Privilegiados e insatisfeitos
Pedro J. Bondaczuk
A insatisfação é a mola-mestra do progresso, desde que não exagerada e não passiva. Ou seja, desde que se aja no sentido de satisfazer nossos desejos e necessidades. E é bom que seja assim. Nociva mesmo é a acomodação, seja em que patamar for, quer no ápice do conforto e segurança (se é que isso existe), quer no abismo da miséria e do desespero. Somos dotados de energia para agir, trabalhar, fazer, realizar. E é nossa missão fazê-lo.
Nós, atuais habitantes do Planeta – quer os leitores concordem, quer não – somos privilegiados por qualquer ângulo que se analise. Vivemos numa civilização que nos proporciona o máximo de conforto e facilidades, além de meios de comunicação e locomoção como nossos ancestrais jamais sonharam, mesmo em seus delírios mais absurdos. Ainda assim... vivemos reclamando.
O que mais ouço, em casa, no trabalho, na rua, nos contatos profissionais e sociais é o seguinte: “O mundo não tem jeito. Veja quanta gente passa fome, enquanto outros esbanjam e desperdiçam. A violência é tanta que não estamos seguros sequer em nossas casas, que têm que ser protegidas por cercas elétricas, mecanismos de alarme, seguranças alertas 24 horas por dia, e vai por aí afora”. E as queixas não se restringem, claro, apenas a isso. São tantas, que não daria para relacionar aqui nem a metade. Englobam o preconceito, a corrupção, a prepotência, a loucura, a criminalidade etc.etc.etc.
Quem reclama (e duvido que o leitor, em algum momento, não aja assim), está errado? Incorre em exagero? Está inventando males inexistentes ou superestimando outros inexpressivos? Claro que não! Mas, pergunto: no passado era melhor? Houve alguma época na história humana em que esses males inexistiram, em que houve sociedades harmônicas, justas e solidárias e que a Terra era inefável paraíso? Quando? Qual? Claro que não houve! A maldade é um veneno presente em nossa corrente sanguínea. É quase um distintivo nosso.
Há apenas 122 anos, por exemplo, a escravidão era coisa “normal” no Brasil. Hoje, é considerada atitude hedionda e condenada por todos os povos (embora sobreviva em muitos lugares sob os mais variados disfarces). Nesse aspecto, portanto, evoluímos demais. Minha geração, a que beira os setenta anos atualmente, nasceu quando o mundo estava conflagrado pela Segunda Guerra Mundial, em que por volta de 30 milhões de pessoas foram mortas diretamente e cerca de mais dez milhões foram dizimadas por doenças causadas pelas carências determinadas pelo conflito. Desde então, tivemos, é verdade, outras tantas lutas armadas, mas nenhuma com a abrangência e a virulência daquela, de há 65 anos. Nesse aspecto, portanto, igualmente evoluiu-se, e bastante.
No que diz respeito à tecnologia, então, nem se fala. A evolução foi miraculosa em todos os campos da ciência, na medicina, biologia, transportes, comunicação, construção civil, energia, agricultura, indústria etc.etc.etc. Não faz muito, uma simples epidemia de gripe (como a espanhola, do início do século XX) ceifava milhões de vidas. Vacina? Nem pensar! Até pouco menos de dois séculos (após os estudos de Louis Pasteur), poucos profissionais de Medicina tinham a mais remota noção da existência de micróbios, ou seja, de bactérias e de vírus. Até as experiências de Lister, as intervenções cirúrgicas eram feitas “a seco”, sem anestesia. Para que o paciente suportasse razoavelmente a dor, era embriagado, quase ao estado de coma alcoólico. Por qualquer parâmetro que se olhe, pois, somos privilegiados.
Nossas dúvidas, princípios e esperanças, é verdade, não são exclusivos. São compartilhados por milhões, quiçá bilhões, de pessoas ao redor do mundo e agora com mais conforto, abrangência e rapidez, através do “milagre” da internet. Há parcos dez anos, por exemplo, espaços como este nosso seriam inviáveis. Ninguém sequer cogitava deles. Hoje há milhões, mundo afora, possibilitando-nos o acesso a todo o tipo de informação, útil ou inútil, benéfico ou nocivo.
Mas todos – ricos e pobres, sábios ou estúpidos, fortes ou fracos, bons ou maus – somos vítimas da efemeridade. Nossa civilização, posto que imperfeita, pode desaparecer e virar pó num piscar de olhos, como tantas outras provavelmente desapareceram sem sequer deixar vestígios no passado. Sobre elas, apenas podemos “fantasiar”, pois não restou reles comprovação de sua existência. Mas existiram! A certeza disso repousa no fundo da nossa memória, naquele substrato hereditário que Jung classificou de “inconsciente coletivo”.
Vivemos num universo hostil à vida e nem sabemos por que estamos aqui. Desconhecemos nossa finalidade ou utilidade. Ignoramos, igualmente, tanto nossa origem, quanto nosso destino, sobre os quais só podemos especular. A Terra, apesar de se tratar do recanto mais benigno à vida, pelo menos em nossos arredores, não deixa de ser um lugar sumamente perigoso e potencialmente letal, um organismo “vivo” e dinâmico, em perpétua (e cataclísmica mudança). O lugar em que construímos nossas casas, em que cultivamos nossos campos, em que erigimos nossas cidades e em que constituímos nossos países, é não mais que delgadíssima camada de rocha solidificada a nadar por sobre um núcleo quentíssimo, de temperatura comparável à do sol, de pedras, níquel e ferro derretidos. Continentes e mares estão assentados em placas tectônicas muito finas, em constante movimento, produzindo terremotos e tsunamis devastadores quando menos se espera. As diferenças de temperatura da atmosfera geram furacões, tufões, ciclones (os três, na verdade, são o mesmíssimo fenômeno climático, posto que com nomenclaturas diferentes), não menos catastróficos.
Ainda assim... nos sentimos razoavelmente seguros. Mas nossa vida (e a das demais espécies) está à mercê dessa roleta russa. Tudo o que construímos em anos, décadas, séculos ou até milênios, pode ser destruído em segundos pela “mãe natureza”, que não raro atua como perversa madrasta.
Ademais, trazemos em nós (e todos nós), em nossos corpos, em nossas vidas, mesmo que pareçam grandiosas aos olhos alheios, as mesmas dúvidas, os mesmos defeitos, as mesmas misérias e as mesmas covardias que tanto nos envergonham. Afinal, "no tempo não há lugar para o homem..." Passado, presente e futuro são uma só coisa, um "único rio", cujas origens e destino estão no infinito. Ninguém sabe de onde suas "águas" vêm e nem para onde vão. Afinal, o que é a vida e o que é a morte?
É verdade que as injustiças se multiplicam e perpetuam. Dois terços da humanidade trabalham, ou procuram trabalhar, para que o um terço restante fique com os frutos deste labor em seu próprio proveito. Por que? É a pergunta que os idealistas fazem há séculos e que não quer calar! E muitos morrem por essa igualdade de oportunidades! Um bilhão e quatrocentos milhões de pessoas situam-se, hoje, abaixo da linha da miséria, sem casa para morar, sem comida, sem acesso à saúde, sem poder obter o preciosíssimo bem da educação que lhes permitiria uma evolução em sua condição pessoal. Por que? Não faz sentido, se somos feitos, todos nós, da mesmíssima matéria e por isso somos mortais. E essa contundente cifra cresce em progressão geométrica. Enquanto isso, os recursos preciosos e esgotáveis do Planeta concentram-se, mais e mais, proporcionalmente, em menos mãos. Por que? Mas as coisas já foram piores. Se cresceram, foi apenas em termos numéricos, dado o crescimento da população. Mas não pioraram (e talvez não tenham, também melhorado).
Questionamentos, dúvidas e a insaciável curiosidade são fatores determinantes da evolução humana, em todos os campos do conhecimento, tanto nas artes, quanto nas ciências e na vida. São saudáveis e, diria, indispensáveis. Temos que questionar sempre, que estar insatisfeitos, que buscar a todo o momento melhorar. Mas, para isso... É tolice esperar que a igualdade, fraternidade e solidariedade caiam do céu, como as chuvas.
Se atentarmos bem, concluiremos, com facilidade, que as necessidades reais do homem são muito pequenas e podem ser satisfeitas sem muito esforço, desde que ele seja atento, disciplinado e diligente. A básica é alimentar-se o suficiente para prover o organismo de energia, e não descambar para a gula desenfreada, que afeta o metabolismo e produz doenças. O vestir-se, de forma confortável e funcional, mas discreta, com simplicidade, que é onde o bom-gosto reside, é outra dessas necessidades. O abrigar-se em uma casa que não precisa de luxo, mas de higiene e conforto, é mais uma delas. Tudo o mais... é perda de tempo e desvia o indivíduo de sua tarefa mais nobre, que é o raciocínio claro, o pensamento livre, a meditação profunda em busca do auto-conhecimento e a ação para tornar o mundo melhor. Se a “mãe natureza”, a às vezes madrasta Géia deixar, claro!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
Pedro J. Bondaczuk
A insatisfação é a mola-mestra do progresso, desde que não exagerada e não passiva. Ou seja, desde que se aja no sentido de satisfazer nossos desejos e necessidades. E é bom que seja assim. Nociva mesmo é a acomodação, seja em que patamar for, quer no ápice do conforto e segurança (se é que isso existe), quer no abismo da miséria e do desespero. Somos dotados de energia para agir, trabalhar, fazer, realizar. E é nossa missão fazê-lo.
Nós, atuais habitantes do Planeta – quer os leitores concordem, quer não – somos privilegiados por qualquer ângulo que se analise. Vivemos numa civilização que nos proporciona o máximo de conforto e facilidades, além de meios de comunicação e locomoção como nossos ancestrais jamais sonharam, mesmo em seus delírios mais absurdos. Ainda assim... vivemos reclamando.
O que mais ouço, em casa, no trabalho, na rua, nos contatos profissionais e sociais é o seguinte: “O mundo não tem jeito. Veja quanta gente passa fome, enquanto outros esbanjam e desperdiçam. A violência é tanta que não estamos seguros sequer em nossas casas, que têm que ser protegidas por cercas elétricas, mecanismos de alarme, seguranças alertas 24 horas por dia, e vai por aí afora”. E as queixas não se restringem, claro, apenas a isso. São tantas, que não daria para relacionar aqui nem a metade. Englobam o preconceito, a corrupção, a prepotência, a loucura, a criminalidade etc.etc.etc.
Quem reclama (e duvido que o leitor, em algum momento, não aja assim), está errado? Incorre em exagero? Está inventando males inexistentes ou superestimando outros inexpressivos? Claro que não! Mas, pergunto: no passado era melhor? Houve alguma época na história humana em que esses males inexistiram, em que houve sociedades harmônicas, justas e solidárias e que a Terra era inefável paraíso? Quando? Qual? Claro que não houve! A maldade é um veneno presente em nossa corrente sanguínea. É quase um distintivo nosso.
Há apenas 122 anos, por exemplo, a escravidão era coisa “normal” no Brasil. Hoje, é considerada atitude hedionda e condenada por todos os povos (embora sobreviva em muitos lugares sob os mais variados disfarces). Nesse aspecto, portanto, evoluímos demais. Minha geração, a que beira os setenta anos atualmente, nasceu quando o mundo estava conflagrado pela Segunda Guerra Mundial, em que por volta de 30 milhões de pessoas foram mortas diretamente e cerca de mais dez milhões foram dizimadas por doenças causadas pelas carências determinadas pelo conflito. Desde então, tivemos, é verdade, outras tantas lutas armadas, mas nenhuma com a abrangência e a virulência daquela, de há 65 anos. Nesse aspecto, portanto, igualmente evoluiu-se, e bastante.
No que diz respeito à tecnologia, então, nem se fala. A evolução foi miraculosa em todos os campos da ciência, na medicina, biologia, transportes, comunicação, construção civil, energia, agricultura, indústria etc.etc.etc. Não faz muito, uma simples epidemia de gripe (como a espanhola, do início do século XX) ceifava milhões de vidas. Vacina? Nem pensar! Até pouco menos de dois séculos (após os estudos de Louis Pasteur), poucos profissionais de Medicina tinham a mais remota noção da existência de micróbios, ou seja, de bactérias e de vírus. Até as experiências de Lister, as intervenções cirúrgicas eram feitas “a seco”, sem anestesia. Para que o paciente suportasse razoavelmente a dor, era embriagado, quase ao estado de coma alcoólico. Por qualquer parâmetro que se olhe, pois, somos privilegiados.
Nossas dúvidas, princípios e esperanças, é verdade, não são exclusivos. São compartilhados por milhões, quiçá bilhões, de pessoas ao redor do mundo e agora com mais conforto, abrangência e rapidez, através do “milagre” da internet. Há parcos dez anos, por exemplo, espaços como este nosso seriam inviáveis. Ninguém sequer cogitava deles. Hoje há milhões, mundo afora, possibilitando-nos o acesso a todo o tipo de informação, útil ou inútil, benéfico ou nocivo.
Mas todos – ricos e pobres, sábios ou estúpidos, fortes ou fracos, bons ou maus – somos vítimas da efemeridade. Nossa civilização, posto que imperfeita, pode desaparecer e virar pó num piscar de olhos, como tantas outras provavelmente desapareceram sem sequer deixar vestígios no passado. Sobre elas, apenas podemos “fantasiar”, pois não restou reles comprovação de sua existência. Mas existiram! A certeza disso repousa no fundo da nossa memória, naquele substrato hereditário que Jung classificou de “inconsciente coletivo”.
Vivemos num universo hostil à vida e nem sabemos por que estamos aqui. Desconhecemos nossa finalidade ou utilidade. Ignoramos, igualmente, tanto nossa origem, quanto nosso destino, sobre os quais só podemos especular. A Terra, apesar de se tratar do recanto mais benigno à vida, pelo menos em nossos arredores, não deixa de ser um lugar sumamente perigoso e potencialmente letal, um organismo “vivo” e dinâmico, em perpétua (e cataclísmica mudança). O lugar em que construímos nossas casas, em que cultivamos nossos campos, em que erigimos nossas cidades e em que constituímos nossos países, é não mais que delgadíssima camada de rocha solidificada a nadar por sobre um núcleo quentíssimo, de temperatura comparável à do sol, de pedras, níquel e ferro derretidos. Continentes e mares estão assentados em placas tectônicas muito finas, em constante movimento, produzindo terremotos e tsunamis devastadores quando menos se espera. As diferenças de temperatura da atmosfera geram furacões, tufões, ciclones (os três, na verdade, são o mesmíssimo fenômeno climático, posto que com nomenclaturas diferentes), não menos catastróficos.
Ainda assim... nos sentimos razoavelmente seguros. Mas nossa vida (e a das demais espécies) está à mercê dessa roleta russa. Tudo o que construímos em anos, décadas, séculos ou até milênios, pode ser destruído em segundos pela “mãe natureza”, que não raro atua como perversa madrasta.
Ademais, trazemos em nós (e todos nós), em nossos corpos, em nossas vidas, mesmo que pareçam grandiosas aos olhos alheios, as mesmas dúvidas, os mesmos defeitos, as mesmas misérias e as mesmas covardias que tanto nos envergonham. Afinal, "no tempo não há lugar para o homem..." Passado, presente e futuro são uma só coisa, um "único rio", cujas origens e destino estão no infinito. Ninguém sabe de onde suas "águas" vêm e nem para onde vão. Afinal, o que é a vida e o que é a morte?
É verdade que as injustiças se multiplicam e perpetuam. Dois terços da humanidade trabalham, ou procuram trabalhar, para que o um terço restante fique com os frutos deste labor em seu próprio proveito. Por que? É a pergunta que os idealistas fazem há séculos e que não quer calar! E muitos morrem por essa igualdade de oportunidades! Um bilhão e quatrocentos milhões de pessoas situam-se, hoje, abaixo da linha da miséria, sem casa para morar, sem comida, sem acesso à saúde, sem poder obter o preciosíssimo bem da educação que lhes permitiria uma evolução em sua condição pessoal. Por que? Não faz sentido, se somos feitos, todos nós, da mesmíssima matéria e por isso somos mortais. E essa contundente cifra cresce em progressão geométrica. Enquanto isso, os recursos preciosos e esgotáveis do Planeta concentram-se, mais e mais, proporcionalmente, em menos mãos. Por que? Mas as coisas já foram piores. Se cresceram, foi apenas em termos numéricos, dado o crescimento da população. Mas não pioraram (e talvez não tenham, também melhorado).
Questionamentos, dúvidas e a insaciável curiosidade são fatores determinantes da evolução humana, em todos os campos do conhecimento, tanto nas artes, quanto nas ciências e na vida. São saudáveis e, diria, indispensáveis. Temos que questionar sempre, que estar insatisfeitos, que buscar a todo o momento melhorar. Mas, para isso... É tolice esperar que a igualdade, fraternidade e solidariedade caiam do céu, como as chuvas.
Se atentarmos bem, concluiremos, com facilidade, que as necessidades reais do homem são muito pequenas e podem ser satisfeitas sem muito esforço, desde que ele seja atento, disciplinado e diligente. A básica é alimentar-se o suficiente para prover o organismo de energia, e não descambar para a gula desenfreada, que afeta o metabolismo e produz doenças. O vestir-se, de forma confortável e funcional, mas discreta, com simplicidade, que é onde o bom-gosto reside, é outra dessas necessidades. O abrigar-se em uma casa que não precisa de luxo, mas de higiene e conforto, é mais uma delas. Tudo o mais... é perda de tempo e desvia o indivíduo de sua tarefa mais nobre, que é o raciocínio claro, o pensamento livre, a meditação profunda em busca do auto-conhecimento e a ação para tornar o mundo melhor. Se a “mãe natureza”, a às vezes madrasta Géia deixar, claro!
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