Sunday, February 28, 2010




O perigo da "bomba da miséria"

Pedro J. Bondaczuk

O Sudão está vivendo drama idêntico, ou talvez maior, do que aquele da Etiópia em 1984. Centenas de pessoas morrem, semanalmente, à míngua, nos vários acampamentos de refugiados do país. Quantos falecem a meio do caminho, sem forças para chegar a esses locais de socorro, mantidos por entidades internacionais abnegadas, é impossível sequer de estimar. E tudo isso acontece sob os olhares complacentes da comunidade internacional, que se mantém indiferente à sorte dos seus semelhantes, como se eles não fossem seres humanos como nós. Funcionários franceses da entidade "Médicos sem Fronteira", acostumados a toda a sorte de horrores, na sublime tarefa de solidariedade que a organização humanitária desempenha, ficaram horrorizados com o estado dos flagelados.

Testemunharam que aqueles que chegam aos campos são "esqueletos vivos". E chegaram a afirmar que aquilo que presenciaram era uma "visão do Apocalipse". Mas não são apenas os sudaneses, que foram também afetados no Norte, mais especificamente na capital, Cartum, com a maior enchente de que se tem notícia na história do país, que estão sofrendo de carência alimentar e morrendo à míngua. Este ano foi particularmente duro para as pessoas pobres do "Quarto Mundo", aquele dos desesperados, que não conseguem sobreviver sem uma ampla ajuda mundial.

Em Bangladesh, por exemplo, chuvas caídas na Cordilheira do Himalaia, deixaram 28 milhões de seres humanos, homens e mulheres, crianças e velhos, no mais completo desamparo, por terem perdido suas casas. Essa cifra certamente é a mais alta deste século em número de pessoas atingidas por catástrofes climáticas. A fome já se faz sentir, com toda a sua dor (quem já jejuou algum dia sabe do que estamos falando), entre essa gente desesperada. Epidemias começam a se manifestar e ceifar muitas vidas, de indivíduos enfraquecidos por tantas privações. Quando não pretendem prestar qualquer ajuda a tais comunidades sofredoras, os líderes políticos das sociedades mais avançadas e os pseudo-analistas internacionais insinuam que os regimes ditatoriais que essas nações possuem fazem com que tais países não mereçam ser socorridos.

Como se a sua gente devesse ser punida duplamente! Além de ter que tolerar tiranos cínicos e insensíveis (muitas vezes postos no poder pelos mesmos que os usam como argumento para não ajudar tantos necessitados, por razões "estratégicas"), ainda acabam perdendo a simpatia de quem poderia fazer alguma coisa para minorar suas aflições. As armas nucleares são um perigo iminente para a sobrevivência humana. Mas a "bomba da miséria" envolve muito maior risco, quando um dia explodir em uma violência cega e irracional, ditada pelo desespero. O único "antídoto" para isso é a solidariedade. A de todos nós...

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 10 de setembro de 1988)

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