O artista, em especial o poeta, desenvolve com anos de exercício a aptidão de explorar sutilmente o subconsciente à cata de emoções que lhe sirvam de matéria-prima para maravilhosas obras de arte. Sons, imagens, odores, sensações agradáveis ditadas pelos cinco sentidos, são transformados por esses criadores (que valorizam e dão nobreza à vida humana) em melodias, telas, esculturas, palavras que formam metáforas bem ajustadas e harmoniosas. Com o talento de que são dotados, nos transmitem suas emoções, às quais agregamos as nossas, ditadas por nossa própria experiência pessoal.
Sunday, February 28, 2010
O perigo da "bomba da miséria"
Pedro J. Bondaczuk
O Sudão está vivendo drama idêntico, ou talvez maior, do que aquele da Etiópia em 1984. Centenas de pessoas morrem, semanalmente, à míngua, nos vários acampamentos de refugiados do país. Quantos falecem a meio do caminho, sem forças para chegar a esses locais de socorro, mantidos por entidades internacionais abnegadas, é impossível sequer de estimar. E tudo isso acontece sob os olhares complacentes da comunidade internacional, que se mantém indiferente à sorte dos seus semelhantes, como se eles não fossem seres humanos como nós. Funcionários franceses da entidade "Médicos sem Fronteira", acostumados a toda a sorte de horrores, na sublime tarefa de solidariedade que a organização humanitária desempenha, ficaram horrorizados com o estado dos flagelados.
Testemunharam que aqueles que chegam aos campos são "esqueletos vivos". E chegaram a afirmar que aquilo que presenciaram era uma "visão do Apocalipse". Mas não são apenas os sudaneses, que foram também afetados no Norte, mais especificamente na capital, Cartum, com a maior enchente de que se tem notícia na história do país, que estão sofrendo de carência alimentar e morrendo à míngua. Este ano foi particularmente duro para as pessoas pobres do "Quarto Mundo", aquele dos desesperados, que não conseguem sobreviver sem uma ampla ajuda mundial.
Em Bangladesh, por exemplo, chuvas caídas na Cordilheira do Himalaia, deixaram 28 milhões de seres humanos, homens e mulheres, crianças e velhos, no mais completo desamparo, por terem perdido suas casas. Essa cifra certamente é a mais alta deste século em número de pessoas atingidas por catástrofes climáticas. A fome já se faz sentir, com toda a sua dor (quem já jejuou algum dia sabe do que estamos falando), entre essa gente desesperada. Epidemias começam a se manifestar e ceifar muitas vidas, de indivíduos enfraquecidos por tantas privações. Quando não pretendem prestar qualquer ajuda a tais comunidades sofredoras, os líderes políticos das sociedades mais avançadas e os pseudo-analistas internacionais insinuam que os regimes ditatoriais que essas nações possuem fazem com que tais países não mereçam ser socorridos.
Como se a sua gente devesse ser punida duplamente! Além de ter que tolerar tiranos cínicos e insensíveis (muitas vezes postos no poder pelos mesmos que os usam como argumento para não ajudar tantos necessitados, por razões "estratégicas"), ainda acabam perdendo a simpatia de quem poderia fazer alguma coisa para minorar suas aflições. As armas nucleares são um perigo iminente para a sobrevivência humana. Mas a "bomba da miséria" envolve muito maior risco, quando um dia explodir em uma violência cega e irracional, ditada pelo desespero. O único "antídoto" para isso é a solidariedade. A de todos nós...
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 10 de setembro de 1988)
Pedro J. Bondaczuk
O Sudão está vivendo drama idêntico, ou talvez maior, do que aquele da Etiópia em 1984. Centenas de pessoas morrem, semanalmente, à míngua, nos vários acampamentos de refugiados do país. Quantos falecem a meio do caminho, sem forças para chegar a esses locais de socorro, mantidos por entidades internacionais abnegadas, é impossível sequer de estimar. E tudo isso acontece sob os olhares complacentes da comunidade internacional, que se mantém indiferente à sorte dos seus semelhantes, como se eles não fossem seres humanos como nós. Funcionários franceses da entidade "Médicos sem Fronteira", acostumados a toda a sorte de horrores, na sublime tarefa de solidariedade que a organização humanitária desempenha, ficaram horrorizados com o estado dos flagelados.
Testemunharam que aqueles que chegam aos campos são "esqueletos vivos". E chegaram a afirmar que aquilo que presenciaram era uma "visão do Apocalipse". Mas não são apenas os sudaneses, que foram também afetados no Norte, mais especificamente na capital, Cartum, com a maior enchente de que se tem notícia na história do país, que estão sofrendo de carência alimentar e morrendo à míngua. Este ano foi particularmente duro para as pessoas pobres do "Quarto Mundo", aquele dos desesperados, que não conseguem sobreviver sem uma ampla ajuda mundial.
Em Bangladesh, por exemplo, chuvas caídas na Cordilheira do Himalaia, deixaram 28 milhões de seres humanos, homens e mulheres, crianças e velhos, no mais completo desamparo, por terem perdido suas casas. Essa cifra certamente é a mais alta deste século em número de pessoas atingidas por catástrofes climáticas. A fome já se faz sentir, com toda a sua dor (quem já jejuou algum dia sabe do que estamos falando), entre essa gente desesperada. Epidemias começam a se manifestar e ceifar muitas vidas, de indivíduos enfraquecidos por tantas privações. Quando não pretendem prestar qualquer ajuda a tais comunidades sofredoras, os líderes políticos das sociedades mais avançadas e os pseudo-analistas internacionais insinuam que os regimes ditatoriais que essas nações possuem fazem com que tais países não mereçam ser socorridos.
Como se a sua gente devesse ser punida duplamente! Além de ter que tolerar tiranos cínicos e insensíveis (muitas vezes postos no poder pelos mesmos que os usam como argumento para não ajudar tantos necessitados, por razões "estratégicas"), ainda acabam perdendo a simpatia de quem poderia fazer alguma coisa para minorar suas aflições. As armas nucleares são um perigo iminente para a sobrevivência humana. Mas a "bomba da miséria" envolve muito maior risco, quando um dia explodir em uma violência cega e irracional, ditada pelo desespero. O único "antídoto" para isso é a solidariedade. A de todos nós...
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 10 de setembro de 1988)
Saturday, February 27, 2010
O filósofo norte-americano Will Durant comentou, em um de seus livros: "Considere-se a consciência. Que misteriosa faculdade é esta que nos faz cientes do que estamos fazendo, ou do que fizemos, ou do que pretendemos fazer? Que percebe o conflito das nossas próprias idéias e por meio de umas critica outras? Que imagina possíveis reações e prevê resultados prováveis? Que, depois de pacientemente analisada uma situação, a atende com os recursos do pensamento e do desejo coordenados num sentido criador?". É comum dizer-se de pessoas maldosas, que utilizam todo o seu tempo para lesar ou aborrecer outras, ou para agredir os mais fracos, ou para burlar as leis e as normas morais e que não se arrependem (pelo menos externamente) dos seus atos, que elas "não têm consciência". Não é verdade! Possuir, certamente, possuem. O que não fazem é atender aos seus ditames.
Soneto à doce amada – LIX
Pedro J. Bondaczuk
Minha doce amada, já os ipês
revestem-se de roxo e de amarelo,
em quadro assaz exótico, mas belo:
a primavera começa em um mês.
Tamanho esplendor e suavidade,
tanta cor e tanta luz no caminho,
camuflam, sorrateiros, tanto espinho,
da dor da sua ausência e da saudade.
Volta, querida, minha alma a espera,
com ânsia incontida, toda enfeitada.
com lírios, com jasmins, hortênsias, rosas
nas paredes vetustas e angulosas.
Restaura-me a fé, nesta primavera,
ó minha doce, dulcíssima amada!
(Soneto composto em Campinas, em 5 de fevereiro de 2010).
Pedro J. Bondaczuk
Minha doce amada, já os ipês
revestem-se de roxo e de amarelo,
em quadro assaz exótico, mas belo:
a primavera começa em um mês.
Tamanho esplendor e suavidade,
tanta cor e tanta luz no caminho,
camuflam, sorrateiros, tanto espinho,
da dor da sua ausência e da saudade.
Volta, querida, minha alma a espera,
com ânsia incontida, toda enfeitada.
com lírios, com jasmins, hortênsias, rosas
nas paredes vetustas e angulosas.
Restaura-me a fé, nesta primavera,
ó minha doce, dulcíssima amada!
(Soneto composto em Campinas, em 5 de fevereiro de 2010).
Friday, February 26, 2010
A consciência é o conhecimento objetivo de tudo o que nos cerca e das informações que recebemos de várias fontes, internas ou externas. Ou seja, é o "saber que sabemos que sabemos". Parece estranho dizer dessa forma, mas é isso mesmo. Há sensações, reflexões, emoções que integram o nosso patrimônio cultural, mas que ficam escondidas em um dos substratos da nossa mente, no chamado subconsciente. Subitamente, por alguma razão que desconhecemos, emerge, aflora, brota ao consciente, em geral nos momentos de maior necessidade. Por isso é que se diz, e com razão, que o homem ignora seu verdadeiro potencial. Outros conhecimentos – estes mais impressões dos cinco sentidos – também fazem parte do nosso acervo mental, embora permaneçam encerrados num patamar abaixo ainda do da subconsciência. Trata-se do inconsciente. Em outras palavras, é "não saber que sabemos".
Síntese e sugestão
Pedro J. Bondaczuk
Há escritores que têm o raro talento de, em pouquíssimas palavras, elaborar textos criativos, inteligentes e completos, posto que curtos. São exímios “sugestionadores” e conseguem transformar os leitores, se não em parceiros de criação, pelo menos em cúmplices das teses que expõem.
Fique claro, porém, que não há nada de errado com quem escreve textos extensos, livros com vários volumes, às vezes com 5 mil páginas ou mais. Claro, desde que o assunto abordado assim o exija e que não haja palavras supérfluas, não seja repetitivo e que, sobretudo, exista sólido e extenso conteúdo no que escreveu. Ou seja, que não se trate de mera “enrolação”. Como leitor compulsivo, prefiro este tipo de escrita, que “vale o quanto pesa”.
Todavia, quem conta com capacidade de síntese, diz mais coisas, em menor espaço. Pode nem ser tão didático (e não é) quanto quem escreve textos bastante longos, mas leva a vantagem da variedade e do talento de sugestionar o leitor. Ou seja, seus livros nunca são “samba de uma nota só” e não comportam uma única interpretação, mas tantas quantas forem seus leitores. Tratam, por exemplo, de dezenas de assuntos, num único volume, ao passo que, quem não conta com essa capacidade de síntese, precisaria de uma dezena ou mais deles para dizer as mesmas coisas.
Já tive a oportunidade de editar contos curtíssimos, de escassos dois parágrafos, e que ainda assim foram completos, com começo, meio e fim. Ou seja, coerentes, instigantes e verossímeis. Quem achar que é fácil escrever desta maneira que o tente, para ver que as coisas não são o que parecem. É difícil! Dificílimo! Para a maioria dos escritores, é até impossível.
Claro que o valor de qualquer obra literária não está em sua extensão. Há muito texto capenga, sem rumo, direção ou sentido, composto de poucas palavras. São tão ruins, que nem dá para considerá-los “Literatura”. Como também há produções extensíssimas, que requerem tempo imenso para serem lidas, sumamente atrativas.
Há livros “massudos” que o leitor até reluta em tirar da estante e muito menos em abrir. Mas... quando começa a leitura, não quer mais parar, tamanha é a capacidade do autor de torná-lo “cúmplice”. O que conta, de fato, em Literatura, portanto, é sempre o conteúdo (está implícito que a forma seja rigorosamente correta, clara e lúcida). Todavia, que a capacidade de síntese, de um escritor talentoso e criativo, é uma arma a mais para seu sucesso, disso não resta a menor dúvida.
A Literatura é muito mais sugestão do que descrição. Quanto maior for a perícia de um escritor em despertar (e mexer com) a imaginação dos seus leitores, maior será seu potencial de prender sua atenção e torná-lo cúmplice da sua criação. Jorge Luís Borges afirmou, anos atrás, que nós, literatos, não criamos os contos e romances que nos são atribuídos. Limitamo-nos a “sugerir” as histórias, que são, na verdade, completadas ao gosto de cada um pelos que as lêem.
Sobre a poesia, nem é necessário ressaltar o quanto tem de sugestão. É um tipo de texto feito a caráter para a emoção e a imaginação, muito mais do que ao mero raciocínio. Abundam metáforas de toda a sorte que nos fazem viajar e adaptar as palavras escritas ao nosso gosto e à nossa realidade pessoal.
Em contos, novelas, romances e peças de teatro, por sua vez, não descrevemos os personagens de sorte a torná-los “reais”, de carne e osso. Para tanto, seria necessária uma fotografia, já que uma única imagem vale por mil palavras. Limitamo-nos a descrever características gerais deles, ou seja, se são gordos ou magros, altos ou baixos, maltrapilhos ou bem-vestidos etc.etc.etc. Cada leitor complementa a imagem que faz do sujeito que pretendíamos descrever à sua maneira. O mesmo vale em relação a cenários.
Por mais que descrevamos determinada casa, por sua vez, quem lê nosso texto interpreta nossa descrição (por mais perfeita e detalhada que seja) de uma forma pessoal, nunca igual à que imaginamos. Limitamo-nos a descrevê-la em linhas gerais, determinando se ela se localiza em uma favela e não passa de um barraco mambembe, se fica em um bairro de classe média e tem relativo conforto, posto que não tenha luxo ou se é alguma mansão, com todos os requintes que o dinheiro pode comprar.
Nunca, por exemplo, um romance, ao ser adaptado para o cinema, tem os “mesmos” personagens e cenários que o escritor criou, embora, não raro, sejam até melhores do que os da sua imaginação. É provável, por exemplo, que a heroína de algum dos meus contos, embora bela mulher, esteja infinitamente distante da beleza de uma Júlia Roberts (como, também, pode ser muitíssimo mais bonita) Ou que o sujeito cuja história estou narrando não tenha a mais remota semelhança com Tom Cruise.
Daí ser altamente desejável ao escritor que desenvolva sua capacidade de sugestão, mediante uma linguagem coloquial e amigável, que faça do “parceiro” da sua obra, o leitor, seu grande e competente cúmplice e não o afugente com cansativas e, em geral inócuas descrições.
Pedro J. Bondaczuk
Há escritores que têm o raro talento de, em pouquíssimas palavras, elaborar textos criativos, inteligentes e completos, posto que curtos. São exímios “sugestionadores” e conseguem transformar os leitores, se não em parceiros de criação, pelo menos em cúmplices das teses que expõem.
Fique claro, porém, que não há nada de errado com quem escreve textos extensos, livros com vários volumes, às vezes com 5 mil páginas ou mais. Claro, desde que o assunto abordado assim o exija e que não haja palavras supérfluas, não seja repetitivo e que, sobretudo, exista sólido e extenso conteúdo no que escreveu. Ou seja, que não se trate de mera “enrolação”. Como leitor compulsivo, prefiro este tipo de escrita, que “vale o quanto pesa”.
Todavia, quem conta com capacidade de síntese, diz mais coisas, em menor espaço. Pode nem ser tão didático (e não é) quanto quem escreve textos bastante longos, mas leva a vantagem da variedade e do talento de sugestionar o leitor. Ou seja, seus livros nunca são “samba de uma nota só” e não comportam uma única interpretação, mas tantas quantas forem seus leitores. Tratam, por exemplo, de dezenas de assuntos, num único volume, ao passo que, quem não conta com essa capacidade de síntese, precisaria de uma dezena ou mais deles para dizer as mesmas coisas.
Já tive a oportunidade de editar contos curtíssimos, de escassos dois parágrafos, e que ainda assim foram completos, com começo, meio e fim. Ou seja, coerentes, instigantes e verossímeis. Quem achar que é fácil escrever desta maneira que o tente, para ver que as coisas não são o que parecem. É difícil! Dificílimo! Para a maioria dos escritores, é até impossível.
Claro que o valor de qualquer obra literária não está em sua extensão. Há muito texto capenga, sem rumo, direção ou sentido, composto de poucas palavras. São tão ruins, que nem dá para considerá-los “Literatura”. Como também há produções extensíssimas, que requerem tempo imenso para serem lidas, sumamente atrativas.
Há livros “massudos” que o leitor até reluta em tirar da estante e muito menos em abrir. Mas... quando começa a leitura, não quer mais parar, tamanha é a capacidade do autor de torná-lo “cúmplice”. O que conta, de fato, em Literatura, portanto, é sempre o conteúdo (está implícito que a forma seja rigorosamente correta, clara e lúcida). Todavia, que a capacidade de síntese, de um escritor talentoso e criativo, é uma arma a mais para seu sucesso, disso não resta a menor dúvida.
A Literatura é muito mais sugestão do que descrição. Quanto maior for a perícia de um escritor em despertar (e mexer com) a imaginação dos seus leitores, maior será seu potencial de prender sua atenção e torná-lo cúmplice da sua criação. Jorge Luís Borges afirmou, anos atrás, que nós, literatos, não criamos os contos e romances que nos são atribuídos. Limitamo-nos a “sugerir” as histórias, que são, na verdade, completadas ao gosto de cada um pelos que as lêem.
Sobre a poesia, nem é necessário ressaltar o quanto tem de sugestão. É um tipo de texto feito a caráter para a emoção e a imaginação, muito mais do que ao mero raciocínio. Abundam metáforas de toda a sorte que nos fazem viajar e adaptar as palavras escritas ao nosso gosto e à nossa realidade pessoal.
Em contos, novelas, romances e peças de teatro, por sua vez, não descrevemos os personagens de sorte a torná-los “reais”, de carne e osso. Para tanto, seria necessária uma fotografia, já que uma única imagem vale por mil palavras. Limitamo-nos a descrever características gerais deles, ou seja, se são gordos ou magros, altos ou baixos, maltrapilhos ou bem-vestidos etc.etc.etc. Cada leitor complementa a imagem que faz do sujeito que pretendíamos descrever à sua maneira. O mesmo vale em relação a cenários.
Por mais que descrevamos determinada casa, por sua vez, quem lê nosso texto interpreta nossa descrição (por mais perfeita e detalhada que seja) de uma forma pessoal, nunca igual à que imaginamos. Limitamo-nos a descrevê-la em linhas gerais, determinando se ela se localiza em uma favela e não passa de um barraco mambembe, se fica em um bairro de classe média e tem relativo conforto, posto que não tenha luxo ou se é alguma mansão, com todos os requintes que o dinheiro pode comprar.
Nunca, por exemplo, um romance, ao ser adaptado para o cinema, tem os “mesmos” personagens e cenários que o escritor criou, embora, não raro, sejam até melhores do que os da sua imaginação. É provável, por exemplo, que a heroína de algum dos meus contos, embora bela mulher, esteja infinitamente distante da beleza de uma Júlia Roberts (como, também, pode ser muitíssimo mais bonita) Ou que o sujeito cuja história estou narrando não tenha a mais remota semelhança com Tom Cruise.
Daí ser altamente desejável ao escritor que desenvolva sua capacidade de sugestão, mediante uma linguagem coloquial e amigável, que faça do “parceiro” da sua obra, o leitor, seu grande e competente cúmplice e não o afugente com cansativas e, em geral inócuas descrições.
Thursday, February 25, 2010
A tradição esotérica diz que a humanidade já atingiu, dez ou doze vezes ao longo do tempo, o ápice da civilização e retroagiu às cavernas, em conseqüência de catástrofes provocadas pela ganância e insensatez do homem. Está provado cientificamente que as grandes hecatombes aterrorizam de tal forma as pessoas, que ocorre uma espécie de amnésia coletiva entre os que conseguem sobreviver a elas. O instinto de sobrevivência sobrepõe-se a todos os valores éticos. E a parte animal do ser humano prevalece sobre a razão. Mitos? Lendas? Pode ser. Mas o mais provável é que descrições de algumas dessas civilizações, feitas por poetas, escritores ou místicos, (como a da Atlântida, por exemplo), sejam resquícios de memória coletiva adormecidos, que emergem na mente de indivíduos superiormente dotados.
Leitura e absorção
Pedro J. Bondaczuk
Absorvemos muito pouco do conteúdo de um texto se o lermos sem método, mesmo que nos concentremos ao máximo no que estivermos fazendo. Querem uma prova? Façam o teste. Releiam um livro, qualquer um, que vocês tenham lido, digamos, há dez anos, sem fazer anotações à margem e muito menos ficha de leitura. Qual o resultado? Ele lhes parecerá inédito. Apenas um trecho ou outro lhes soará como vagamente familiar. Não precisam acreditar em mim. Façam vocês mesmos a experiência.
Pior será se o conteúdo contiver idéias que divirjam das suas. Aí vocês não absorverão absolutamente nada mesmo. Por isso, não exagerei quando publiquei, recentemente, uma crônica em que defendo a tese de que “leitura é um ato de fé” (que tem, propositalmente, este título). Você tem que acreditar no autor para ler o livro até o fim. E, principalmente, para fazer a leitura de outras obras que ele tenha escrito.
Lemos, basicamente, por três motivos. O primeiro como uma forma de lazer (e para mim não há nenhuma outra que se lhe compare sequer de longe). Para tanto, escolhemos leitura amena, que não nos exija muito raciocínio, como um romance de aventura, por exemplo, ou um conto policial ou alguma novela de amor.
O segundo motivo que nos leva a ler é o desejo de enriquecimento intelectual e, sobretudo, espiritual. É a busca por beleza e transcendência. É o confronto de idéias que nos induz à reflexão e a descobertas tanto do mundo que nos cerca e das multidões que o habitam, quanto de nós mesmos. Aliás, esta última descoberta pode ser compensadora ou traumática, dependendo de como somos de fato.
Pablo Neruda advertiu a propósito: “Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas”. E pode mesmo.
Neste caso, quando a leitura se destina ao enriquecimento intelectual, espiritual e, não raro, moral, quanto mais método tivermos, melhor proveito tiraremos do que viermos a ler. É aqui que entra a questão da “fé” no autor.
E, finalmente, lemos exclusivamente para aprender. Para tanto recorremos aos livros didáticos e paradidáticos. Aqui, se nos limitarmos apenas à leitura, sem um estudo metódico, acurado e atencioso, não aprenderemos coisíssima alguma. Seremos reprovados na escola ou na faculdade e perderemos tempo, dinheiro e, pior, oportunidades de crescimento profissional na vida.
Comportamento pitoresco, referente à leitura, para o qual eu não havia atinado, levantado pelo escritor austríaco Robert Musil, em seu livro “Homem sem qualidades”, é o fato de suprimirmos, automática e subsconscientemente do texto que estivermos lendo o que não nos convém.
Fiz o teste e constatei que esse autor tem razão. Ele afirma, em determinado trecho: “O que você faz quando lê? Vou dar-lhe já a resposta: a sua leitura deixa de lado o que não lhe convém. O mesmo já fez o autor antes. Omitem-se também coisas nos sonhos e na imaginação. Daqui concluo: a beleza ou a excitação aparecem no mundo por omissão”.
Curiosa essa observação, posto que, no meu entender, verdadeira. Espero, pois, não ter escrito, nestas considerações de hoje, nada que não lhe convenha. E que, sobretudo, você deposite “fé” no que escrevo e não fuja nunca dos meus textos, por mais extensos e aparentemente complexos que sejam.
A leitura de determinados livros deve ser feita, como destaquei, sempre com método e organização, para que se aproveite o melhor do seu conteúdo, sua essência, a mensagem que o autor pretendeu passar e que motivou sua redação e publicação. Nem toda obra pode ser lida da mesma forma, com a atenção concentrada apenas no enredo, sem se atentar para nuances e sutilezas.
Por exemplo, não se pode ler um ensaio da mesma forma que se lê um romance. Esse gênero, por si só, já sugere reflexões, idéias, informações que, se bem aproveitadas, tendem a nos ser úteis não apenas em nossa atividade, mas, sobretudo, em nossa vida. O mesmo ocorre com um livro de poesias.
Poemas precisam ser “sentidos”, para serem valorizados, e não podem e nem devem ser lidos às pressas, sob pena de deixarmos escapar o que têm de melhor e, dessa forma, não fazermos justiça ao autor.
Mesmo alguns romances têm conteúdo que vai muito além do mero enredo, da ação, daquilo que o leitor desavisado entende que seja a sua essência. Muitos deles trazem citações fantásticas, que nos podem ser sumamente úteis em vários sentidos.
Ao ler um livro, com as características que destaquei, convém ter à mão uma caneta e um bloco de anotações (de preferência uma agenda destinada a esse fim). Anote, meticulosamente, as coisas interessantes que encontrar. Verá que seu proveito dessa leitura será muito maior do que se você se limitasse a fazê-la de um só “sopro”, sem interrupções.
Alguns costumam grifar o que lhes interessa no próprio livro e fazer anotações à margem. Também vale. Todavia, recomenda-se, como mais adequadas, as anotações em papéis à parte. Afinal, todas as vezes que você copia um texto, mesmo que não se aperceba, o memoriza, se não na totalidade, pelo menos em boa parte dele. Pense nisso.
Pedro J. Bondaczuk
Absorvemos muito pouco do conteúdo de um texto se o lermos sem método, mesmo que nos concentremos ao máximo no que estivermos fazendo. Querem uma prova? Façam o teste. Releiam um livro, qualquer um, que vocês tenham lido, digamos, há dez anos, sem fazer anotações à margem e muito menos ficha de leitura. Qual o resultado? Ele lhes parecerá inédito. Apenas um trecho ou outro lhes soará como vagamente familiar. Não precisam acreditar em mim. Façam vocês mesmos a experiência.
Pior será se o conteúdo contiver idéias que divirjam das suas. Aí vocês não absorverão absolutamente nada mesmo. Por isso, não exagerei quando publiquei, recentemente, uma crônica em que defendo a tese de que “leitura é um ato de fé” (que tem, propositalmente, este título). Você tem que acreditar no autor para ler o livro até o fim. E, principalmente, para fazer a leitura de outras obras que ele tenha escrito.
Lemos, basicamente, por três motivos. O primeiro como uma forma de lazer (e para mim não há nenhuma outra que se lhe compare sequer de longe). Para tanto, escolhemos leitura amena, que não nos exija muito raciocínio, como um romance de aventura, por exemplo, ou um conto policial ou alguma novela de amor.
O segundo motivo que nos leva a ler é o desejo de enriquecimento intelectual e, sobretudo, espiritual. É a busca por beleza e transcendência. É o confronto de idéias que nos induz à reflexão e a descobertas tanto do mundo que nos cerca e das multidões que o habitam, quanto de nós mesmos. Aliás, esta última descoberta pode ser compensadora ou traumática, dependendo de como somos de fato.
Pablo Neruda advertiu a propósito: “Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas”. E pode mesmo.
Neste caso, quando a leitura se destina ao enriquecimento intelectual, espiritual e, não raro, moral, quanto mais método tivermos, melhor proveito tiraremos do que viermos a ler. É aqui que entra a questão da “fé” no autor.
E, finalmente, lemos exclusivamente para aprender. Para tanto recorremos aos livros didáticos e paradidáticos. Aqui, se nos limitarmos apenas à leitura, sem um estudo metódico, acurado e atencioso, não aprenderemos coisíssima alguma. Seremos reprovados na escola ou na faculdade e perderemos tempo, dinheiro e, pior, oportunidades de crescimento profissional na vida.
Comportamento pitoresco, referente à leitura, para o qual eu não havia atinado, levantado pelo escritor austríaco Robert Musil, em seu livro “Homem sem qualidades”, é o fato de suprimirmos, automática e subsconscientemente do texto que estivermos lendo o que não nos convém.
Fiz o teste e constatei que esse autor tem razão. Ele afirma, em determinado trecho: “O que você faz quando lê? Vou dar-lhe já a resposta: a sua leitura deixa de lado o que não lhe convém. O mesmo já fez o autor antes. Omitem-se também coisas nos sonhos e na imaginação. Daqui concluo: a beleza ou a excitação aparecem no mundo por omissão”.
Curiosa essa observação, posto que, no meu entender, verdadeira. Espero, pois, não ter escrito, nestas considerações de hoje, nada que não lhe convenha. E que, sobretudo, você deposite “fé” no que escrevo e não fuja nunca dos meus textos, por mais extensos e aparentemente complexos que sejam.
A leitura de determinados livros deve ser feita, como destaquei, sempre com método e organização, para que se aproveite o melhor do seu conteúdo, sua essência, a mensagem que o autor pretendeu passar e que motivou sua redação e publicação. Nem toda obra pode ser lida da mesma forma, com a atenção concentrada apenas no enredo, sem se atentar para nuances e sutilezas.
Por exemplo, não se pode ler um ensaio da mesma forma que se lê um romance. Esse gênero, por si só, já sugere reflexões, idéias, informações que, se bem aproveitadas, tendem a nos ser úteis não apenas em nossa atividade, mas, sobretudo, em nossa vida. O mesmo ocorre com um livro de poesias.
Poemas precisam ser “sentidos”, para serem valorizados, e não podem e nem devem ser lidos às pressas, sob pena de deixarmos escapar o que têm de melhor e, dessa forma, não fazermos justiça ao autor.
Mesmo alguns romances têm conteúdo que vai muito além do mero enredo, da ação, daquilo que o leitor desavisado entende que seja a sua essência. Muitos deles trazem citações fantásticas, que nos podem ser sumamente úteis em vários sentidos.
Ao ler um livro, com as características que destaquei, convém ter à mão uma caneta e um bloco de anotações (de preferência uma agenda destinada a esse fim). Anote, meticulosamente, as coisas interessantes que encontrar. Verá que seu proveito dessa leitura será muito maior do que se você se limitasse a fazê-la de um só “sopro”, sem interrupções.
Alguns costumam grifar o que lhes interessa no próprio livro e fazer anotações à margem. Também vale. Todavia, recomenda-se, como mais adequadas, as anotações em papéis à parte. Afinal, todas as vezes que você copia um texto, mesmo que não se aperceba, o memoriza, se não na totalidade, pelo menos em boa parte dele. Pense nisso.
Wednesday, February 24, 2010
O juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Oliver Wendel Holmes, escreveu que "ser um jovem de setenta anos é às vezes bastante mais animador e auspicioso do que ter quarenta anos de idade". Se a pessoa se aceita como é, se tem a convicção de ter feito o melhor possível pela comunidade e pelo próximo, isso de fato acontece. Até porque, como observou o filósofo Ralph Waldo Emerson, "só contamos a idade de um homem quando ele não tem mais nada para contar". O indivíduo feliz é aquele que encontra razões para viver até o seu último sopro de vida. Ou pelo menos, esta é uma das faces desse diamante multifacetado chamado de "felicidade".
Jornalismo Literário
Pedro J. Bondaczuk
O que é mais impressionante, inverossímil, absurdo e chocante, a realidade ou a ficção? Diria, sem precisar pensar muito, apenas com base nos livros que já li, que a primeira. A vida real nos traz, amiúde, fatos e personagens tão insólitos, tão estranhos, tão esquisitos e insanos que chegamos a duvidar que tenham ocorrido (no primeiro caso), ou existido (no segundo).
A realidade é, pois, vastíssimo campo não apenas para o escritor, mas para o jornalista de talento que goste e saiba fazer literatura. Se souber explorá-la bem, com competência, paixão e método, poderá produzir obras marcantes, que se tornem, quem sabe, “imortais”. Aliás, muitos e muitos intelectuais brilhantes migraram e migram das redações para o estrelato no mundo das letras.
De uns tempos para cá vem se acentuando, mais e mais, uma tendência, que os norte-americanos denominam de “New Journalism”, que é um hibridismo entre Jornalismo e Literatura. Entre nós, isso ganhou uma infinidade de rótulos, todos, no entanto, com o mesmo significado. Uns chamam essa vertente de Literatura não-ficcional, de Não-ficção criativa, de Literatura de Realidade, enquanto outros denominam de Jornalismo em profundidade, Jornalismo diversional, Reportagem-ensaio, Jornalismo de Autor ou, simplesmente (como é mais conhecido) de Jornalismo Literário.
Há quem atribua o nascimento desse fenômeno ao norte-americano Truman Capote, com seu “A sangue frio”, sem deixar de dar a devida importância a nomes como Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer e Joseph Mitchel. Trata-se, não tenham dúvidas, de uma atribuição errada. O Jornalismo Literário já era praticado na Europa em meados do século XIX. E também no Brasil, no mesmo período. Não é, portanto, nenhuma novidade e muito menos invenção de norte-americanos.
O que é, por exemplo, o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha se não meticulosa reportagem, muitíssimo bem-escrita, encomendada na época da Guerra de Canudos pelo jornal “O Estado de São Paulo” (que na ocasião, se não me falha a memória, ainda se chamava “A Província de São Paulo”)?
O Brasil, aliás, não fica atrás de ninguém nesse tipo de “Literatura-Jornalística”, ou Jornalismo Literário, como queiram. João do Rio, por exemplo, foi outro que se destacou nessa vertente, embora seus textos não sejam (erroneamente) classificados como tal. Não citarei outros nomes para não maçar vocês, pacientes leitores. Mas que eles existem (e são muitos), não tenham dúvidas.
Nos anos 60, a revista “Realidade”, e o “Jornal da Tarde”, de São Paulo, impuseram, em suas redações, reportagens que iam muito além das técnicas jornalísticas convencionais de então (e de agora, diga-se de passagem). Embora sem deixar de ser jornalismo da melhor cepa, as matérias que publicavam eram, igualmente, a mais lídima das literaturas, posto que baseadas na realidade.
Não gosto de citar nomes, pois sempre que faço isso, cometo grandes injustiças, ao omitir quem não poderia e nem deveria ser omitido. Como não estou redigindo nenhum ensaio histórico, porém, apenas fazendo considerações à margem, cito, desta época de projeção do verdadeiro Jornalismo Literário no Brasil, os nomes de dois repórteres exemplares: José de Alencar e Otávio Ribeiro (este último conhecido como “Pena Branca”, por causa de uma mecha de cabelos branquinhos que tinha bem no meio da sua vasta cabeleira negra).
E por que abro essas exceções? Porque tive o privilégio e a honra de trabalhar com ambos, tidos e havidos, com a máxima justiça, como os dois se não melhores, entre os melhores repórteres policiais do Brasil em todos os tempos. Ambos eram “feras” e, com todo o respeito que tenho pelos meus companheiros de profissão, não vejo ninguém, hoje em dia, que nem de longe se lhes compare.
José de Alencar foi meu chefe no “Diário do Povo” de Campinas, em sua histórica passagem por esse quase centenário jornal. Otávio Ribeiro eu conheci quando veio lançar seu livro-reportagem “Barra Pesada”, aqui, em nossa cidade, e me tornei de imediato seu fã incondicional, uma espécie de “macaca de auditório”. Colaborou, mesmo que à distância, com várias das minhas edições.
Para não ser completamente injusto, por omissão, com aquela brilhante equipe da Realidade, notadamente de 1966, destaco o nome de José Hamilton Ribeiro. Faço-o não somente por “bairrismo” (ele também atuou no jornalismo de Campinas, como diretor de redação do “Jornal de Hoje”, que em 1982 se fundiu com o Diário do Povo e foi absorvido por este), mas, sobretudo, pelo magnífico Jornalismo Literário que praticou. Este assunto, como se vê, renderia páginas e mais páginas e não somente esta ínfima e supérflua crônica, que não tem a mínima pretensão de se tornar resenha histórica.
Pedro J. Bondaczuk
O que é mais impressionante, inverossímil, absurdo e chocante, a realidade ou a ficção? Diria, sem precisar pensar muito, apenas com base nos livros que já li, que a primeira. A vida real nos traz, amiúde, fatos e personagens tão insólitos, tão estranhos, tão esquisitos e insanos que chegamos a duvidar que tenham ocorrido (no primeiro caso), ou existido (no segundo).
A realidade é, pois, vastíssimo campo não apenas para o escritor, mas para o jornalista de talento que goste e saiba fazer literatura. Se souber explorá-la bem, com competência, paixão e método, poderá produzir obras marcantes, que se tornem, quem sabe, “imortais”. Aliás, muitos e muitos intelectuais brilhantes migraram e migram das redações para o estrelato no mundo das letras.
De uns tempos para cá vem se acentuando, mais e mais, uma tendência, que os norte-americanos denominam de “New Journalism”, que é um hibridismo entre Jornalismo e Literatura. Entre nós, isso ganhou uma infinidade de rótulos, todos, no entanto, com o mesmo significado. Uns chamam essa vertente de Literatura não-ficcional, de Não-ficção criativa, de Literatura de Realidade, enquanto outros denominam de Jornalismo em profundidade, Jornalismo diversional, Reportagem-ensaio, Jornalismo de Autor ou, simplesmente (como é mais conhecido) de Jornalismo Literário.
Há quem atribua o nascimento desse fenômeno ao norte-americano Truman Capote, com seu “A sangue frio”, sem deixar de dar a devida importância a nomes como Tom Wolfe, Gay Talese, Norman Mailer e Joseph Mitchel. Trata-se, não tenham dúvidas, de uma atribuição errada. O Jornalismo Literário já era praticado na Europa em meados do século XIX. E também no Brasil, no mesmo período. Não é, portanto, nenhuma novidade e muito menos invenção de norte-americanos.
O que é, por exemplo, o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha se não meticulosa reportagem, muitíssimo bem-escrita, encomendada na época da Guerra de Canudos pelo jornal “O Estado de São Paulo” (que na ocasião, se não me falha a memória, ainda se chamava “A Província de São Paulo”)?
O Brasil, aliás, não fica atrás de ninguém nesse tipo de “Literatura-Jornalística”, ou Jornalismo Literário, como queiram. João do Rio, por exemplo, foi outro que se destacou nessa vertente, embora seus textos não sejam (erroneamente) classificados como tal. Não citarei outros nomes para não maçar vocês, pacientes leitores. Mas que eles existem (e são muitos), não tenham dúvidas.
Nos anos 60, a revista “Realidade”, e o “Jornal da Tarde”, de São Paulo, impuseram, em suas redações, reportagens que iam muito além das técnicas jornalísticas convencionais de então (e de agora, diga-se de passagem). Embora sem deixar de ser jornalismo da melhor cepa, as matérias que publicavam eram, igualmente, a mais lídima das literaturas, posto que baseadas na realidade.
Não gosto de citar nomes, pois sempre que faço isso, cometo grandes injustiças, ao omitir quem não poderia e nem deveria ser omitido. Como não estou redigindo nenhum ensaio histórico, porém, apenas fazendo considerações à margem, cito, desta época de projeção do verdadeiro Jornalismo Literário no Brasil, os nomes de dois repórteres exemplares: José de Alencar e Otávio Ribeiro (este último conhecido como “Pena Branca”, por causa de uma mecha de cabelos branquinhos que tinha bem no meio da sua vasta cabeleira negra).
E por que abro essas exceções? Porque tive o privilégio e a honra de trabalhar com ambos, tidos e havidos, com a máxima justiça, como os dois se não melhores, entre os melhores repórteres policiais do Brasil em todos os tempos. Ambos eram “feras” e, com todo o respeito que tenho pelos meus companheiros de profissão, não vejo ninguém, hoje em dia, que nem de longe se lhes compare.
José de Alencar foi meu chefe no “Diário do Povo” de Campinas, em sua histórica passagem por esse quase centenário jornal. Otávio Ribeiro eu conheci quando veio lançar seu livro-reportagem “Barra Pesada”, aqui, em nossa cidade, e me tornei de imediato seu fã incondicional, uma espécie de “macaca de auditório”. Colaborou, mesmo que à distância, com várias das minhas edições.
Para não ser completamente injusto, por omissão, com aquela brilhante equipe da Realidade, notadamente de 1966, destaco o nome de José Hamilton Ribeiro. Faço-o não somente por “bairrismo” (ele também atuou no jornalismo de Campinas, como diretor de redação do “Jornal de Hoje”, que em 1982 se fundiu com o Diário do Povo e foi absorvido por este), mas, sobretudo, pelo magnífico Jornalismo Literário que praticou. Este assunto, como se vê, renderia páginas e mais páginas e não somente esta ínfima e supérflua crônica, que não tem a mínima pretensão de se tornar resenha histórica.
Tuesday, February 23, 2010
As pessoas supostamente objetivas (aquelas que, a exemplo do poeta Affonso Romano de Sant’Ana, classifico de “idiotas da objetividade”), que reduzem tudo e todos a meros cifrões, costumam ridicularizar os sonhadores. Entendem que os sonhos sejam o oposto da racionalidade, características de pessoas sem ação. Enganam-se! É certo que a razão é o distintivo do homem, o fator que o diferencia dos demais animais. Baseia-se, sempre, na fria lógica, nos fatos concretos e nas conseqüências que estes produzem. Mas razão e sonho não são, nunca foram e jamais serão incompatíveis. São, na verdade, complementos do que chamamos de “inteligência”, ou seja, da nossa capacidade de entender o que somos, onde estamos e de tudo o que nos rodeia. Podemos, pois, ser sumamente práticos, sem abrirmos mão da prerrogativa de sonhar. Miguel de Unamuno observa, com a lucidez dos poetas: “O homem vive de razão e sobrevive de sonhos”.
Literatura mal-remunerada
Pedro J. Bondaczuk
.
A Literatura, embora uma das mais complexas, se não a mais complexa das artes, salvo exceções, é a que pior remunera seus artistas. Ninguém adquire em leilão, por exemplo, por dezenas de milhões de dólares, um livro, mesmo que se trate de raridade das raridades, como ocorreu, por exemplo, com o quadro “Os girassóis”, de Vincent Van Gogh, há alguns anos.
É verdade que a valorização da obra desse pintor se deu muitíssimo depois de sua morte, ocorrida em um hospício. Em vida, vendeu apenas duas de suas telas, e ambas para o seu irmão Theo.
Viveu e morreu miseravelmente, como a imensa maioria dos artistas. Mas, pelo menos, as pinturas que legou à posteridade adquiriram valor. Tamanho, que se constituem, atualmente, nos mais rentáveis investimentos financeiros que existem. Estão em mãos não de entendidos ou apreciadores de artes, mas de grandes investidores, que não entendem lhufas de pintura. Com livros, porém... Nunca aconteceu nada sequer parecido.
São raros, no mundo todo, os fenômenos editoriais, os campeoníssimos de venda. No Brasil, por exemplo, são poucos os escritores – tão poucos que dá para serem contados nos dedos e, se bobear, de uma só mão – que conseguem viver só de literatura. Vêm-me à memória, de chofre, sem precisar fazer pesquisa, apenas os nomes de Paulo Coelho e Jorge Amado. No mais... O escritor tem que ter algum emprego, alguma outra atividade, se pretender sobreviver com decência.
Muitos vão parar nas redações de jornais (ou emergem delas para a Literatura). Outros... Machado de Assis foi servidor público, assim como João Cruz e Souza e Carlos Drummond de Andrade. Guimarães Rosa foi médico e Vinícius de Moraes diplomata. E vai por aí afora. Quem quiser, portanto, viver exclusivamente de literatura – salvo exceções, claro – e não somente no Brasil, não conseguirá pagar suas contas e terá vida miserabilíssima.
Honoré Balzac, por exemplo, vivia atolado em dívidas, perseguido por credores. Por isso, escrevia tanto. Precisava fazer dinheiro a todo o custo e, em diversas ocasiões, teve os móveis de casa penhorados para o pagamento de dívidas. O mesmo ocorria com Fedor Dostoievski, jogador inveterado, que perdia, numa única noite, nos cassinos de Montecarlo, o fruto do trabalho de anos. E que trabalho! Que talento! Que genialidade!
Conta-se que Camilo Castelo Branco escreveu dois romances inteiros em apenas 48 horas, pela necessidade, urgentíssima, de fazer dinheiro e saldar dívidas com os credores, que o assediavam a todo o momento.
A menos que você seja o gênio dos gênios, caríssimo aspirante a escritor, e tenha a sorte fenomenal de cair, simultaneamente, no gosto dos editores, críticos, imprensa e, principalmente do público, e de se tornar, dessa forma, best-seller, ganhador dos prêmios Pulitzer, Cervantes, Camões, Book Prize, Goncourt e, principalmente do Nobel, trate de começar já a fazer o seu pé de meia, para não se ver em sérias encrencas mais adiante.
A Literatura poderá trazer-lhe muitas satisfações pessoais (ou não). Poderá incensar a sua vaidade, inflar seu ego e catapultar sua autoestima. Mas se estiver contando que ficará rico, apenas em decorrência do seu talento.... Hummmm!!! Esqueça!
Desde que você não fique vaidoso em excesso (e tudo o que é demais não termina bem), é lícito que se delicie com elogios que entenda sinceros e se satisfaça com palavras de louvor, principalmente quando estas vierem de pessoas que você não conheça e que, por isso, não o estejam elogiando à espera de alguma vantagem. Se estiverem, contudo, bote esses hipócritas para correr. Não se tratará de elogio, mas de lisonja.
O escritor austríaco Karl Kraus afirmou, certa feita (e concordo com ele): “Os artistas têm o direito de serem modestos e o dever de serem vaidosos”. Se não forem, estarão negando, em público, o próprio valor. Se você quiser o reconhecimento alheio pelos seus méritos, seja o primeiro a reconhecê-los. Se os tiver, logicamente, e se estiver convicto de sua existência.
Pedro J. Bondaczuk
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A Literatura, embora uma das mais complexas, se não a mais complexa das artes, salvo exceções, é a que pior remunera seus artistas. Ninguém adquire em leilão, por exemplo, por dezenas de milhões de dólares, um livro, mesmo que se trate de raridade das raridades, como ocorreu, por exemplo, com o quadro “Os girassóis”, de Vincent Van Gogh, há alguns anos.
É verdade que a valorização da obra desse pintor se deu muitíssimo depois de sua morte, ocorrida em um hospício. Em vida, vendeu apenas duas de suas telas, e ambas para o seu irmão Theo.
Viveu e morreu miseravelmente, como a imensa maioria dos artistas. Mas, pelo menos, as pinturas que legou à posteridade adquiriram valor. Tamanho, que se constituem, atualmente, nos mais rentáveis investimentos financeiros que existem. Estão em mãos não de entendidos ou apreciadores de artes, mas de grandes investidores, que não entendem lhufas de pintura. Com livros, porém... Nunca aconteceu nada sequer parecido.
São raros, no mundo todo, os fenômenos editoriais, os campeoníssimos de venda. No Brasil, por exemplo, são poucos os escritores – tão poucos que dá para serem contados nos dedos e, se bobear, de uma só mão – que conseguem viver só de literatura. Vêm-me à memória, de chofre, sem precisar fazer pesquisa, apenas os nomes de Paulo Coelho e Jorge Amado. No mais... O escritor tem que ter algum emprego, alguma outra atividade, se pretender sobreviver com decência.
Muitos vão parar nas redações de jornais (ou emergem delas para a Literatura). Outros... Machado de Assis foi servidor público, assim como João Cruz e Souza e Carlos Drummond de Andrade. Guimarães Rosa foi médico e Vinícius de Moraes diplomata. E vai por aí afora. Quem quiser, portanto, viver exclusivamente de literatura – salvo exceções, claro – e não somente no Brasil, não conseguirá pagar suas contas e terá vida miserabilíssima.
Honoré Balzac, por exemplo, vivia atolado em dívidas, perseguido por credores. Por isso, escrevia tanto. Precisava fazer dinheiro a todo o custo e, em diversas ocasiões, teve os móveis de casa penhorados para o pagamento de dívidas. O mesmo ocorria com Fedor Dostoievski, jogador inveterado, que perdia, numa única noite, nos cassinos de Montecarlo, o fruto do trabalho de anos. E que trabalho! Que talento! Que genialidade!
Conta-se que Camilo Castelo Branco escreveu dois romances inteiros em apenas 48 horas, pela necessidade, urgentíssima, de fazer dinheiro e saldar dívidas com os credores, que o assediavam a todo o momento.
A menos que você seja o gênio dos gênios, caríssimo aspirante a escritor, e tenha a sorte fenomenal de cair, simultaneamente, no gosto dos editores, críticos, imprensa e, principalmente do público, e de se tornar, dessa forma, best-seller, ganhador dos prêmios Pulitzer, Cervantes, Camões, Book Prize, Goncourt e, principalmente do Nobel, trate de começar já a fazer o seu pé de meia, para não se ver em sérias encrencas mais adiante.
A Literatura poderá trazer-lhe muitas satisfações pessoais (ou não). Poderá incensar a sua vaidade, inflar seu ego e catapultar sua autoestima. Mas se estiver contando que ficará rico, apenas em decorrência do seu talento.... Hummmm!!! Esqueça!
Desde que você não fique vaidoso em excesso (e tudo o que é demais não termina bem), é lícito que se delicie com elogios que entenda sinceros e se satisfaça com palavras de louvor, principalmente quando estas vierem de pessoas que você não conheça e que, por isso, não o estejam elogiando à espera de alguma vantagem. Se estiverem, contudo, bote esses hipócritas para correr. Não se tratará de elogio, mas de lisonja.
O escritor austríaco Karl Kraus afirmou, certa feita (e concordo com ele): “Os artistas têm o direito de serem modestos e o dever de serem vaidosos”. Se não forem, estarão negando, em público, o próprio valor. Se você quiser o reconhecimento alheio pelos seus méritos, seja o primeiro a reconhecê-los. Se os tiver, logicamente, e se estiver convicto de sua existência.
Monday, February 22, 2010
Estaria o homem perto de descobrir o segredo da vida? Conseguiria a condição simultânea de criatura e de criador? Teria capacidade mental e, sobretudo, moral de produzir novos seres, por meios diferentes dos naturais? A resposta óbvia para essas questões é "não!" Não que não tenha tentado. Inúmeras experiências já foram feitas, na tentativa de produzir, artificialmente, um único ser vivo em laboratório, mesmo que o mais primitivo, unicelular. Todas acabaram frustradas. Só vida é capaz de gerar nova vida. E apenas mediante os meios que a natureza provê. Foram simuladas todas as condições supostamente existentes na Terra que resultaram no surgimento da vida, como a chamada "sopa de aminoácidos". Em vão! Certamente o Planeta não era exatamente da forma como os cientistas pensavam. Falta-lhes algum ingrediente desconhecido, que ninguém ainda conseguiu (e jamais conseguirá) descobrir para a “fabricação” de vida. E para quê?
Inéditos, porém escritores
Pedro J. Bondaczuk
Quantos livros alguém tem que publicar para poder ser chamado de escritor? “Pelo menos um”, opinam alguns. “Muitos”, garantem outros. “Nenhum”, concluem vários interlocutores. O que caracteriza um escritor, óbvio, é o fato de “escrever”. É condição “sine qua non” para alguém se enquadrar nessa categoria.
Claro que se não publicar o que escreveu, não terá nenhuma visibilidade. Os textos que produzir não irão chegar às mãos do destinatário natural e final, o leitor. Pouquíssima gente saberá da sua aptidão: um ou outro parente, algum amigo mais chegado e talvez (quem sabe) algum colega de trabalho. Nem por isso, porém, essa pessoa deixará de ser escritora.
Gabriela Mistral, notável, porém humilde professorinha do interior do Chile, nunca pensou em publicar um só livro que fosse. Escrevia com o objetivo exclusivo de transmitir lições aos seus alunos. Tinha no magistério a maior (e talvez única) paixão da sua vida.
Seu talento, porém, era tão imenso, que os amigos consideravam seu ineditismo um absurdo desperdício, até uma heresia. Reuniram dezenas de poemas dela – publicados, a maioria, em pequenos jornais do interior do Chile – e compuseram um volume, cuja publicação bancaram do próprio bolso. Resultado? Esse único e solitário livro, fruto do reconhecimento e do carinho dos admiradores, valeu a Gabriela Mistral (pasmem!) um Prêmio Nobel de Literatura!
Inúmeros outros escritores, mundo afora, não têm o mesmo tratamento. Escrevem, escrevem e escrevem, publicam textos e mais textos em jornais – às vezes nos de grande circulação, mas na maioria dos casos em obscuros jornaizinhos de bairro ou em boletins de escolas, empresas, sindicatos ou paróquias – e suas carreiras nunca decolam.
Todos perdem com isso. O escritor, por não ter o talento não somente reconhecido, como sequer revelado. As editoras, que poderiam faturar um bom dinheiro com obras de qualidade superior. A população, que se vê privada de pérolas de pensamento e criatividade. E, principalmente, o leitor, que deixa de se ilustrar melhor.
Há centenas, quiçá milhares de Prêmios Nobel de Literatura em potencial desperdiçados por aí. E essa gente talentosa não deixa de ser escritora, embora permaneça rigorosamente inédita. Há casos e mais casos de escritores que publicam um único e solitário livro e ficam, a exemplo de Gabriela Mistral, para sempre registrados na História da Literatura.
É o caso, a rigor, do mexicano Juan Rulfo, por exemplo. Sempre que se menciona seu nome, logo vem à mente “Pedro Páramo/O Planalto em Chamas” (que são, na verdade, dois livros, reunidos num só volume). Escreveu outras coisas, mas ninguém sequer tomou conhecimento. Nunca mais alcançou a magia da sua única obra conhecida.
Fernando Pessoa publicou, em vida, com o seu próprio nome, só um livro. Hoje, porém, há uma infinidade deles, póstumos, de autoria do magistral poeta português, e outros tantos, certamente, virão, já que os pesquisadores sequer chegaram à metade do quase inesgotável e célebre “baú” repleto de textos inéditos que ele deixou ao morrer.
Há, é verdade, escritores sumamente prolíficos. A obra do jurista Pontes de Miranda, por exemplo, ascende a mais de 150 publicações. E não são, apenas, livros jurídicos, como muitos podem pensar. Legou-nos lúcidos e bem compostos ensaios, repletos de sabedoria e luz, que recomendo a todos que possam ter acesso a eles. Emile Zola foi outro que teve bibliografia das mais copiosas, assim como Honoré Balzac, Camilo Castelo Branco e tantos e tantos outros.
Nem por isso, no entanto, os que publicaram muito foram mais escritores do que os que lançaram um único livro, ou até mesmo nenhum. Vez por outra, topamos, em meio a embolorados, poeirentos e amarelecidos papéis pessoais de determinadas pessoas, descartados como lixo por herdeiros, com originais extraordinários e ficamos pasmos com o que a falta de oportunidades pode ocasionar.
O sucesso, portanto, e não raro a mera visibilidade do escritor dependem (talvez mais do que os que se dedicam a outras tantas atividades) de um aspecto que o filósofo espanhol, José Ortega t Gassett tratou com tanta propriedade em sua obra( e sobre o qual escrevi inúmeros textos): das circunstâncias.
Pedro J. Bondaczuk
Quantos livros alguém tem que publicar para poder ser chamado de escritor? “Pelo menos um”, opinam alguns. “Muitos”, garantem outros. “Nenhum”, concluem vários interlocutores. O que caracteriza um escritor, óbvio, é o fato de “escrever”. É condição “sine qua non” para alguém se enquadrar nessa categoria.
Claro que se não publicar o que escreveu, não terá nenhuma visibilidade. Os textos que produzir não irão chegar às mãos do destinatário natural e final, o leitor. Pouquíssima gente saberá da sua aptidão: um ou outro parente, algum amigo mais chegado e talvez (quem sabe) algum colega de trabalho. Nem por isso, porém, essa pessoa deixará de ser escritora.
Gabriela Mistral, notável, porém humilde professorinha do interior do Chile, nunca pensou em publicar um só livro que fosse. Escrevia com o objetivo exclusivo de transmitir lições aos seus alunos. Tinha no magistério a maior (e talvez única) paixão da sua vida.
Seu talento, porém, era tão imenso, que os amigos consideravam seu ineditismo um absurdo desperdício, até uma heresia. Reuniram dezenas de poemas dela – publicados, a maioria, em pequenos jornais do interior do Chile – e compuseram um volume, cuja publicação bancaram do próprio bolso. Resultado? Esse único e solitário livro, fruto do reconhecimento e do carinho dos admiradores, valeu a Gabriela Mistral (pasmem!) um Prêmio Nobel de Literatura!
Inúmeros outros escritores, mundo afora, não têm o mesmo tratamento. Escrevem, escrevem e escrevem, publicam textos e mais textos em jornais – às vezes nos de grande circulação, mas na maioria dos casos em obscuros jornaizinhos de bairro ou em boletins de escolas, empresas, sindicatos ou paróquias – e suas carreiras nunca decolam.
Todos perdem com isso. O escritor, por não ter o talento não somente reconhecido, como sequer revelado. As editoras, que poderiam faturar um bom dinheiro com obras de qualidade superior. A população, que se vê privada de pérolas de pensamento e criatividade. E, principalmente, o leitor, que deixa de se ilustrar melhor.
Há centenas, quiçá milhares de Prêmios Nobel de Literatura em potencial desperdiçados por aí. E essa gente talentosa não deixa de ser escritora, embora permaneça rigorosamente inédita. Há casos e mais casos de escritores que publicam um único e solitário livro e ficam, a exemplo de Gabriela Mistral, para sempre registrados na História da Literatura.
É o caso, a rigor, do mexicano Juan Rulfo, por exemplo. Sempre que se menciona seu nome, logo vem à mente “Pedro Páramo/O Planalto em Chamas” (que são, na verdade, dois livros, reunidos num só volume). Escreveu outras coisas, mas ninguém sequer tomou conhecimento. Nunca mais alcançou a magia da sua única obra conhecida.
Fernando Pessoa publicou, em vida, com o seu próprio nome, só um livro. Hoje, porém, há uma infinidade deles, póstumos, de autoria do magistral poeta português, e outros tantos, certamente, virão, já que os pesquisadores sequer chegaram à metade do quase inesgotável e célebre “baú” repleto de textos inéditos que ele deixou ao morrer.
Há, é verdade, escritores sumamente prolíficos. A obra do jurista Pontes de Miranda, por exemplo, ascende a mais de 150 publicações. E não são, apenas, livros jurídicos, como muitos podem pensar. Legou-nos lúcidos e bem compostos ensaios, repletos de sabedoria e luz, que recomendo a todos que possam ter acesso a eles. Emile Zola foi outro que teve bibliografia das mais copiosas, assim como Honoré Balzac, Camilo Castelo Branco e tantos e tantos outros.
Nem por isso, no entanto, os que publicaram muito foram mais escritores do que os que lançaram um único livro, ou até mesmo nenhum. Vez por outra, topamos, em meio a embolorados, poeirentos e amarelecidos papéis pessoais de determinadas pessoas, descartados como lixo por herdeiros, com originais extraordinários e ficamos pasmos com o que a falta de oportunidades pode ocasionar.
O sucesso, portanto, e não raro a mera visibilidade do escritor dependem (talvez mais do que os que se dedicam a outras tantas atividades) de um aspecto que o filósofo espanhol, José Ortega t Gassett tratou com tanta propriedade em sua obra( e sobre o qual escrevi inúmeros textos): das circunstâncias.
Sunday, February 21, 2010
A situação na "espaçonave" Terra é gravíssima e poucos se dão conta disso. Ela está superlotada – está com 6,3 bilhões de "passageiros" – o lixo acumula-se por toda parte, pedaços dela são queimados para a geração de energia, o calor aumenta, a fumaça sufoca e a tripulação está mais ameaçada do que nunca. Temas como este ainda são encarados com olímpico pouco caso, como se houvesse outro planeta melhor à nossa espera, depois de depredarmos este. O escritor Ulrich Schipke fez uma advertência, num de seus livros, que deveria ser tema de profunda reflexão: "Encontram-se em evolução cinco processos que ameaçam a existência da nave espacial Terra: explosão demográfica, industrialização descuidada, progressiva carência de alimentos, diminuição das reservas de matérias-primas e poluição do ambiente. Qualquer destes processos pode transformar a Terra num astro tão morto como a Lua". E, infelizmente, isto não é ficção científica.
Intervenção reprovável, desastrada e inoportuna
Pedro J. Bondaczuk
As ações das forças ditas de paz da Índia no Sri Lanka, destacadas com a finalidade de garantir um acordo de cessar-fogo nas regiões Leste e Norte da ilha, estão sendo desastradas, contraditórias e dignas de reprovação. Afinal, o pacto em questão foi firmado para acabar com o genocídio do povo tamil, envolvido numa luta separatista, de quatro anos, para a criação da República do Eelam.
Ocorre que um simples incidente, que poderia ter sido contornado, caso houvesse habilidade diplomática do pseudo mantenedor da ordem (que na verdade levou mais desordem à região), já custou mais de 600 mortes de parte a parte. A cidade de Jaffna, de 150 mil habitantes, está sitiada e a população civil local foi colocada num fogo cruzado.
Nem nos momentos mais agudos da guerra civil, as tropas cingalesas agiram assim. E pensar que o primeiro-ministro indiano, Rajiv Gandhi, interveio na questão para evitar um "massacre" da minoria étnica na ilha! O que, afinal, as suas tropas estão fazendo?! Como justificar um morticínio desse porte perante a comunidade internacional?
Tudo começou quando 17 separatistas presos e que iam ser conduzidos a Colombo, para julgamento, resolveram dar cabo da própria vida, mediante a ingestão de cianureto. Cinco puderam ser salvos. Doze, passaram a servir de "bandeiras" de luta para a guerrilha, com suas mortes. Foram os pretextos que os "Tigres", o grupo mais organizado dos rebeldes, precisavam. O acordo, no fim das contas, teve resultado consensual: descontentou a "gregos e troianos". Ou melhor, a tamis e cingaleses.
Num ambiente de tensão, deixado por quatro anos de conflito armado, o que os indianos esperavam encontrar? Gente trocando amabilidades e pedindo desculpas pelas mortes de parentes do adversário que cada um perpetrou? Uma atitude desse tipo até que seria desejável, mas é impossível, em se tratando de qualquer conflagração.
A guerra, especialmente a civil, deixa muitas feridas, que levam anos para cicatrizar e às vezes nem cicatrizam. Cabe a quem assume a função de árbitro uma ação caracterizada por muito tato, por capacidade de diálogo e disposição até para fazer concessões. O Sri Lanka está pagando um preço muito caro por aceitar a intervenção "amiga" da Índia. Com uma amizade deste tipo, quem precisa de inimigos?!!
(Artigo publicado na página 22, Internacional, do Correio Popular, em 18 de outubro de 1987).
Pedro J. Bondaczuk
As ações das forças ditas de paz da Índia no Sri Lanka, destacadas com a finalidade de garantir um acordo de cessar-fogo nas regiões Leste e Norte da ilha, estão sendo desastradas, contraditórias e dignas de reprovação. Afinal, o pacto em questão foi firmado para acabar com o genocídio do povo tamil, envolvido numa luta separatista, de quatro anos, para a criação da República do Eelam.
Ocorre que um simples incidente, que poderia ter sido contornado, caso houvesse habilidade diplomática do pseudo mantenedor da ordem (que na verdade levou mais desordem à região), já custou mais de 600 mortes de parte a parte. A cidade de Jaffna, de 150 mil habitantes, está sitiada e a população civil local foi colocada num fogo cruzado.
Nem nos momentos mais agudos da guerra civil, as tropas cingalesas agiram assim. E pensar que o primeiro-ministro indiano, Rajiv Gandhi, interveio na questão para evitar um "massacre" da minoria étnica na ilha! O que, afinal, as suas tropas estão fazendo?! Como justificar um morticínio desse porte perante a comunidade internacional?
Tudo começou quando 17 separatistas presos e que iam ser conduzidos a Colombo, para julgamento, resolveram dar cabo da própria vida, mediante a ingestão de cianureto. Cinco puderam ser salvos. Doze, passaram a servir de "bandeiras" de luta para a guerrilha, com suas mortes. Foram os pretextos que os "Tigres", o grupo mais organizado dos rebeldes, precisavam. O acordo, no fim das contas, teve resultado consensual: descontentou a "gregos e troianos". Ou melhor, a tamis e cingaleses.
Num ambiente de tensão, deixado por quatro anos de conflito armado, o que os indianos esperavam encontrar? Gente trocando amabilidades e pedindo desculpas pelas mortes de parentes do adversário que cada um perpetrou? Uma atitude desse tipo até que seria desejável, mas é impossível, em se tratando de qualquer conflagração.
A guerra, especialmente a civil, deixa muitas feridas, que levam anos para cicatrizar e às vezes nem cicatrizam. Cabe a quem assume a função de árbitro uma ação caracterizada por muito tato, por capacidade de diálogo e disposição até para fazer concessões. O Sri Lanka está pagando um preço muito caro por aceitar a intervenção "amiga" da Índia. Com uma amizade deste tipo, quem precisa de inimigos?!!
(Artigo publicado na página 22, Internacional, do Correio Popular, em 18 de outubro de 1987).
Saturday, February 20, 2010
A melhor maneira de mostrarmos apreço e veneração pela vida, esse magnífico mistério, que é, ao mesmo tempo, um privilégio e um desafio, é cultivarmos a alegria. É jamais nos deixarmos abater pelo que de ruim nos aconteça, ou ocorra ao nosso redor, mas sempre extrair lições dos sofrimentos e tragédias. É atentarmos para os pequenos episódios positivos do dia a dia que, somados, se revelam maiúsculos, mas que, muitas vezes, entregues a tolas mágoas e estúpidos rancores, não sabemos valorizar devidamente. Viver é bom, é magnífico, é transcendental, sejam quais forem as circunstâncias. Não há como não concordar com Aléxis Carrel, quando afirma: “A alegria é o sinal pelo qual a vida marca seu triunfo”. Sejamos, pois, vencedores. E brindemos cada vitória da vida com aquilo que caracteriza com perfeição esse sucesso: a inarredável alegria. Difícil? Sem dúvida! Impossível? Jamais, a menos que sejamos renitentes derrotistas.
Soneto à doce amada – LVIII
Pedro J. Bondaczuk
Doce amada, o formato do seu rosto,
sua testa, olhos, nariz delicados,
são obras de arte, de extremo bom-gosto,
caminhos de virtudes e pecados.
Mistura de Madona e Messalina,
você faz de mim aquilo que quer,
ora tem inocência de menina
e ora mostra a volúpia de mulher.
Você é flor. A flor mais delicada,
mística rosa de um jardim de sonho.
A seus pés infinito amor deponho
ó menina, ó mulher cobiçada,
e contemplo, embevecido, risonho,
a suave forma do seu rosto, amada!
(Soneto composto em Campinas, em 7 de novembro de 2007).
Pedro J. Bondaczuk
Doce amada, o formato do seu rosto,
sua testa, olhos, nariz delicados,
são obras de arte, de extremo bom-gosto,
caminhos de virtudes e pecados.
Mistura de Madona e Messalina,
você faz de mim aquilo que quer,
ora tem inocência de menina
e ora mostra a volúpia de mulher.
Você é flor. A flor mais delicada,
mística rosa de um jardim de sonho.
A seus pés infinito amor deponho
ó menina, ó mulher cobiçada,
e contemplo, embevecido, risonho,
a suave forma do seu rosto, amada!
(Soneto composto em Campinas, em 7 de novembro de 2007).
Friday, February 19, 2010
Michael Drury acentua, no artigo "Diga sim à Vida", publicado em fevereiro de 1965 na revista "Seleções do Reader's Digest": "A vida é um processo de descobrir o que somos e o que podemos vir a ser. É muito possível que as coisas que dizemos tão decisivamente que nunca havemos de fazer sejam exatamente as coisas de que precisamos para nos completarmos. O esforço para romper padrões estabelecidos nos estimula – é um ato de criação. Se você quer conhecer-se a si mesmo, diga 'sim' à vida". Pode não ser a receita, a fórmula infalível para a felicidade. Mas não deixa de ser uma maneira inteligente e criativa de viver. Lao-Tsé, define o que os antigos entendiam por "ser feliz": "Ter o suficiente significa felicidade; ter mais que o necessário é desdita. Isto vale para todas as coisas, principalmente para o dinheiro". O problema é definir essa "suficiência". Prefiro investir no verbo "ser"...
Apresentação sem reprise
Pedro J. Bondaczuk
Relatei-lhes, em textos anteriores, uma refrega retórica que mantive com um amigo, intelectual de grande reputação e respeito, embora no calor da discussão parecêssemos,. Apenas, dois torcedores de futebol de times adversários discutindo a derrota do favorito para a “zebra”. Talvez lembrássemos remotamente o famoso debate entre Cícero e Catilina, talvez. Só que o palco, não era o augusto Senado romano e o tema não se referia ao destino de Roma, a grande superpotência política e militar da antiguidade.
O cenário dessa refrega era meu confortável gabinete de trabalho, dotado de toda a moderna parafernália de comunicações que a tecnologia desenvolveu. Os debatedores, posto que intelectuais, por sua vez, estavam anos-luz de disporem do poder e da representatividade de Cícero e de Catilina. E o tema de tanta retórica despendida era de somenos importância (diria até que nenhuma). Debatíamos sobre se enredos de escolas de samba, notadamente das do Rio de Janeiro, podem ou não ser classificados de óperas. Eu defendia a tese do sim. Meu amigo contrapunha-se, argumentando pelo não.
Passamos horas nos digladiando em torno dessa tola questão. Todo esse nosso esforço, porém, não passava de mero treinamento mental, de exercício de argumentação e contra-argumentação, de tese e antítese, para quando tivermos que encarar questões de fato relevantes e esclarecermos equívocos sobre assuntos em que não se pode equivocar.
Meu erudito amigo (e põe erudição nisso), que a essa altura estava perdendo a discussão (pelo menos foi como interpretei o fato de já estar apelando para ofensas pessoais), saiu com um argumento a favor da sua tese que, devo admitir, foi dos mais sólidos.
“Veja a ópera ‘Aida’, Pedrão. Você a conhece bem demais, pois assistimos juntos sua apresentação no Credicard Hall, em São Paulo, em fins de 2007. Apenas para o entendimento dos leigos que vierem a tomar conhecimento desta nossa discussão, e sei que você não a manterá restrita a estas quatro paredes, jornalista abelhudo que é, lembro alguns fatos que cercam esta obra-prima de Giuseppe Verdi. Ela foi composta em 1871, a pedido do vice-rei egípcio, Ismail Pashá, para celebrar a inauguração do Canal de Suez”.
“Sei de tudo isso”, disse-lhe, impaciente. “Vamos ao ponto que você pretende chegar”, insisti. “Calma, nos bons debates, cada qual deve ter seu tempo, sem ser interrompido pelo antagonista. Quando chegar sua vez, você poderá replicar à vontade. Pois bem, a história, contada por Verdi, é a de um comandante militar egípcio, Radamés, que chefiou seus exércitos numa vitoriosa campanha contra a Etiópia. Ao voltar da guerra, aclamado como herói, o faraó ofertou-lhe a mão da filha Amnens em casamento. O herói, todavia, recusou, por preferir casar-se com Aida, a criada da princesa. O faraó, furioso, sentiu-se ofendido. Passou a considerar Radamés de herói a traidor da pátria. E condenou-a à morte. Aida, em vez de sair de cena, decidiu compartilhar o destino do amado”, completou.
“Sei de tudo isso”, reiterei-lhe cada vez mais impaciente. “Onde você quer chegar com toda essa explanação? Vá direto ao ponto!”, desafiei-o. O amigo ressaltou a grandiosidade dessa ópera. Lembrou-me de quando ela foi apresentada no Cairo, aos pés das grandes e milenares pirâmides e da repercussão mundial que essa apresentação teve. “Você não vai querer comparar isso com a Marquês de Sapucaí, não é mesmo?”, concluiu, irônico, torcendo o nariz.
“Tudo bem, a ópera de Verdi é grandiosa. Nunca disse que não. Aliás, nem sei como e porque ela veio parar neste debate. Mas quantas pessoas são necessárias para apresentá-la como seu autor a imaginou? Digo o total, entre artistas, orquestra, figurinistas, cenógrafos, o escambau?”, perguntei. “Pouco mais de duzentas”, respondeu-me o amigo, com ar de triunfo. “Pois bem”, redargui-lhe, “esse número, que você considera grandioso, sequer chega perto da quantidade mínima de componentes apenas da bateria da menor das escolas de samba”, disse-lhe aos berros, achando que desta vez o pegara,
Meu interlocutor, todavia, é um sujeito preparado e, sobretudo, astuto. Em termos de astúcia deixa-me, de longe, no “chinelo”. Contra-argumentou, e com muita lógica: “De 1871 para cá, quantas vezes Aida já foi apresentada ao redor do mundo, por companhias muito diferentes umas das outras? Sem exagerar, podemos ficar na cifra de um milhar de vezes, certo? Foi muito mais, mas fiquemos com essa quantidade. Só você, conforme me disse, já assistiu a três apresentações diferentes. No ano passado, Aida foi apresentada em grande estilo no Coliseu do Porto, em Portugal, pela companhia Grande Ópera de Kazan. As apresentações nesse ano foram muitas, não apenas esta. Agora me responda: quantas vezes mais será possível o público assistir, mesmo que apenas no Rio de Janeiro, o desfile da União da Ilha, que você tanto exaltou? Nenhuma, não é verdade?”.
Diante desse argumento, achei que havia perdido de vez o debate. Não que o amigo houvesse me provado que os enredos das escolas de samba não sejam óperas. Isso ele não provou. Demonstrou, apenas, que, a menos que você grave em vídeo, como eu fiz, os desfiles, você conseguirá assistir a apenas uma e única apresentação. Exaustos, com a garganta seca e ardendo por causa dos nossos gritos na discussão, concertamos que nossa refrega retórica terminou empatada e celebramos o “bom combate” com uma generosa taça de um ótimo cabernet, da safra de 1948. Afinal, ninguém é de ferro!
Pedro J. Bondaczuk
Relatei-lhes, em textos anteriores, uma refrega retórica que mantive com um amigo, intelectual de grande reputação e respeito, embora no calor da discussão parecêssemos,. Apenas, dois torcedores de futebol de times adversários discutindo a derrota do favorito para a “zebra”. Talvez lembrássemos remotamente o famoso debate entre Cícero e Catilina, talvez. Só que o palco, não era o augusto Senado romano e o tema não se referia ao destino de Roma, a grande superpotência política e militar da antiguidade.
O cenário dessa refrega era meu confortável gabinete de trabalho, dotado de toda a moderna parafernália de comunicações que a tecnologia desenvolveu. Os debatedores, posto que intelectuais, por sua vez, estavam anos-luz de disporem do poder e da representatividade de Cícero e de Catilina. E o tema de tanta retórica despendida era de somenos importância (diria até que nenhuma). Debatíamos sobre se enredos de escolas de samba, notadamente das do Rio de Janeiro, podem ou não ser classificados de óperas. Eu defendia a tese do sim. Meu amigo contrapunha-se, argumentando pelo não.
Passamos horas nos digladiando em torno dessa tola questão. Todo esse nosso esforço, porém, não passava de mero treinamento mental, de exercício de argumentação e contra-argumentação, de tese e antítese, para quando tivermos que encarar questões de fato relevantes e esclarecermos equívocos sobre assuntos em que não se pode equivocar.
Meu erudito amigo (e põe erudição nisso), que a essa altura estava perdendo a discussão (pelo menos foi como interpretei o fato de já estar apelando para ofensas pessoais), saiu com um argumento a favor da sua tese que, devo admitir, foi dos mais sólidos.
“Veja a ópera ‘Aida’, Pedrão. Você a conhece bem demais, pois assistimos juntos sua apresentação no Credicard Hall, em São Paulo, em fins de 2007. Apenas para o entendimento dos leigos que vierem a tomar conhecimento desta nossa discussão, e sei que você não a manterá restrita a estas quatro paredes, jornalista abelhudo que é, lembro alguns fatos que cercam esta obra-prima de Giuseppe Verdi. Ela foi composta em 1871, a pedido do vice-rei egípcio, Ismail Pashá, para celebrar a inauguração do Canal de Suez”.
“Sei de tudo isso”, disse-lhe, impaciente. “Vamos ao ponto que você pretende chegar”, insisti. “Calma, nos bons debates, cada qual deve ter seu tempo, sem ser interrompido pelo antagonista. Quando chegar sua vez, você poderá replicar à vontade. Pois bem, a história, contada por Verdi, é a de um comandante militar egípcio, Radamés, que chefiou seus exércitos numa vitoriosa campanha contra a Etiópia. Ao voltar da guerra, aclamado como herói, o faraó ofertou-lhe a mão da filha Amnens em casamento. O herói, todavia, recusou, por preferir casar-se com Aida, a criada da princesa. O faraó, furioso, sentiu-se ofendido. Passou a considerar Radamés de herói a traidor da pátria. E condenou-a à morte. Aida, em vez de sair de cena, decidiu compartilhar o destino do amado”, completou.
“Sei de tudo isso”, reiterei-lhe cada vez mais impaciente. “Onde você quer chegar com toda essa explanação? Vá direto ao ponto!”, desafiei-o. O amigo ressaltou a grandiosidade dessa ópera. Lembrou-me de quando ela foi apresentada no Cairo, aos pés das grandes e milenares pirâmides e da repercussão mundial que essa apresentação teve. “Você não vai querer comparar isso com a Marquês de Sapucaí, não é mesmo?”, concluiu, irônico, torcendo o nariz.
“Tudo bem, a ópera de Verdi é grandiosa. Nunca disse que não. Aliás, nem sei como e porque ela veio parar neste debate. Mas quantas pessoas são necessárias para apresentá-la como seu autor a imaginou? Digo o total, entre artistas, orquestra, figurinistas, cenógrafos, o escambau?”, perguntei. “Pouco mais de duzentas”, respondeu-me o amigo, com ar de triunfo. “Pois bem”, redargui-lhe, “esse número, que você considera grandioso, sequer chega perto da quantidade mínima de componentes apenas da bateria da menor das escolas de samba”, disse-lhe aos berros, achando que desta vez o pegara,
Meu interlocutor, todavia, é um sujeito preparado e, sobretudo, astuto. Em termos de astúcia deixa-me, de longe, no “chinelo”. Contra-argumentou, e com muita lógica: “De 1871 para cá, quantas vezes Aida já foi apresentada ao redor do mundo, por companhias muito diferentes umas das outras? Sem exagerar, podemos ficar na cifra de um milhar de vezes, certo? Foi muito mais, mas fiquemos com essa quantidade. Só você, conforme me disse, já assistiu a três apresentações diferentes. No ano passado, Aida foi apresentada em grande estilo no Coliseu do Porto, em Portugal, pela companhia Grande Ópera de Kazan. As apresentações nesse ano foram muitas, não apenas esta. Agora me responda: quantas vezes mais será possível o público assistir, mesmo que apenas no Rio de Janeiro, o desfile da União da Ilha, que você tanto exaltou? Nenhuma, não é verdade?”.
Diante desse argumento, achei que havia perdido de vez o debate. Não que o amigo houvesse me provado que os enredos das escolas de samba não sejam óperas. Isso ele não provou. Demonstrou, apenas, que, a menos que você grave em vídeo, como eu fiz, os desfiles, você conseguirá assistir a apenas uma e única apresentação. Exaustos, com a garganta seca e ardendo por causa dos nossos gritos na discussão, concertamos que nossa refrega retórica terminou empatada e celebramos o “bom combate” com uma generosa taça de um ótimo cabernet, da safra de 1948. Afinal, ninguém é de ferro!
Thursday, February 18, 2010
Muitos descobrem, na idade madura, que se obtivessem o que tanto desejaram quando jovens, teriam arruinado a vida. Outros, sentem-se infelizes pelas oportunidades que deixaram de aproveitar. Deduz-se que grande parte da infelicidade humana é causada pela insatisfação: consigo próprio ou com os outros; com o que se fez ou se deixou de fazer etc. Para mim, ser feliz é ser útil. É poder servir, sem esperar recompensa. É a certeza de sempre poder, querer e fazer o melhor possível. É estar em paz comigo mesmo e, conseqüentemente, com o próximo.
A megadivulgação
Pedro J. Bondaczuk
Os enredos das escolas de samba, em especial das do Rio de Janeiro, podem ou não ser classificados como óperas populares? Eu entendo que sim Um amigo muito querido, intelectual de grande reputação (e bastante respeitado nos meios culturas do País, mas que me pediu para não ser identificado) assegura que não. Afirmou, na conversa que tivemos a respeito, na segunda-feira de carnaval (cujos trechos já relatei anteriormente) que fui afoito em demasia ao fazer tal classificação, influenciado, no seu entender, pelo momento, porquanto acabara de assistir na TV os desfiles da Marquês de Sapucaí e ainda estava com os sons e imagens do evento fresquinhos na cabeça.
Gosto de discutir com essa pessoa. Nossa maneira de encarar o mundo é diametralmente oposta. Conosco ocorre o fenômeno da atração intelectual dos opostos. Sempre que nos encontramos, há um choque, uma violenta colisão de idéias. Não me lembro de um só assunto em que já tivéssemos concordado. No entanto, gosto demais dessa pessoa e sinto que a recíproca é verdadeira.
Nossa intenção, nesses acalorados debates (que aos desavisados parecem briga, mas não são, apesar dos gritos e não raro até dos palavrões de ambos nesses barulhentos confrontos) sequer é a de convencer um ao outro (ademais, missão impossível), mas marcarmos nossas respectivas posições.
Ao final dessas refregas retóricas, nunca há vencedores ou vencidos. Apesar da nossa veemência na defesa das respectivas teses (e esse é o único ponto em que nos igualamos), temos, ambos, a plena convicção que um gosta do outro e o respeita intelectualmente. É verdade que não parece. Mas.... as aparências, como sempre, enganam.
Uma das coisas que mencionei, na dita discussão, é a capacidade que os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro têm de divulgar, e de fixar na memória do povo, histórias, fatos, conceitos, personagens etc.etc.etc. Nisso, os enredos superam, em muito, qualquer dos temas tratados pelas mais sofisticadas, conhecidas e badaladas óperas.
“Veja o que ocorreu com o ‘Dom Quixote de La Mancha’. Há cinco anos, o mundo das letras celebrou o quarto centenário do lançamento da primeira parte dessa obra-prima de Miguel de Cervantes. Jornais, revistas literárias, intelectuais de todas as tendências, enfim, as pessoas cultas do mundo inteiro, celebraram o fato. Perguntasse, porém, na época, a qualquer pessoa da rua de quem se tratava. Ninguém sabia. E divulgação foi o que não faltou”, lembrei.
O amigo aduziu: “eu mesmo publiquei na ocasião um ensaio que escrevi, enfatizando o símbolo que há por trás de Dom Quixote e de Sancho Pança”. “Eu sei”, respondi-lhe. "Li e gostei das suas colocações. Da minha parte, marquei bobeira e não escrevi nada a respeito”, reconheci.
“Pergunte hoje, a qualquer pessoa, não importa seu grau de cultura ou classe social, quem é Dom Quixote. Ela pode até dizer algum disparate a respeito, mas saberá de quem se trata. Por que? Porque, ou assistiu o desfile da Escola de Samba União da Ilha, que enfocou os personagens de Miguel Cervantes em seu enredo, no sambódromo, ou viu-o na televisão (estima-se que o desfile teve um bilhão e meio de espectadores em todo o mundo) ou ouviu falar dele. Ou seja, o célebre livro teve, em apenas reles uma hora e vinte e dois minutos, muito maior divulgação do que havia tido nos últimos 405 anos. E você sabe muito bem que não se trata de exagero”, afirmei.
“E no que isso prova que se trate de ópera?”, teimou o meu amigo, não disposto a se dar por vencido. Coloquei, novamente, a fita que gravei do desfile na TV, para que ele visse as alegorias enfatizando todos os aspectos do livro. Chamei-lhe a atenção, sobretudo, para o acrobata que estava agarrado a uma das pás do moinho do carro alegórico que ilustrava a caráter um dos maiores delírios do “cavaleiro de triste figura" de Cervantes. A seguir, fiz o mesmo que havia feito em relação à letra do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense. Dei-lhe o texto para ler. Não resisti, porém, e li-o, eu mesmo, em voz alta:
“Voltou a ilha/delira o povo de alegria/nessa folia sou fidalgo, sou leitor/cavaleiro sonhador./Meu mundo é de magia./Vou cavalgar no Rocinante,/meu escudeiro é Sancho Pança./Se Dulcinéia é meu amor/quem eu sou?/Dom Quixote de La Mancha.//O gigante moinho me viu, deu no pé./O povo grita: olé!/Nesse feitiço tem castanhola./A bateria, hoje, deita e rola, /vesti a fantasia, fui à luta,/venci manadas, rebanhos/fiz de uma bacia meu elmo de glórias,/meus livros se perderam pela história,/enfim fui vencido pela Branca Lua./Voltei pra casa esquecendo as aventuras./O tempo ficou com meus ideais./Quimeras são imortais.//A Ilha vem cantar/mais um sonho impossível a sonhar./Quem é que não tem uma louca ilusão/e um Quixote no seu coração?”.
“Viu?Lindo! Tenho certeza que Cervantes se sentiria sumamente orgulhoso com essa interpretação tão clara e precisa da sua obra-prima. Quem me dera, um dia, servir de inspiração para um enredo tão bem-feito”, concluí, aos gritos, não conseguindo conter meu entusiasmo.
“Isso lhe cairia muito bem, Pedrão. Você não só tem um Quixote no coração. É o próprio”, concluiu o amigo, sorrindo. Até agora, não sei se foi um elogio ou outra das suas tantas tiradas irônicas. Só sei que não o convenci de que enredo de escola de samba pode e deve ser classificado como ópera. Quais seus argumentos? Tenha paciência e aguarde o próximo texto.
Pedro J. Bondaczuk
Os enredos das escolas de samba, em especial das do Rio de Janeiro, podem ou não ser classificados como óperas populares? Eu entendo que sim Um amigo muito querido, intelectual de grande reputação (e bastante respeitado nos meios culturas do País, mas que me pediu para não ser identificado) assegura que não. Afirmou, na conversa que tivemos a respeito, na segunda-feira de carnaval (cujos trechos já relatei anteriormente) que fui afoito em demasia ao fazer tal classificação, influenciado, no seu entender, pelo momento, porquanto acabara de assistir na TV os desfiles da Marquês de Sapucaí e ainda estava com os sons e imagens do evento fresquinhos na cabeça.
Gosto de discutir com essa pessoa. Nossa maneira de encarar o mundo é diametralmente oposta. Conosco ocorre o fenômeno da atração intelectual dos opostos. Sempre que nos encontramos, há um choque, uma violenta colisão de idéias. Não me lembro de um só assunto em que já tivéssemos concordado. No entanto, gosto demais dessa pessoa e sinto que a recíproca é verdadeira.
Nossa intenção, nesses acalorados debates (que aos desavisados parecem briga, mas não são, apesar dos gritos e não raro até dos palavrões de ambos nesses barulhentos confrontos) sequer é a de convencer um ao outro (ademais, missão impossível), mas marcarmos nossas respectivas posições.
Ao final dessas refregas retóricas, nunca há vencedores ou vencidos. Apesar da nossa veemência na defesa das respectivas teses (e esse é o único ponto em que nos igualamos), temos, ambos, a plena convicção que um gosta do outro e o respeita intelectualmente. É verdade que não parece. Mas.... as aparências, como sempre, enganam.
Uma das coisas que mencionei, na dita discussão, é a capacidade que os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro têm de divulgar, e de fixar na memória do povo, histórias, fatos, conceitos, personagens etc.etc.etc. Nisso, os enredos superam, em muito, qualquer dos temas tratados pelas mais sofisticadas, conhecidas e badaladas óperas.
“Veja o que ocorreu com o ‘Dom Quixote de La Mancha’. Há cinco anos, o mundo das letras celebrou o quarto centenário do lançamento da primeira parte dessa obra-prima de Miguel de Cervantes. Jornais, revistas literárias, intelectuais de todas as tendências, enfim, as pessoas cultas do mundo inteiro, celebraram o fato. Perguntasse, porém, na época, a qualquer pessoa da rua de quem se tratava. Ninguém sabia. E divulgação foi o que não faltou”, lembrei.
O amigo aduziu: “eu mesmo publiquei na ocasião um ensaio que escrevi, enfatizando o símbolo que há por trás de Dom Quixote e de Sancho Pança”. “Eu sei”, respondi-lhe. "Li e gostei das suas colocações. Da minha parte, marquei bobeira e não escrevi nada a respeito”, reconheci.
“Pergunte hoje, a qualquer pessoa, não importa seu grau de cultura ou classe social, quem é Dom Quixote. Ela pode até dizer algum disparate a respeito, mas saberá de quem se trata. Por que? Porque, ou assistiu o desfile da Escola de Samba União da Ilha, que enfocou os personagens de Miguel Cervantes em seu enredo, no sambódromo, ou viu-o na televisão (estima-se que o desfile teve um bilhão e meio de espectadores em todo o mundo) ou ouviu falar dele. Ou seja, o célebre livro teve, em apenas reles uma hora e vinte e dois minutos, muito maior divulgação do que havia tido nos últimos 405 anos. E você sabe muito bem que não se trata de exagero”, afirmei.
“E no que isso prova que se trate de ópera?”, teimou o meu amigo, não disposto a se dar por vencido. Coloquei, novamente, a fita que gravei do desfile na TV, para que ele visse as alegorias enfatizando todos os aspectos do livro. Chamei-lhe a atenção, sobretudo, para o acrobata que estava agarrado a uma das pás do moinho do carro alegórico que ilustrava a caráter um dos maiores delírios do “cavaleiro de triste figura" de Cervantes. A seguir, fiz o mesmo que havia feito em relação à letra do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense. Dei-lhe o texto para ler. Não resisti, porém, e li-o, eu mesmo, em voz alta:
“Voltou a ilha/delira o povo de alegria/nessa folia sou fidalgo, sou leitor/cavaleiro sonhador./Meu mundo é de magia./Vou cavalgar no Rocinante,/meu escudeiro é Sancho Pança./Se Dulcinéia é meu amor/quem eu sou?/Dom Quixote de La Mancha.//O gigante moinho me viu, deu no pé./O povo grita: olé!/Nesse feitiço tem castanhola./A bateria, hoje, deita e rola, /vesti a fantasia, fui à luta,/venci manadas, rebanhos/fiz de uma bacia meu elmo de glórias,/meus livros se perderam pela história,/enfim fui vencido pela Branca Lua./Voltei pra casa esquecendo as aventuras./O tempo ficou com meus ideais./Quimeras são imortais.//A Ilha vem cantar/mais um sonho impossível a sonhar./Quem é que não tem uma louca ilusão/e um Quixote no seu coração?”.
“Viu?Lindo! Tenho certeza que Cervantes se sentiria sumamente orgulhoso com essa interpretação tão clara e precisa da sua obra-prima. Quem me dera, um dia, servir de inspiração para um enredo tão bem-feito”, concluí, aos gritos, não conseguindo conter meu entusiasmo.
“Isso lhe cairia muito bem, Pedrão. Você não só tem um Quixote no coração. É o próprio”, concluiu o amigo, sorrindo. Até agora, não sei se foi um elogio ou outra das suas tantas tiradas irônicas. Só sei que não o convenci de que enredo de escola de samba pode e deve ser classificado como ópera. Quais seus argumentos? Tenha paciência e aguarde o próximo texto.
Wednesday, February 17, 2010
Muitos acham que apenas serão felizes amealhando fortunas. Quando (ou se) conseguem enriquecer, descobrem que continuam amargurados e carentes como sempre foram. A infelicidade é a tônica – por razões de todos os tipos – da maioria absoluta dos mais de 6,3 bilhões de indivíduos que habitam o Planeta. Uns são solitários, outros não se aceitam como são, outros ainda culpam o mundo por suas tristezas reais ou imaginárias e vai por aí afora. Diz-se que a maior das obrigações do ser humano é a de ser feliz. Desde que descubra, aduziríamos, o que vem a ser essa tal de felicidade. O doutor Maxwell Maltz, em seu livro "Psycocybernetics" (sem tradução no Brasil), recomenda: "Se você está incluído entre os milhões que padecem de infelicidade e insucesso em conseqüência da inibição, deve deliberadamente praticar a 'desinibição'. Precisa exercitar-se em ser menos cuidadoso, menos preocupado, menos consciencioso". A fórmula funciona? Para alguns, talvez. Para todos...
Ópera popular
Pedro J. Bondaczuk
“Os desfiles de escolas de samba, principalmente os do Rio de Janeiro, que são mais sofisticados e melhor produzidos, são, a rigor, apresentações de óperas, posto que populares. Com a vantagem, sobre as tidas como eruditas, de que o espectador pode se deliciar com doze peças, em duas noites consecutivas, em vez de assistir a apenas uma, das companhias operísticas tradicionais”.
Com estas palavras, iniciei uma longa conversa (que deverá render vários textos nos várioss espaços da internet que freqüento) ontem, com um amigo, intelectual de reconhecida cultura, mas que tem visão estritamente reducionista a propósito. Nosso assunto foi o carnaval. Ele, apresentando todos os argumentos contrários a essa nossa tradicional festa popular. Eu, da minha parte, mesmo admitindo alguns excessos, ressaltando o lado positivo, o artístico sobretudo, desse evento anual.
Meu interlocutor, diante da minha afirmativa inicial, olhou-me de forma irônica e até um tanto assustada, dando a entender que se surpreendera comigo e que eu havia dito o maior dos disparates. “Você não pode comparar as duas coisas, que são imiscíveis, como óleo e água Pedrão”, respondeu-me, um tanto a contragosto, e em tom um tanto pedante, destes que às vezes adotamos com crianças às quais buscamos explicar algum conceito que extrapole seu nível de compreensão.
“Por que?”, indaguei, perplexo, porquanto esperava que o amigo contrapusesse minhas idéias com outras, lógicas, e não com a tática de ridicularizar quem diz algo com o que não concordamos. “Ora, ópera ao ritmo de samba?! Só na sua cabeça!. Esse é um gênero musical que implica em sofisticação rítmica, em técnicas apuradas de canto, em enredos eruditos e criativos”, respondeu-me.
Redargui-lhe, no entanto, que ele estava equivocado a propósito. Lembrei-lhe que a ópera surgiu com a intenção de ser manifestação cultural popular. Ocorre que na época do seu surgimento, o atraso das massas (e numa Europa tida hoje como modelo de civilização) era tamanho, por carência de informações, que ela acabou por se elitizar automaticamente. Eram raros os que tinham capacidade para compreendê-la e, por isso, apreciá-la.
Argumentei que então não existiam os meios de comunicação de que dispomos e aos quais até as pessoas muito pobres têm acesso. Não havia rádio, televisão e muito menos internet. Se alguém ousasse prever a invenção do computador, e ainda mais do PC, seria considerado insano e ninguém lhe daria a menor atenção. Isso se não providenciassem sua internação urgente em algum manicômio. Até mesmo os jornais estavam, apenas, engatinhando.
Meu amigo, claro, não se convenceu. “Ópera composta para instrumentos de percussão? Ainda mais samba? Você está delirando!”, tentou, dessa forma, desqualificar meu argumento. “E o enredo? Você quer comparar essas coisas cantadas exaustivamente no sambódromo com ‘Carmem', ou com ‘Aida' ou mesmo com ‘O barbeiro de Sevilha’?! Você só pode estar brincando”.
Resolvi apelar, mas não da maneira que vocês possam pensar (e que na verdade já tanto queria), mandando o tal amigo para a pqp. Não, não foi esse o tipo de apelação a que recorri. Ocorre que gravei os desfiles de 2010 no Rio de Janeiro. Nem sei porque fiz isso, pois nos anos anteriores nunca os havia gravado. Fui até o armário em que estava a fita, coloquei-a no aparelho de TV, e parei na apresentação da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense.
Para facilitar minha argumentação, entreguei-lhe a letra do samba-enredo, que penosamente havia transcrito no computador e imprimido, para o meu deleite pessoal e não para servir de prova ou coisa que o valha. Gosto de tudo o que é bem feito, não importa o que ou por quem.
“Leia esta letra. Não é um primor de poesia?”. E passei a ler em voz alta a letra do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, cujo título era “Brasil de todos os deuses”: “Terra abençoada!/Morada divinal./Brilha a coroa sagrada,/reina Tupã no Carnaval.../Viu nascer a devoção em cada amanhecer/viu brilhar a imensidão de cada olhar/num país da cor da miscigenação,/de tanto deus, tanta religião/pro povo feliz cultuar.//O índio dançou em adoração,/o branco rezou na cruz do cristão,/o negro louvou os seus orixás,/a luz de Deus é a chama da paz.//E sob as bênçãos do céu/e o véu do luar/navegaram imigrantes/de tão distante, pra semear/traços de tradições, laços de religiões./Ó Deus pai! Iluminai o novo dia!Guiai ao divino destino/seus peregrinos em harmonia/a fé enche a vida de esperança/na infinita aliança/traz confiança ao caminhar/e a gente romeira, valente festeira/segue a acreditar/a Imperatriz é um mar de fiéis/no altar do samba em oração./É o Brasil de todos os deuses!/De paz, amor e união”.
Depois de ler este magnífico poema, voltei-me para meu atônito interlocutor e desafiei-o: “Diga-me, e prove-me (como eu acabei de fazer), que ópera das tantas que você conhece (e que conheço também, pois, como você sabe, sou fiel apreciador do gênero), tem tamanho conteúdo? E num tema tão difícil, ou seja, o da religião, que tanto sangue já fez jorrar ao longo da história. E tudo isso acompanhado de imagens concretas, de carros alegóricos e vestes apropriados, e cantado por uma multidão de artistas, se não me falha a memória 3.600, sem destoar e nem sair uma vez sequer do ritmo. Ademais, essa belíssima ópera, e insisto nesse ponto, foi apresentada não por tenores, barítonos, sopranos etc, profissionais, mas pelo povo simples e comum. E não me venha dizer que estou inventando moda! É ópera, sim senhor, e da melhor qualidade!”, arrematei.
Meu amigo não se mostrou convencido e contra-argumentou. Mas... seu questionamento e minha respectiva contra-argumentação revelarei a vocês possivelmente amanhã. Por enquanto, reflitam sobre o assunto e concluam com quem está a razão.
Pedro J. Bondaczuk
“Os desfiles de escolas de samba, principalmente os do Rio de Janeiro, que são mais sofisticados e melhor produzidos, são, a rigor, apresentações de óperas, posto que populares. Com a vantagem, sobre as tidas como eruditas, de que o espectador pode se deliciar com doze peças, em duas noites consecutivas, em vez de assistir a apenas uma, das companhias operísticas tradicionais”.
Com estas palavras, iniciei uma longa conversa (que deverá render vários textos nos várioss espaços da internet que freqüento) ontem, com um amigo, intelectual de reconhecida cultura, mas que tem visão estritamente reducionista a propósito. Nosso assunto foi o carnaval. Ele, apresentando todos os argumentos contrários a essa nossa tradicional festa popular. Eu, da minha parte, mesmo admitindo alguns excessos, ressaltando o lado positivo, o artístico sobretudo, desse evento anual.
Meu interlocutor, diante da minha afirmativa inicial, olhou-me de forma irônica e até um tanto assustada, dando a entender que se surpreendera comigo e que eu havia dito o maior dos disparates. “Você não pode comparar as duas coisas, que são imiscíveis, como óleo e água Pedrão”, respondeu-me, um tanto a contragosto, e em tom um tanto pedante, destes que às vezes adotamos com crianças às quais buscamos explicar algum conceito que extrapole seu nível de compreensão.
“Por que?”, indaguei, perplexo, porquanto esperava que o amigo contrapusesse minhas idéias com outras, lógicas, e não com a tática de ridicularizar quem diz algo com o que não concordamos. “Ora, ópera ao ritmo de samba?! Só na sua cabeça!. Esse é um gênero musical que implica em sofisticação rítmica, em técnicas apuradas de canto, em enredos eruditos e criativos”, respondeu-me.
Redargui-lhe, no entanto, que ele estava equivocado a propósito. Lembrei-lhe que a ópera surgiu com a intenção de ser manifestação cultural popular. Ocorre que na época do seu surgimento, o atraso das massas (e numa Europa tida hoje como modelo de civilização) era tamanho, por carência de informações, que ela acabou por se elitizar automaticamente. Eram raros os que tinham capacidade para compreendê-la e, por isso, apreciá-la.
Argumentei que então não existiam os meios de comunicação de que dispomos e aos quais até as pessoas muito pobres têm acesso. Não havia rádio, televisão e muito menos internet. Se alguém ousasse prever a invenção do computador, e ainda mais do PC, seria considerado insano e ninguém lhe daria a menor atenção. Isso se não providenciassem sua internação urgente em algum manicômio. Até mesmo os jornais estavam, apenas, engatinhando.
Meu amigo, claro, não se convenceu. “Ópera composta para instrumentos de percussão? Ainda mais samba? Você está delirando!”, tentou, dessa forma, desqualificar meu argumento. “E o enredo? Você quer comparar essas coisas cantadas exaustivamente no sambódromo com ‘Carmem', ou com ‘Aida' ou mesmo com ‘O barbeiro de Sevilha’?! Você só pode estar brincando”.
Resolvi apelar, mas não da maneira que vocês possam pensar (e que na verdade já tanto queria), mandando o tal amigo para a pqp. Não, não foi esse o tipo de apelação a que recorri. Ocorre que gravei os desfiles de 2010 no Rio de Janeiro. Nem sei porque fiz isso, pois nos anos anteriores nunca os havia gravado. Fui até o armário em que estava a fita, coloquei-a no aparelho de TV, e parei na apresentação da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense.
Para facilitar minha argumentação, entreguei-lhe a letra do samba-enredo, que penosamente havia transcrito no computador e imprimido, para o meu deleite pessoal e não para servir de prova ou coisa que o valha. Gosto de tudo o que é bem feito, não importa o que ou por quem.
“Leia esta letra. Não é um primor de poesia?”. E passei a ler em voz alta a letra do samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, cujo título era “Brasil de todos os deuses”: “Terra abençoada!/Morada divinal./Brilha a coroa sagrada,/reina Tupã no Carnaval.../Viu nascer a devoção em cada amanhecer/viu brilhar a imensidão de cada olhar/num país da cor da miscigenação,/de tanto deus, tanta religião/pro povo feliz cultuar.//O índio dançou em adoração,/o branco rezou na cruz do cristão,/o negro louvou os seus orixás,/a luz de Deus é a chama da paz.//E sob as bênçãos do céu/e o véu do luar/navegaram imigrantes/de tão distante, pra semear/traços de tradições, laços de religiões./Ó Deus pai! Iluminai o novo dia!Guiai ao divino destino/seus peregrinos em harmonia/a fé enche a vida de esperança/na infinita aliança/traz confiança ao caminhar/e a gente romeira, valente festeira/segue a acreditar/a Imperatriz é um mar de fiéis/no altar do samba em oração./É o Brasil de todos os deuses!/De paz, amor e união”.
Depois de ler este magnífico poema, voltei-me para meu atônito interlocutor e desafiei-o: “Diga-me, e prove-me (como eu acabei de fazer), que ópera das tantas que você conhece (e que conheço também, pois, como você sabe, sou fiel apreciador do gênero), tem tamanho conteúdo? E num tema tão difícil, ou seja, o da religião, que tanto sangue já fez jorrar ao longo da história. E tudo isso acompanhado de imagens concretas, de carros alegóricos e vestes apropriados, e cantado por uma multidão de artistas, se não me falha a memória 3.600, sem destoar e nem sair uma vez sequer do ritmo. Ademais, essa belíssima ópera, e insisto nesse ponto, foi apresentada não por tenores, barítonos, sopranos etc, profissionais, mas pelo povo simples e comum. E não me venha dizer que estou inventando moda! É ópera, sim senhor, e da melhor qualidade!”, arrematei.
Meu amigo não se mostrou convencido e contra-argumentou. Mas... seu questionamento e minha respectiva contra-argumentação revelarei a vocês possivelmente amanhã. Por enquanto, reflitam sobre o assunto e concluam com quem está a razão.
Tuesday, February 16, 2010
A busca da felicidade é o maior empenho do homem, embora poucos saibam, de fato, o que os faz felizes ou tenham a mais leve noção do significado desse conceito, que é vago e carregado de equívocos, com um significado diferente para cada pessoa. Filósofos, escritores, poetas e psicólogos têm apontado, através dos séculos, caminhos vários na busca desse "tosão de ouro", desse "santo Graal", desse ideal sem forma, sem que eles próprios, na maioria das vezes, o tenham encontrado. O romancista V. S. Khandekar, no conto "Oito de junho", destaca como se dá esse equívoco, embora não explique o por quê: "Felicidade se parece com as montanhas. De longe são muito bonitas, mas de perto...". É o que acontece, por exemplo, com determinados relacionamentos, que começam revestidos de paixão e terminam, muitas vezes, em tragédia.
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