Thursday, February 17, 2011




Princípio da criação

Pedro J. Bondaczuk

A imaginação é o princípio da criação”. Quem fez essa afirmação tão direta e objetiva foi um dos gênios da literatura mundial, o irlandês George Bernard Shaw, num texto intitulado “Volta a Matusalém”. Embora me pareça algo óbvio, nem todos têm essa noção, essa percepção e muitos, até, contestam. Essa contestação, todavia, é irracional e nem um pouco imaginativa. Basta a pessoa que a faz pensar só um pouquinho para chegar a idêntica conclusão. Shaw justificou o que disse, acrescentando: “A gente imagina o que deseja, quer o que imagina e, finalmente, cria o que quer”.

Claro que nada irá nos cair prontinho, automaticamente no colo, do céu, mediante simples manifestação de desejo. Esse tipo de mágica existe só em ficção. Talvez os bruxos de Harry Potter o façam. Na prática, nada surge do nada, como que por encanto. Após imaginar e desejar algo, é preciso querer o que for imaginado. Ambos verbos (desejar e querer) são tidos como sinônimos, contudo não interpreto dessa forma. Há diferença de intensidade entre ambos, posto que sutilíssima. O segundo é mais intenso do que o primeiro. Mas não basta desejar e querer o que quer que seja. O objeto do desejo não irá se materializar sem que haja, para isso, uma ação. E é aí que surge a criação.

Mas temos que policiar a imaginação. Não podemos dar-lhe livre curso, porquanto, se levada para o lado negativo, deixa de ser nossa principal aliada e fonte de toda a criatividade, para se transformar num tormento de gigantescas proporções. Por exemplo, às vésperas de enfrentar alguma situação desagradável, da qual não possamos fugir, nossa tendência é fantasiar o que ainda não aconteceu e projetar na mente sofrimentos e conseqüências terríveis. Quando, finalmente, encaramos o que nos afligia, percebemos, surpresos, que aquilo não era tão ruim. Mas aí... Já sofremos, e sem necessidade.

Por isso, devemos, sim, dar asas à imaginação, mas apenas nas coisas positivas. Nas situações adversas, aflitivas ou dolorosas, mandam o bom-senso e a prudência que devemos dar ouvidos, única e exclusivamente, à razão. Agindo assim, evitaremos sofrimentos inúteis e desnecessários e manteremos o desejável equilíbrio psicológico e emocional.

Temos, todos, em maior ou menor medida, uma fome insaciável de saber. Todavia, quase sempre esbarramos em nossas limitações, reais ou (na maioria das vezes) imaginárias, que não nos permitem acesso ao máximo do conhecimento. Temos, no entanto, uma faculdade ilimitada, que supre, com vantagens, a nossa incapacidade de aprender. E vocês já adivinharam qual é. Trata-se da imaginação. Esta não tem limites e compensa, de forma quase sempre vantajosa, essa nossa dificuldade, que tanto nos frustra. Monteiro Lobato, no livro “Serões da Dona Benta”, observa: “Se a nossa inteligência é limitada e de todos os lados dá de encontro a barreiras, temos o consolo de montar no cavalo da imaginação e galopar pelo infinito”. Maravilhosa possibilidade! Mas não é somente para isso que a imaginação tende a nos ser benigna. Jorge Luís Borges escreveu:^“A beleza está em toda parte. E talvez em cada momento de nossas vidas”. O escritor argentino nunca deixou de se nutrir do que é belo, mesmo depois de acometido de cegueira. Vislumbrava a beleza “com os olhos da alma”, em todo o instante e lugar. Como? Através da imaginação.

Ademais, a beleza não se manifesta, apenas, pelo visual. Não a detectamos “só” com os olhos. Outros sentidos nos possibilitam contato íntimo com ela. Para gozá-la plenamente, basta calar-se por um momento, fechar os olhos e deixar somente o coração falar. Faço isso amiúde e é uma das coisas que me ajudam a conservar a sanidade. A atividade intelectual – e quem a exerce na plenitude sabe disso – é mais cansativa e desgastante do que a física. Não raro, após horas e horas de leitura e redação, saio do meu gabinete de trabalho exaurido, trôpego, meio zonzo e quase sem enxergar nada e ninguém. E o que faço para me livrar da exaustão? Vou dormir? Não! Dou asas à imaginação e penso em belos cenários, pessoas bonitas (por dentro e por fora) e textos magníficos, em geral trechos de meus poemas preferidos.

Aos poucos, a exaustão vai diminuindo, diminuindo e cede lugar a uma imensa paz de espírito. Em geral esse exercício de imaginação é feito debaixo de um chuveiro com água bem morna. Não raro, retorno ao gabinete de trabalho, revigorado e pronto para encarar nova jornada, como se tivesse repousado oito horas, mesmo sem fazê-lo. Margareth Fuller escreveu a respeito: “O trabalho fatigante é tão necessário para os tesouros do espírito como arar e semear são necessários para evocar os da terra”. Bendita imaginação que, bem-dirigida, tende a operar maravilhas!

Todavia, em caso contrário, reitero, gera monstros terríveis que nos aterrorizam e causam aflições e sofrimentos inúteis. A auto-sugestão, por exemplo, é farta fonte de doenças. Se uma pessoa cismar que está acometida de determinado mal, mesmo que todos os exames comprovem que está absolutamente sadia, sentirá, na carne, os sintomas dessa moléstia imaginária. Em casos extremos, pode, até, morrer em decorrência desse mal, que existe só em sua imaginação.

Por isso, temos que ter extremo cuidado com o que imaginamos. E fugir das auto-sugestões negativas, utilizando, como antídotos, o otimismo, o bom-humor, o pensamento positivo e imagens de beleza e transcendência. O jornalista italiano Dino Segre, que assinava seus textos com o pseudônimo Pitigrilli, escreveu: “Os livros de medicina nas mãos dos enfermos fazem a temperatura subir vários graus e suscitam sintomas inexistentes”. E não são?!

Mas, voltando a Bernard Shaw, a imaginação é uma característica ímpar com que a natureza nos dotou. Tem o condão de, em infinitésimos de segundos, tornar o abstrato concreto, de criar e destruir mundos e de vencer distâncias imensas com velocidade maior do que a da luz. Pode contribuir para nos fazer felizes ou... ser a causa de constantes pesadelos, sofrimentos e dores, se não formos prudentes e não direcionarmos o que imaginamos. O poeta Murilo Mendes lembra: “Só não existe o que não pode ser imaginado”. Portanto, nunca é demais reiterar (pois assim manda a prudência) é preciso que direcionemos a imaginação sempre, sempre e sempre para o lado positivo, agradável e bonito da vida.


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