Friday, February 04, 2011




Administração de frustrações

Pedro J. Bondaczuk

A vida é repleta de frustrações, de todos os tipos e intensidades. Não há quem tenha todos os projetos bem-sucedidos, todos os sonhos realizados e todas as vontades atendidas. Frustramo-nos a todo o momento, não raro todos os dias e até várias vezes num mesmo dia. Isso ocorre por uma série de razões, como planos mal-feitos, superestimação da capacidade, excesso de confiança nos outros e vai por aí afora. Não há, pois, como eliminar as frustrações. Temos é que aprender a “administrá-las”, de sorte que seus efeitos sobre nossa mente, nosso ânimo e nossa autoconfiança sejam mínimos, se possível irrisórios ou praticamente nulos. Parece tarefa fácil, mas, creiam, não é.

Quando nos frustramos por falha exclusivamente nossa – por mau planejamento, falta de informação ou desconhecimento de algo essencial para o sucesso de alguma empreitada – sempre há a esperança da reversão e correção de rumos. Bastará nos planejarmos melhor, nos informarmos adequadamente ou aprendermos o que for necessário para o êxito do empreendimento tentado.

Todavia, o mesmo não ocorre quando terceiros frustram nossas expectativas, desejos, sonhos e esperanças. Aí... não há outra forma de evitar a repetição de frustrações a não ser o afastamento (quando possível) de quem nos frustrou. Se for pessoa de confiança, compete-nos cortá-la das nossas relações, dada sua ausência de confiabilidade. Sou contra conceder segunda chance nesses casos. O risco de novas frustrações é muito grande e desnecessário. Quem nos trai, nos decepciona e nos frustra uma vez, provavelmente o fará outras tantas, em circunstâncias idênticas ou mesmo diferentes. Prefiro, nesses casos, cortar o mal pela raiz.

Nós, que lidamos com alguma forma de arte, nos frustramos, a cada momento, em decorrência até do nosso perfeccionismo. Temos em mente uma obra perfeita, mas após executada, descobrimos nela inúmeras falhas, algumas das quais que existem apenas na nossa cabeça. Outro tipo de frustração é quanto aos resultados do que fizemos. Há os que se aplicam no que fazem somente por gosto. Pintam um quadro, fazem uma escultura, compõem uma sinfonia, escrevem um poema, criam um romance, conto ou novela, ou produzem qualquer outra coisa, sem preocupações, pelo menos no momento em que estão executando as obras, com o resultado material.

Não pensam, por exemplo, no sucesso comercial e no dinheiro que poderiam ganhar. Nem se lembram da possibilidade de que o que fizerem poderá durar anos, décadas, séculos, milênios, através de gerações. No instante em que estão agindo, não lhes passam pela cabeça as questões do lucro e da imortalidade. Querem é fazer o que apreciam: com alegria, com entusiasmo, com prazer. Até aí, tudo bem. Se mantiverem essa postura, ficarão a salvo de frustrações. Mas... Ocorre que nem todos mantêm.

Depois da obra concluída, para muitos, vem o momento das ambições, da expectativa dos resultados, da paga pelo esforço ou talento. E este é o duro instante da frustração. Nem sempre o que fazemos recebe o devido reconhecimento dos outros (diria que, quase nunca). Se formos prudentes, não nutriremos muitas expectativas a respeito. Mas se as nutrirmos... Bem, teremos que estar preparados para as decepções, os revezes e, consequentemente, as frustrações.

Corremos a vida toda atrás do sucesso, sem que sequer tenhamos uma visão clara do que ele signifique. E fazemos o possível e o impossível para fugir do fracasso, embora, às vezes, ele seja necessário, didático e a nossa redenção. Quando iniciamos um empreendimento, não temos a mínima condição de saber qual será seu resultado. Podemos, quando muito, somente prevê-lo, com razoável (jamais absoluta) margem de acerto.

Machado de Assis, no preâmbulo do romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, lembra que Stendhal confessou haver escrito um de seus livros para apenas cem leitores. Qualquer coisa que excedesse essa cifra, seria considerada por ele como inesperado sucesso. Claro que superou, em muito, esse número. Sentiu-se vitorioso. Escapou da frustração por subestimar a própria capacidade de mobilizar leitores.

Não raro, abrimos mão dos nossos mais preciosos sonhos, ao somente desconfiarmos que eles são impossíveis de se concretizar. Ou seja, que são inatingíveis, por serem demasiadamente altos. Trata-se de um erro. Tememos frustrações, quando deveríamos não fugir delas, mas aprender a administrá-las (se e quando acontecerem). Não há mal algum em ousarmos em nossas pretensões e, principalmente, em lutarmos com todas as nossas forças para atingir o supostamente (ou apenas imaginariamente) impossível.

Agindo assim, mesmo que venhamos a nos frustrar (e muitas e muitas vezes nos frustraremos, sem a menor dúvida) teremos, pelo menos, o prazer de uma boa luta, o que, certamente, nos engrandecerá. Mário Quintana abordou, com graça e humor, essa questão, neste poema minimalista, que intitulou “Das utopias”: “Se as coisas são inatingíveis... ora!/Não é motivo para não querê-las.../Que tristes os caminhos, se não fora/a mágica presença das estrelas!”.

Foi por ousar, por querer alcançar o inalcançável, que o homem deixou a caverna primitiva e empreendeu maravilhas. Frustrou-se no processo? Claro que sim, e muitas vezes. Nem por isso desanimou. Caso desanimasse, continuaria selvagem, bronco e atrasado como era. Continuou tentando, tentando e tentando. Porquanto nada é inatingível para quem crê e luta pelo que quer! A despeito das frustrações.


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