski e tantos e tantos outros. O personagem que trago hoje à sua apreciação é marcante por ambos aspectos. Sua obra é rica, original, bem-urdida e desafiadora. E sua vida não fica atrás. É tão fascinante quanto.
Se eu lhe perguntar, arguto leitor, se você já leu algum livro de Júlio César de Mello e Souza, por maior que seja o seu nível de leitura, provavelmente você irá retrucar, entre surpreso e desconfiado, achando que se trata de alguma “pegadinha”: “Quem???!!!”. Mas se eu repetir a pergunta, alterando o nome do escritor para Malba Tahan, certamente a coisa mudará de figura. É mais provável que você dê um indisfarçável sorriso de superioridade e diga: “Claro!”, como se tratasse da coisa mais natural do mundo.
Dificilmente você deixará de ter lido pelo menos “O homem que calculava”, quem sabe na escola, por sugestão, possivelmente, do professor de matemática, por se tratar de uma das obras mais divulgadas entre as 21 que o autor publicou. Pois se você já leu, deveria saber quem foi Júlio César de Mello e Souza. Não sabe? Pois lhe informo: é o nome de batismo de Malba Tahan.
Ah, você já ouviu falar desse livro, mas ainda não o leu? Pois aí está excelente oportunidade de fazê-lo. A Editora Best-Seller relançou, recentemente, “O homem que calculava”, acrescentando, de lambuja, outra obra do criativo escritor no mesmo volume: ”Melhores contos”. Leia que não irá se arrepender, eu garanto. E toco no assunto sem nenhum interesse particular, a não ser o de fazer-lhe ótima recomendação de leitura. Afinal, a minha editora, pela qual atualmente “visto a camisa”, é a Barauna, e não a Best-Seller. Isso mesmo, Malba Tahan e Júlio César de Mello e Souza vêm a ser a mesmíssima pessoa.
Embora reconhecido como excelente professor (ele que era formado em engenharia), e de matemática, matéria da qual os estudantes fogem como o diabo foge da cruz, poucos críticos e companheiros de literatura exaltaram, na medida do seu merecimento, seus méritos, seus dotes literários. Justiça seja feita; a Academia Pernambucana de Letras teve-o como membro, onde ocupou, até a morte, a cadeira de número oito (embora ele tivesse nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 6 de maio de 1895, e que não lhe concedeu essa honra). Vou chamá-lo, aqui, de Malba Tahan, como gostava de ser chamado e como ficou conhecido pela posteridade.
O escritor-matemático (ou matemático-escritor, como queiram), homem dinâmico e realizador, que fez mais de duas mil palestras país afora, sobre a matéria de sua paixão, morreu no Recife, em 18 de junho de 1974, vítima de fulminante4 ataque cardíaco. A morte veio encontrá-lo no quarto de um hotel da capital pernambucana, horas depois de haver palestrado para uma atenta platéia de estudantes. Morreu como viveu: produzindo e partilhando idéias.
Quanto ao pseudônimo que adotou, Malba Tahan apreciava-o tanto, que obteve autorização do presidente Getúlio Vargas (seu confesso admirador) para usá-lo em sua carteira de identidade. Pode-se dizer, pois, que mudou de nome, trocando o que lhe foi dado pelos pais por outro, de sua escolha. Cá para nós, esse mestre e escritor era um figuraço (no sentido de admiração e não pejorativo). E foi bom tanto como professor (nunca deixou de lecionar), quanto como ficcionista. Seus personagens, cenários e enredos eram todos do Oriente, do Irã, Síria, Líbano, atual Israel etc. Vejo, em algumas histórias de Paulo Coelho (notadamente nas que publicou em jornais, mais especificamente em “O Globo”), forte influência de Malba Tahan. Está, pois, na melhor das companhias.
Da minha parte, considero-o legítimo colega de profissão. Para mim, foi jornalista e dos bons. Como deixar de considerar como tal quem, por dez anos, editou uma revista (a “Damião”) que combatia o preconceito, especialmente contra as vítimas de hanseníase? Fez isso e muito bem, com garra invejável por sinal, como raramente se vê hoje em dia na imprensa.
Aliás, Malba Tahan começou a mostrar sua obra literária primeiro em jornais. O início dessa divulgação foi em 1918, no “O Imparcial” do Rio de Janeiro. Na ocasião, valeu-se de outro pseudônimo, que não se tornou, óbvio, tão popular: R. S. Slade. Em 1925 propôs a Irineu Marinho, então proprietário do jornal “A Noite”, escrever uma série de histórias na linha das “mil e uma noites”. O “big-boss” da imprensa topou. Foi então que passou a adotar o heterônimo com o qual se consagrou: Malba Tahan. O curioso é que abaixo dos contos eram publicados comentários (como se faz, por sinal, hoje na internet), mas sempre do mesmo comentarista: um tal de Professor Breno Alencar Bianco. Pois é, sabem quem era esse ilustre docente? Era ele mesmo, Malba Tahan!! Era ou não era uma figuraça??!!
Um dos seus grandes admiradores (tirando eu, que já o confessei desbragadamente), foi Monteiro Lobato. A enciclopédia eletrônica Wikipédia reproduz o seguinte comentário do criador do Sítio do Pica-pau Amarelo sobre a literatura de Malba Tahan: “É obra que ficará a salvo das vassouradas do tempo como a melhor expressão do binômio ‘ciência-imaginação’”.
Entre as excentricidades dessa fascinante figura humana consta a mania de criar sapos. Diz-se que chegou a ter mais de 50 espécimes de batráquios no quintal de sua casa no Rio. Que coleção mais esquisita!!!
Além de “O homem que calculava”, Malba Tahan legou-nos as seguintes obras: “Contos de Malba Tahan”, “Amor de beduíno”, “Lendas do deserto”, “Lendas do oásis”, “Lendas do céu e da terra”, “Maktub”, “Minha vida querida”, “Matemática divertida e delirante”, “A arte de ler e contar histórias”, “Aventuras do Rei Baribê”, “À sombra do arco-íris”, “A caixa do futuro”, “O céu de Allá”, “Lendas do povo de Deus”, “A estrela dos reis magos”, “Mil histórias sem fim”, “Matemática divertida e curiosa”, “Novas lendas orientais”, “Salim, o mágico” e “Diabruras da Matemática”.
Li, até com veneração, a metade desses livros e espero ainda ter o privilégio de ler os que me faltam. Contudo, apesar de todas essas leituras, até hoje ainda não sei dizer qual dos dois, para mim, é o mais fascinante: se o escritor imaginativo e hábil, ou se o personagem, deliciosamente excêntrico, autor dessas histórias. Creio que aí dá empate técnico.
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