Sunday, February 14, 2010




A bomba da miséria

Pedro J. Bondaczuk

O economista suíço Rudolf H. Strahm, em seu livro “Subdesenvolvimento: por que somos tão pobres?”, destaca: “Na América Latina, para cada novo emprego na cidade, sete trabalhadores agrícolas deixam o campo. Um deles obtém esse trabalho, seis ficam sem emprego e se afundam na miséria das periferias urbanas dos centros industriais. O êxodo rural é um processo praticamente irreversível: aquele que deixou seu vilarejo ou sua terra, raramente faz o caminho contrário”.
No Brasil, essa relação, provavelmente, é bem mais ampla do que no restante do continente. Tal fator, somado à enorme população brasileira – o País é, hoje, o sexto mais populoso do mundo – contribui decisivamente para que a miserabilidade se acentue e gere, em conseqüência, violência, tensões e desagregação social.
Esse contingente enorme que se evade do campo para a cidade fica, virtualmente, sem qualquer função. Na zona rural, é mão-de-obra barata, descartável, utilizada apenas em época de colheita. Nas metrópoles, nem isso, em geral, consegue ser. O próprio processo de modernização, com o uso intensivo de avançadas tecnologias, tanto na agricultura, quanto na indústria, deixa cada vez mais pessoas sem ter o que fazer. Conseqüentemente, tais indivíduos, que não tiveram oportunidade de acesso ao aprendizado muitas vezes sequer das primeiras letras, estão sendo banidos da própria vida comunitária. Não vivem: se limitam a vegetar.
Colhidos de frente, abalroados por decisões alheias, por políticas que quase nunca levam em conta o homem, estes seres humanos acabam despojados da cidadania e da dignidade; são excluídos da sociedade. Lutam, apenas e tão-somente, pela sobrevivência física. São os chamados sem-teto, os favelados, os bóias-frias etc.
Strahm constata, em seu livro, que “os mais pobres do0s pobres não se beneficiam em absoluto do desenvolvimento. Eles estão mergulhados na marginalidade e na miséria, processo qualificado de marginalização; na América do Sul é chamado também de desenvolvimento do0 subdesenvolvimento”.
É incorreto afirmar que o Brasil é um país pobre. Afinal, trata-se da décima maior economia mundial. Todavia, à exceção de cerca de 16 milhões de brasileiros, ou pouco mais, que compõem o mercado consumidor, os demais 134 milhões sobrevivem em diversos graus de pobreza, desde o de “remediados”, ao derradeiro patamar: miseráveis.
Está aí o grande desafio para os homens com poder de decisão e genuína vontade de construir um mundo melhor para o próximo milênio. Ou se encontra alguma forma de deter esse inexorável e acelerado processo de miserabilidade, em que imensos contingentes morrem à míngua para sustentar alguns privilegiados, ou a civilização, da forma como a conhecemos, estará com seus dias contados.
Trata-se de pura questão de lógica. Não adianta viajarmos nas luxuosas cabines de primeira classe de um transatlântico se houver uma bomba escondida nos porões do navio. E é isto o que está ocorrendo. Tal artefato explosivo é a miséria, que gera o desespero e, por conseqüência, a irracionalidade. Como irracional, também, é o sistema que condena, inexoravelmente, seres humanos à marginalidade, suprimindo o que eles têm de mais precioso: a dignidade.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 19 de março de 1993)

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