Wednesday, February 16, 2011




Como prever o imprevisível?

Pedro J. Bondaczuk


A previsão do futuro, principalmente o bem distante, é um exercício que deve ser restrito exclusivamente ao ficcionista. Afinal, ele não tem compromisso, obrigação de acertar os palpites que der. E, caso erre (dificilmente deixará de errar), mas se produzir, em contrapartida, um bom enredo, que desenvolva com talento e perícia, num texto claro, atrativo e rigorosamente correto do ponto de vista gramatical, na pior das hipóteses irá entreter o leitor por bom tempo. Terá, pois, valido a pena sua tentativa. Mas insisto em afirmar que a “previsão”, como ato real, não existe. É mera metáfora de “palpite”. E o jornalista não pode nem pensar em fazer tamanha bobagem. A característica da sua profissão impede que saia por aí fazendo previsões a três por dois. Se o fizer... terá que arcar com as conseqüências, das quais a menos grave é a de cair no ridículo.

Ninguém tem bola de cristal que lhe mostre, com antecedência, os obstáculos que irão surgir e ainda, de quebra, como eles poderão ser superados. Podemos imaginar isso. Às vezes, até acertaremos, mas por uma casualidade. Geralmente, iremos errar. Compete a cada um planejar a vida, conforme sua capacidade e sua realidade pessoal, buscando se adaptar às circunstâncias e estabelecendo alternativas, um plano “b” (ou “c” ou “d”, ou seja de que letra for), para as diversas situações possíveis. E trabalhar, trabalhar e trabalhar, sempre e incansavelmente, em busca dos objetivos que traçar. Ou seja, persistir na persistência e nunca se dar por vencido, se houver mínima, mesmo que ínfima, chance de sucesso.

Querem um exemplo prático de como os tais “videntes” que há aos montes por aí (claro, irremediáveis charlatães) geralmente dão com os burros n’água ao tentarem desvendar o futuro a sério, e não como mero exercício de ficção, o que seria mais lógico? Aí vai. Tenho em mãos o “Almanaque Para Todos”, da dupla de escritores norte-americanos Irving Wallace e David Wallenchinsky, elaborado em 1975 e lançado no Brasil, em dois volumes, pela Editora Record, um ano depois. Contém informações úteis e algumas, digamos, não tão úteis assim, no entanto curiosas. Entre estas últimas, a dupla relacionou algumas previsões para o futuro feitas por psíquicos famosos e videntes que então estavam na moda.

Os acertos foram raríssimos e todos óbvios, do tipo “uma personalidade famosa (que não identificam) vai morrer no ano tal”. Todos os anos, sabemos, morre alguém conhecido do público. Essa previsão não precisa sequer ser do polvo Pol – o tal que se tornou célebre no período da Copa do Mundo de 2010 na África do Sul, pelos prognósticos de resultados dos jogos que “teria feito” e acertado. Como as pessoas gostam de ser ingênuas, de acreditar em besteiras e de serem enganadas!

A título de curiosidade reproduzo algumas dessas “previsões”. O psíquico britânico Malcolm Besset, por exemplo, previu que por volta de 1979, os Estados Unidos entrariam em guerra com a China. Não aconteceu, óbvio, coisíssima nenhuma nesse sentido. Foi um chute que passou metros longe do gol. Já o pastor batista, David Bubar, fundador da “Fundação SOS”, organização semi-religiosa do Tennessee, relacionou uma série de “delírios” que, se fossem ditos por brincadeira, seriam até divertidos, mas afirmados a sério, descambam para o ridículo.

Afirmou, por exemplo, dando 100% de garantia, que em meados da década de 80 do século passado russos e americanos tentariam colonizar a lua e que a rivalidade entre ambos iria acarretar ações policiais lunares. Não ocorreu, óbvio, nada sequer parecido. Disse, ainda, que nesse mesmo período, “as pessoas seriam capazes de transformar pensamentos em imagens numa tela parecida com a de televisão. E que cientistas norte-americanos e russos inventariam um dispositivo, um aparelho parecido com uma lanterna ou lata de aerosol, pelo qual as pessoas poderiam ficar invisíveis. E que o telefone seria usado para transmissão de pensamento. Esse daria um grande escritor de ficção científica. O chato é que “previu” tudo isso a sério, em programas de rádio e televisão de grande audiência.

O referido almanaque relaciona pelo menos 50 desses “profetas”, com as respectivas “previsões”, todas furadíssimas por sinal. Outro vidente citado foi um tal de Criswell, professor, agente funerário, radialista e jornalista. Este não se fez de rogado e deu asas à sua fértil imaginação. Garantiu, por exemplo, que na década de 90, do século passado, os pensamentos e a moral das pessoas seriam controlados externamente. Que os vôos para Vênus, Marte e Netuno seriam uma realidade nessa mesma ocasião. Que os ônibus não mais seriam movidos a combustíveis derivados do petróleo ou a etanol, mas por energia atômica. Que em 10 de março de 1980 ocorreria, em Las Vegas, no Estado de Nevada, a 1ª Convenção Interplanetária, com a participação de convencionais provenientes de Marte, Vênus, Netuno, Lua e dos Estados Unidos, claro. O chato é que o cidadão fez essas previsões estapafúrdias a sério. E o mais chato ainda é que muita gente acreditou.

Essas previsões são tão divertidas, que dá vontade de reproduzi-las todas. Claro que não farei esta maldade com o leitor, até porque foram tantas, que ocupariam o espaço de um livro de cerca de mil páginas. E quantas se concretizaram? Poucas, pouquíssimas, algo em torno de 2%, no máximo, e assim mesmo daquelas óbvias, que eu, você, seu vizinho, sua empregada etc. faríamos e acertaríamos na mosca.

O futuro é o que ainda não existe, certo? Errado! Nem sempre é assim. Não, pelo menos, em relação ao segundo seguinte ao que estamos vivendo. É conseqüência do que fizemos no passado e do que estivermos fazendo agora. Não surge, como por encanto, do nada. Nosso futuro estamos construindo a cada momento, mediante atos, empenho e predisposição do espírito. Se perdermos tempo com temores exacerbados, inúteis lamentações e manifestações de pessimismo e mau-humor (ou com bobagens como tentar adivinhar o que irá acontecer, “se” acontecer), quando ele chegar, e num piscar de olhos, será estéril, sem que tenhamos feito nada de útil e proveitoso para nós e para a espécie.

Nem esse futuro imediato (a jato), todavia, temos condições de prever. Não com 100% de acerto. Aliás, “prever” não é o termo correto, o verbo deve ser substituído por palpitar. Porquanto, afirmo, reafirmo e reitero: “previsão” é mera figura de linguagem, uma espécie de metáfora, porquanto não se pode “ver” previamente o que ainda não existe ou que não aconteceu. Pode, isso sim, render boa literatura de ficção. Ou não, se o recurso for usado impropriamente, com exagero, e por um mau escritor.


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