“É a história que faz o homem; ele a padece”
Pedro J. Bondaczuk
O cientista político Fernand Braudel afirmou, numa entrevista publicada pelo “Jornal da Tarde”, tempos atrás: “Marx equivocou-se mais do que se acredita quando afirmou que os homens fazem a história: seria melhor dizer que a história faz os homens. Eles a padecem”.
A lucidez dessa declaração fica mais patente do que nunca diante da reunião de cúpula dos líderes das superpotências, que vai ser realizada a partir de Segunda-feira, em Washington. Aliás, nem tanto por causa do encontro em si (que nem é original, pois já é o terceiro entre Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev e o 14º entre presidentes norte-americanos e líderes soviéticos), mas, e principalmente, face à assinatura de um inédito acordo que, pela primeira vez, prevê a eliminação de toda uma categoria de armas nucleares dos arsenais das superpotências.
Quem, em sã consciência, poderia afirmar que isso seria possível há, digamos, somente três anos? De um lado estava um mandatário tido e havido como um dos mais ferrenhos e magníficos adversários do comunismo que já surgiram neste século. Estava um político que em 1981, pouco depois de assumir a Presidência do país mais rico e poderoso do mundo, chegou até a ditar o epitáfio do sistema ideológico antagônico. Estava um conservador capitalista que afirmou que o próximo milênio não surgiria antes do marxismo estar extinto. E Reagan não mudou os seus conceitos.
Do outro lado, estava uma estrutura policialesca e repressiva, que apostava numa hegemonia militar no mundo, em detrimento do bem-estar da própria população. Esta sim parece estar sofrendo mudanças, e profundas.
Mas as rodas da história giraram, caprichosas, como sempre. Novos fatos surgiram. E as circunstâncias, subitamente, sofreram dramática transformação. Em novembro de 1982, Leonid Brezhnev, arquétipo caricaturizado de Joseph Stalin, morreu. O fato permitiu, é verdade, a ascensão ao poder, no Cremlin, de um líder ainda mais radical: Yuri Andropov, chefe da outrora todopoderosa KGB.
Sob sua liderança, as superpotências tiveram o seu momento de maior tensão desde a invasão soviética ao Afeganistão. Foi após a derrubada do Jumbo da KAL por jatos russos. Mas esse dirigente comunista inovou no plano interno.
Levantou, por exemplo, a questão da necessidade de uma reforma em profundidade na vida e na mentalidade da URSS, para acabar com a desbragada corrupção e com a criminosa ineficiência dos burocratas do Partido Comunista. Mas o maior feito de Yuri Andropov foi descobrir, e projetar no cenário nacional, Mikhail Gorbachev. Foi a mão do acaso agindo por seu intermédio.
O destino voltou a atuar para pior. Andropov morreu e um aparachtnik (cuja tradução livre seria “carregador de pasta”, ou que em linguagem mais chula, para nós, brasileiros, significaria puxa-saco), Constantin Chernenko, o sucedeu. Sua gestão sem brilho reforçou, na mente do povo soviético, a necessidade de reforma. E ensejou o surgimento de Mikhail Gorbachev.
Finalmente a URSS passou a ter um líder passivo de compreensão por parte do Ocidente que, antes e acima de tudo, falava uma linguagem racional e coerente, despojada de ameaças e de estribilhos ideológicos. E as circunstâncias, ou a história, acabaram por moldar, também, um novo Reagan...
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 5 de dezembro de 1987).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
O cientista político Fernand Braudel afirmou, numa entrevista publicada pelo “Jornal da Tarde”, tempos atrás: “Marx equivocou-se mais do que se acredita quando afirmou que os homens fazem a história: seria melhor dizer que a história faz os homens. Eles a padecem”.
A lucidez dessa declaração fica mais patente do que nunca diante da reunião de cúpula dos líderes das superpotências, que vai ser realizada a partir de Segunda-feira, em Washington. Aliás, nem tanto por causa do encontro em si (que nem é original, pois já é o terceiro entre Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev e o 14º entre presidentes norte-americanos e líderes soviéticos), mas, e principalmente, face à assinatura de um inédito acordo que, pela primeira vez, prevê a eliminação de toda uma categoria de armas nucleares dos arsenais das superpotências.
Quem, em sã consciência, poderia afirmar que isso seria possível há, digamos, somente três anos? De um lado estava um mandatário tido e havido como um dos mais ferrenhos e magníficos adversários do comunismo que já surgiram neste século. Estava um político que em 1981, pouco depois de assumir a Presidência do país mais rico e poderoso do mundo, chegou até a ditar o epitáfio do sistema ideológico antagônico. Estava um conservador capitalista que afirmou que o próximo milênio não surgiria antes do marxismo estar extinto. E Reagan não mudou os seus conceitos.
Do outro lado, estava uma estrutura policialesca e repressiva, que apostava numa hegemonia militar no mundo, em detrimento do bem-estar da própria população. Esta sim parece estar sofrendo mudanças, e profundas.
Mas as rodas da história giraram, caprichosas, como sempre. Novos fatos surgiram. E as circunstâncias, subitamente, sofreram dramática transformação. Em novembro de 1982, Leonid Brezhnev, arquétipo caricaturizado de Joseph Stalin, morreu. O fato permitiu, é verdade, a ascensão ao poder, no Cremlin, de um líder ainda mais radical: Yuri Andropov, chefe da outrora todopoderosa KGB.
Sob sua liderança, as superpotências tiveram o seu momento de maior tensão desde a invasão soviética ao Afeganistão. Foi após a derrubada do Jumbo da KAL por jatos russos. Mas esse dirigente comunista inovou no plano interno.
Levantou, por exemplo, a questão da necessidade de uma reforma em profundidade na vida e na mentalidade da URSS, para acabar com a desbragada corrupção e com a criminosa ineficiência dos burocratas do Partido Comunista. Mas o maior feito de Yuri Andropov foi descobrir, e projetar no cenário nacional, Mikhail Gorbachev. Foi a mão do acaso agindo por seu intermédio.
O destino voltou a atuar para pior. Andropov morreu e um aparachtnik (cuja tradução livre seria “carregador de pasta”, ou que em linguagem mais chula, para nós, brasileiros, significaria puxa-saco), Constantin Chernenko, o sucedeu. Sua gestão sem brilho reforçou, na mente do povo soviético, a necessidade de reforma. E ensejou o surgimento de Mikhail Gorbachev.
Finalmente a URSS passou a ter um líder passivo de compreensão por parte do Ocidente que, antes e acima de tudo, falava uma linguagem racional e coerente, despojada de ameaças e de estribilhos ideológicos. E as circunstâncias, ou a história, acabaram por moldar, também, um novo Reagan...
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 5 de dezembro de 1987).
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