Friday, February 11, 2011




O mais próximo de nós

Pedro J. Bondaczuk

O nosso comportamento face ao próximo é, via de regra, ambíguo e buscamos um entendimento que está muito além do nosso alcance: entender os outros. Tomamos, para isso, como parâmetro, nossos pensamentos, sentimentos, temores e reverências, achando que são universais. Ou seja, que todos pensam, sentem, temem e reverenciam as mesmas coisas, de idêntica maneira que nós. Julgamos nos conhecer bem. Conhecemo-nos, todavia, mal e porcamente. Suspeito que sejamos estranhos a nós mesmos. A todo o instante nos surpreendemos com pensamentos insólitos que não desconfiávamos que tivéssemos; com sentimentos (positivos ou negativos) que não sabíamos que nutríamos e vai por aí afora.
E vem a grande questão: conhecemo-nos, de fato? O que sabemos de definitivo a nosso próprio respeito? Pouco, muito pouco, quase nada. Antes de nos aventurarmos no espaço, em busca de descobrir outros mundos, com seus mistérios e surpresas, seria preferível que empreendêssemos outro tipo de viagem, menos dispendioso e arriscado, mas igualmente fascinante: ao interior da nossa inteligência. Antes de conhecer quem ou o que quer que seja, o mais sábio seria conhecer o próximo mais próximo de nós: nós mesmos.
De onde partir, todavia, para essa misteriosa aventura? Qual o nosso “Cabo Canaveral”, a nossa base de lançamento para tal viagem? Como fazê-la? Essas questões, no meu entender, não têm respostas. Não, pelo menos, coerentes, exatas e definitivas. Se conseguirmos chegar lá, encontraremos, certamente, um mundo fascinante, não duvido. Sugiro que o ponto de partida seja o ato de auscultar o que sentimos. James W. Kennedy sugeriu que “o que realmente importa é o que acontece em nós, e não a nós”.
É esta integridade de espírito, esta riqueza interior, que devemos cultivar, para nos servir nos anos mais difíceis da nossa existência. Temos que tentar analisar (e não sei se teremos sucesso nessa tentativa) como nossos substratos abaixo do consciente (o inconsciente e o subconsciente) reagem face ao que nos acontece, ao que vemos e ouvimos a todo o instante, aos prazeres, desprazeres e dores que nos atingem. Muitas vezes, coisas identificadas pela consciência como positivas e agradáveis, na verdade não são assim. Têm efeito deletério, se não devastador, em nosso íntimo.
Devemos, se e quando possível, cultivar e “salvar”, como na memória do computador, lembranças agradáveis, belos cenários, ações nobres, pensamentos positivos e construtivos e nos desfazer, como lixo que se não for descartado tende a “apodrecer” nossos sentimentos, dos opostos. Estas, aliás, têm que ser as armas ao nosso dispor para quando nossos músculos já não obedecerem, com prontidão, as ordens emanadas pelo cérebro; para quando os olhos não enxergarem com a mesma acuidade da juventude; para quando os ouvidos já não captarem os sons com a mesma nitidez dos bons tempos e para quando o raciocínio levar um tempo enorme para “esquentar”. Isso, mais cedo ou mais tarde, irá nos acontece3r. É uma fatalidade biológica. Envelheçamos, sim, pois esta é uma condição que se pode retardar, mas jamais evitar. Mas o façamos com picardia e, sobretudo, com dignidade. Mesmo que isso nos custe um esforço sobre-humano (e, provavelmente, custará).
Mas isso é possível? Claro que não posso garantir que seja. Intuo, todavia, que sim. Só que para funcionar, temos que “nos conhecer” e muito bem. E aí é que são elas! Quantas são as vezes em que, face a grandes sucessos ou a enormes fracassos não ficamos atônitos a nos perguntar: quem, de fato, somos? Na verdade, conhecemos pouco, muito pouco, pouquíssimo a nosso próprio respeito. E o mais grave é que não fazemos grandes esforços (na maioria das vezes, nenhum) para suprir essa lacuna. Certamente, somos muito mais fortes do que pensamos e muito mais frágeis do que gostaríamos de ser.

O saudoso poeta Mauro Sampaio, que me privilegiou com sua preciosa amizade enquanto viveu, expressou muito bem essa nossa perplexidade, diante de nós mesmos, nos versos do poema “Não sei o que sou...”, que dizem: “Não sei bem o que sou!//Às vezes/majestoso transatlântico!/Outras/com ânsia/me fito na distância,/como perdida vela/que passou!...”

De todo o conhecimento a que temos acesso, o mais complexo é o que se refere a nós. É o de sabermos realmente quem somos, como reagiremos diante de determinado fato e até onde vai nossa capacidade de amar e de nos doar ao próximo. O que sou? Essa é uma pergunta que bilhões de pessoas, ao longo do tempo, fizeram, vêm fazendo e com certeza farão a si próprias (não raro, inconscientemente, sem sequer se darem conta) e que não conseguiram, não conseguem e talvez jamais consigam chegar a uma conclusão sequer razoável, quanto mais definitiva.

A todo instante, ficamos surpresos, senão atônitos, conosco mesmos. Volta e meia, por exemplo, descobrimos, no fundo de nossas mentes, idéias (construtivas ou não, não importa) que sequer atinávamos que tínhamos. Vez por outra, praticamos ações que contrariam nossas mais profundas convicções. Desafiados, meio às cegas, atingimos objetivos que intimamente não acreditávamos que pudéssemos alcançar.

Que força misteriosa nos moveu para praticar essas façanhas? O oposto também ocorre. Decepcionamo-nos conosco, com fracassos que julgávamos impossíveis de nos atingir, mas que atingiram, por superestimarmos nossas capacidades. Claro que não sairemos por aí apregoando que não temos certeza sequer do que somos. Ninguém faz isso. Se o fizer, certamente, será considerado insano ou, no mínimo, para ser mais suave, neurótico.

Temos, é fato, uma vaga e intuitiva compreensão de quem somos e como nos ligamos aos semelhantes e ao misterioso universo em cujo recôndito cantinho vivemos. Não fosse assim, não teríamos nem como sobreviver. Sozinhos não somos nada. Precisamos dos outros para assegurar nossa sobrevivência. Afinal, gostemos ou não, concordemos ou discordemos, ninguém, absolutamente ninguém, por maiores que sejam seus talentos e habilidades, é auto-suficiente.




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