Thursday, February 10, 2011




Aparência e essência

Pedro J. Bondaczuk

O povo consagrou a máxima de que “as aparências enganam”. É verdade que nem sempre isso acontece. Às vezes as coisas estão tão evidentes que são, realmente, o que aparentam ser. Não se pode, pois, generalizar. Nunca é demais citar a opinião de Nelson Rodrigues a respeito. Ou seja,a de que “toda generalização é burra”.
Mas como saber quando a aparência é falsa ou verdadeira? Nunca sabemos com absoluta certeza. Firmamos determinada convicção, apelamos para a intuição, a que chamamos de “sexto sentido”, mas sempre haverá o risco do erro, do engano, do julgamento precipitado e injusto.
Outro dito popular famoso apregoa que “o hábito não faz o monge”, referindo-se, no caso, ao traje que o caracteriza e não ao “costume”. Esse ditado é muito utilizado principalmente quando se quer ilustrar o quanto as aparências costumam enganar quem está habituado a tirar conclusões apressadas sobre os semelhantes, baseado, apenas, no que vê (ou no que ouve, o que é ainda pior). E, em certa medida, todos nós, uma vez ou outra, agimos dessa maneira. E não raro quebramos a cara.
Medimos a capacidade, e até a “respeitabilidade” (quando não a projeção profissional e/ou social) de uma pessoa, só pela forma como ela se veste. Fazemos, por conseqüência, juízos apressados (quando não ridículos), baseando-nos, somente, no aspecto exterior de alguém, naquilo que é passivo de ser disfarçado, fantasiado ou imitado. Há, inclusive, quem faça desse comportamento uma espécie de regra (e não são poucos). E, claro, cometem equívocos monumentais. E como se enganam!
Mas como avaliar a alma, as convicções, os pensamentos, os sentimentos, o caráter, em suma, a essência de alguém? Existe algum método, algum meio de aferição, algum parâmetro a ser seguido para isso? E, caso exista, é infalível? Presumo que não, para as duas questões. Todavia não deixa de ser verdadeiro o fato de que, quem se deixa levar apenas pelas aparências, não raro comete equívocos monumentais, e, pior, que não têm remédio.
Nem sempre o que parece de fato é o que aparenta (reitero, porém, que às vezes é). E isso vale tanto para o aspecto material do mundo, quanto para o lado espiritual das pessoas. Tanto para aferir a sinceridade e probidade de alguém, quanto a sua idade. Tanto para julgar a correção e validade de uma causa que nos pareça nobre e justa, quanto para concluir sobre a projeção social de alguém.
Confúcio perguntou, certa feita, a um discípulo: “Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos tem?”. O pupilo matutou, matutou, pensou bastante, mas não soube responder. Eu também não saberia. É um bom tema para se pensar. Há pessoas beirando os oitenta anos que aparentam não mais do que cinqüenta. Cuidam-se, têm hábitos saudáveis, alimentam-se corretamente nos horários certos e só ingerem comidas comprovadamente sadias, exercitam-se na devida medida, dormem na quantidade e na hora certas, não cometem nenhuma espécie de exagero, nem para mais, nem para menos e, dessa maneira, retardam o envelhecimento.
Conheço outras, no entanto, que ou por descuido do próprio corpo (o que é o mais comum), ou em decorrência de circunstâncias adversas que fogem ao seu controle, como miséria, doenças, excesso de preocupações e vai por aí afora, aparentam oitenta anos, quando não têm mais do que quarenta e cinco. Tentar adivinhar, portanto, a idade de alguém, baseado apenas na aparência, é o caminho mais curto para o engano.
O mesmo equívoco cometemos, não raro, ao avaliar determinada causa, que identificamos a priori como nobre e até sagrada. Milan Kundera escreveu a propósito, no “O livro do riso e do esquecimento”: “Basta tão pouco, uma ínfima corrente de ar para que as coisas se movam imperceptivelmente, e aquilo por que ainda teríamos dado a vida um segundo antes aparece de repente como um contra-senso no qual não há nada”.
Mas não se envergonhe se (ou quando) cometer esse tipo de equívoco. Todos os cometemos. O que não se pode é persistir no erro, tão logo seja identificado. Aí... já é burrice extrema! Hermann Hesse coloca, na boca de um dos seus personagens, esta verdade, que contradiz as aparências: “O macio é mais forte do que o duro. A água mais forte do que a rocha. O amor mais forte que a violência”. E essa força maior, dos elementos citados, não é apenas figura de linguagem, mas pura realidade.
Analisemos: o macio verga, mas não quebra, ao contrário do que é duro, que se rompe facilmente. A água é a que gera a maior parte da energia elétrica que se consome mundo afora, e não a rocha. Já a violência, destrói, não raro, não apenas a vítima dela, mas também o seu agente. O amor, porém, redime a ambos. Por isso, não nos deixemos levar, jamais, por meras aparências. E muito menos por achar que quem se traja com elegância e apuro é, apenas por isso, alguma eventual sumidade científica, literária, filosófica ou seja lá do que for. Conheço muito rematado idiota, que não enxerga um só palmo diante do nariz, que se veste com impecável apuro. Combina direitinho cada peça da indumentária, além do calçado, está sempre muito bem penteado, com a barba feita e escanhoada e perfumado na medida exata. Parece um manequim quando visto à distância. Mas quando abre a boca... sai de baixo!
Albert Einstein, tido e havido como desleixado convicto, no que diz respeito à forma de se trajar, e de se apresentar socialmente (quem nunca viu a imagem do famoso cientista, com os cabelos compridos e desgrenhados, mostrando a língua, como que a debochar dos que se apegam somente às aparências?) jamais seria recebido no círculo social de quem se utiliza desse parâmetro (tão comum, porém mesquinho) de avaliação. No entanto... foi um dos maiores gênios que o mundo já produziu em todos os tempos, respeitado e admirado não exatamente por sua “elegância” (que não tinha), mas pela força do seu raciocínio e pelo uso continuado e racional do seu cérebro privilegiado. Inúmeros outros casos, como esse, poderiam ser mencionados, para mostrar o quanto essa maneira de julgar o próximo é enganosa, quando não ridícula e principalmente preconceituosa, mas deixo por conta da sua imaginação, inteligente leitor.

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