Wednesday, February 10, 2010




Espontâneo é melhor

Pedro J. Bondaczuk

A atividade artística, notadamente a literária, tem, como premissa fundamental, a liberdade de expressão. Não comporta, pois, direcionamentos de temas, pautas, censuras e nada que atrapalhe, ou impeça, o escritor de expressar o que pretenda em seus textos com a máxima fidelidade e clareza. Arte e Moral são compartimentos distintos e nunca (ou raramente) andam juntos.
O único juiz, implacável e exclusivo, o que decide de fato o sucesso ou o fracasso de quem se aventure neste campo é, e sempre deve ser, o leitor. Apenas a ele cabe julgar o que acha bom ou o que entende que seja ruim, deficiente, mal-escrito e mal-expresso. Afinal, é ele que compra livros e movimenta a vasta indústria editorial.
A única censura pertinente é a do próprio escritor. Este precisa contar, sobretudo, com bom-senso na escolha do que e de como irá escrever, para não cair, eventualmente, em ridículo publicamente. Compete-lhe escolher livremente o tema que queira abordar, a forma de explanação e a linguagem a utilizar, de conformidade com o seu estilo e de acordo com o grau cultural do segmento a que seu texto se destine. Mas precisa estar ciente de que será, sempre e sempre, julgado pelo leitor. Em caso de agradá-lo, será premiado com a sua fidelidade. Se não...
Todavia, o escritor tem que respeitar, sem nenhuma exceção, os cânones do idioma. Neste caso, não se trata, sequer, de nenhum cerceamento à sua liberdade de expressão, mas de premissa básica e lógica para quem aspire a essa condição. É para lá de óbvio para qualquer um que ninguém jamais será escritor caso não saiba o que é primário e elementar: ou seja, “escrever”.
O objetivo primordial da literatura é o de comunicar – pensamentos, sentimentos, observações ou seja lá o que for – a alguém. Não se trata, pois, de nenhum exercício de exibição de erudição e nem de mera feira de vaidades. Quanto mais perito for o escritor, na captação da atenção do leitor e na conquista da sua empatia e cumplicidade, maior será seu sucesso nessa atividade.
A liberdade para a escolha do quê, como e quando escrever, reitero, é um dos fatores que contribuem para garantir a qualidade de uma boa obra literária. Claro que não é o único e talvez nem seja o fundamental. Mas que ajuda, disso não tenham dúvidas. A espontaneidade na criação é muito importante.
Um escritor, meu amigo, passou pela experiência contrária, ou seja, a de ter que escrever com prazo marcado, a toque de caixa. Premido por dificuldades financeiras, fez um acordo com sua editora para receber adiantada parcela expressiva dos seus direitos autorais. Isso, antes mesmo de haver escrito o livro. Foi-lhe imposto um prazo de seis meses para entregar a obra acabada, revisada, prontinha para seguir para a impressão.
Ele nem se abalou. “Em seis meses, escrevo um tratado de mil páginas”, raciocinou. Todavia, por uma dessas artimanhas do acaso, entrou num período temido por todos os artistas, o de “crise de criatividade”. Sentava-se junto ao computador e ficava horas olhando para a telinha, sem que lhe viesse uma única idéia aproveitável. Passados dois meses, começou a lhe bater o desespero. E quanto mais desesperado ficava, menor era a sua “inspiração”. Sua autoconfiança, ademais, fora para o espaço, estava a zero.
Resolveu mudar de ambiente, na tentativa de se concentrar melhor e produzir o tal livro, do qual já estava pegando ódio, antes de ser escrito (ou, justamente, porque não conseguia escrevê-lo). Em vão. As idéias teimavam em não vir. Como havia ido para um vilarejo deserto, com uma praia sensacional, distraiu-se com a paisagem, deliciou-se com os banhos de mar e praticamente esqueceu a razão de estar ali.
Lá um belo dia, num final de tarde, relaxado após longo e prazeroso passeio pela praia, resolveu escrever a primeira coisa que lhe viesse à cabeça, publicável ou não, sem nenhuma preocupação. “Às favas com o livro”, pensou. À medida que ia escrevendo, as idéias foram fluindo, a princípio suavemente, como as águas de um riacho e, depois, com vigor incontrolável, como as cataratas do Iguaçu.
Ao reler o que havia escrito, com intenção de deletar em seguida, percebeu, surpreso, que até sem querer, havia escrito o tal livro. Foi só esquecer a pressão para que seu talento inegável prevalecesse. Entregou a obra prometida no prazo acertado com a editora e esta foi um grande sucesso. Todavia, até inconscientemente, todas as vezes que meu amigo escritor fala dos seus êxitos literários, omite o tal livro (por sinal, um dos melhores que já li de autores nacionais).
Confesso que, vira e mexe, passo por situações semelhantes. Basta que alguém me imponha um tema ou uma data específica para a entrega de uma crônica, um ensaio ou um conto, para a atividade de escrever, que tanto amo, deixar, subitamente, de ser um prazer, algo delicioso e lúdico, para se transformar numa tarefa chata, num dever a cumprir, numa enfadonha obrigação.
Apesar de invariavelmente elogiados, não gosto dos textos que produzo nessas circunstâncias. Eles me parecem sempre artificiais, forçados, “falsos”, embora quem os leia não perceba nada disso e se desmanche em elogios. Não me refiro, aqui, à produção jornalística, muito diferente da literária. Em jornalismo, sim, prazos e temas prefixados são a rotina. Em literatura, todavia, isso é um “veneno” à criatividade.
Não sei se com vocês, caros amigos escritores, ocorre o mesmo. Mas isso é para lá de comum com os colegas do ramo com os quais tenho abordado o assunto. Para evitar essa pressão, antecipo-me a quaisquer cobranças. Aproveito os momentos de “fúria produtiva” para produzir uma quantidade imensa de crônicas, ensaios etc. Quando alguém me pede um texto, digamos, para amanhã, não me aperto. Tenho uma quantidade enorme deles em estoque, todos escritos com prazer e alegria.
Reitero que escrever, para mim, é muito mais do que a minha maneira de ganhar o “pão nosso de cada dia”. É tão necessário e natural como comer, beber ou respirar. Mas esse prazer se torna um delírio apenas quando se dá espontaneamente.




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