Thursday, February 03, 2011




Sugestão como virtude

Pedro J. Bondaczuk

Não faz muito um amigo, desses com os quais partilho planos, idéias e decepções por depositar neles irrestrita confiança, questionou-me do por quê da minha preferência pelo conto, enquanto escritor, em detrimento do romance, que dá maior prestígio e visibilidade ao autor. Até então, eu nunca havia sequer pensado nisso.

A resposta que lhe dei, sem muita reflexão, quase que por impulso, foi: “o romance dá muito trabalho!”. De fato, dá, mas nem tanto. O conto, no meu entender, dá muito mais. Claro que a minha preferência por esse gênero nobre e muito mais difícil do que muita gente pensa – o preferido de Gogol, Gorki e Tchecov, entre outros – (e cito esses russos dada a minha ascendência) não é, exatamente, por essa razão. Em parte, deve-se ao meu “treinamento” enquanto escritor.

Profissionalmente sou, há já quase meio século, jornalista. Aprendi, portanto, a contar histórias (verídicas ou fictícias não importa), tanto tendo por referencial a sua importância, quanto o espaço reservado pelo jornal para contá-la. Já contei casos, com começo, meio e fim, em meras quinze linhas (que era o que estava à minha disposição naquele dia). Mas também narrei várias outras em até quatro páginas (claro, com ilustrações, se não, não atrairia leitura). Esse exercício, esse treinamento sustentado por anos e anos a fio, por décadas, condicionou-me, igualmente, no exercício da literatura.

Venho escrevendo um romance há já mais de quatro anos, com sucessivas interrupções, dadas as múltiplas atividades que exerço. Não sinto maiores dificuldades na narrativa, embora tenha que refazer, volta e meia, os diálogos, que são mais complicados de reproduzir com verossimilhança do que muita gente pensa. Nesse ínterim, já escrevi cinco livros de contos, um dos quais, “Lance Fatal”, foi recém lançado pela Editora Barauna e cuja divulgação iniciei há dois meses.

Sinto que o gênero me propicia mais chances de criação do que o romance (talvez menos do que a novela). Por que? Porque em boa parte da narrativa posso recorrer mais à sugestão, ao deixar implícito, do que, propriamente, à detalhada descrição. Utilizando determinadas palavras-chaves, tento passar ao leitor não apenas os traços fisionômicos dos personagens, suas indumentárias e formas de falar (que num romance detalharia), como gestos aparentemente banais e até seus pensamentos (prerrogativa do escritor, que age como o manipulador de bonecos de marionete), tudo isso sem “dizer” explicitamente. Guardadas as devidas proporções, é como escrever poesia, posto que em versos brancos.

Como leitor, não tenho preferências entre os três principais gêneros de ficção. Vai muito da minha disponibilidade de tempo e do estado de espírito no momento da leitura. Há dias em que gosto de ler bons romances, com personagens bastante complexos e originais, e quanto mais extensos, melhor. Em outros, porém, prefiro histórias curtas, resumidas, sintéticas, sobretudo sugestivas, que me despertem a fantasia, me dando margens à imaginação. Já li contos de dez linhas, sem que faltassem seus ingredientes essenciais. Aliás, já escrevi alguns tão sintéticos assim, embora não os tenha selecionado para nenhum dos meus livros. Por que? Talvez por distração, sei lá.

O escritor argentino Julio Cortazar, que viveu boa parte da sua vida em Paris, escreveu alguns ensaios sobre esse gênero, cuja leitura (a dos ensaios) recomendo aos meus amigos escritores (caso tenham acesso a eles). São imperdíveis e esclarecedores.

Em um deles, escrito em 1963, intitulado “Alguns aspectos do conto”, escreveu: “Um conto é significativo quando quebra seus próprios limites com essa explosão de energia espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e às vezes miserável história que conta”. O romance não possibilita esse “big bang” do espírito. Dificilmente se consegue, com ele, surpreender o leitor. A partir de certo ponto, por mais apto que você seja na arte da narrativa, o enredo se torna previsível. Na maior parte das histórias é possível prever o desfecho, com razoável margem de acerto, a partir da sua metade. No conto, porém, dá para manter mais aceso o clima de mistério.

E como “nasce” esse tipo de história? O que o inspira? Recorro, novamente, a Cortazar, no ensaio “Do conto breve e seus arredores”, escrito em 1969, para esclarecer. Nesse texto, o criativíssimo escritor argentino, autor do super-original “O jogo da amarelinha”, observa: “A gênese do conto e do poema é, contudo, a mesma, nasce de um repentino estranhamento, de um deslocar-se que altera o regime ‘normal’ da consciência; num tempo em que as etiquetas e os gêneros cedem a uma estrepitosa bancarrota, não é inútil insistir nesta afinidade que muitos acharão fantasiosa. Minha experiência me diz que, de algum modo, um conto breve como os que procurei caracterizar não tem uma estrutura de prosa”.

Sugestão, como se vê. Mera questão de sugestão... Essa é a principal virtude do conto e que tanto me fascina. Fica, pois, dada a resposta ao amigo que citei no início destas considerações, sobre os motivos de, enquanto escritor, eu preferir o conto ao romance. Não é porque o segundo dê mais trabalho, longe disso. Aliás, na verdade, considero que dê até menos. É pelo desejo de originalidade e pelo permanente desafio de surpreender o leitor.

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