Tuesday, February 20, 2007

Amor de Carnaval



Pedro J. Bondaczuk

O “poetinha”, entre tantas coisas maravilhosas que nos legou, cunhou uma afirmação muito especial, que já se tornou até clichê, mas que ganhou foros de imortalidade, pelo tanto de verdade que encerra: “O amor é eterno... enquanto dura”. E Vinícius de Moraes sabia das coisas! E em especial das que se referiam ao coração! (E antes que algum chato, desses que se apegam à literalidade das palavras, cisme em fazer alguma gracinha, me apresso em esclarecer o óbvio: ele não era cardiologista!).
Está aí a sua marcante obra; estão aí os seus poemas e suas letras de consagradas canções, repetidos pelas pessoas, as mais heterogêneas, e nos mais diversos momentos e circunstâncias, a confirmar o que sequer seria necessário dar tanta ênfase. São coisas públicas e notórias.
Essa “eternidade” do amor pode durar uma vida toda, ou não mais do que algumas meras horas de encantamento e de prazer. O que conta, no caso, não é a duração, mas a intensidade do sentimento. É a sua autenticidade. São as marcas deixadas na memória por esse acontecimento de tanta relevância e até transcendência, que nos acompanham enquanto vivermos.
Não sei se Vinícius, quando criou esse verso específico, se referia ao “amor de carnaval”. Mesmo que não lhe passasse nem de leve pela mente essa fugaz circunstância, o que escreveu cabe como uma luva a esse tipo de situação. Em especial, a uma que tive o privilégio de viver.
Foi no carnaval de 1966. Passei-o no Rio de Janeiro que, na oportunidade, a despeito da violência política da guerrilha urbana, que se opunha à ditadura militar, com seqüestros e assaltos a bancos, ainda merecia plenamente a designação de Cidade Maravilhosa. As favelas e os morros ainda não estavam nas mãos dos traficantes e/ou das milícias, como hoje, e não havia o clima de guerra civil não declarada da atualidade nessa nossa ex-Capital Federal.
Foi num clube carioca, muito conhecido (cujo nome prefiro não revelar) que a conheci. Nessa época, os bailes de salão eram a grande pedida do carnaval, não apenas no Rio, mas em qualquer parte do País. Nunca fui de pular, até porque não tenho (e na época também não tinha) resistência para tanto. Sempre preferi apreciar, de camarote, o panorama, o ambiente e os foliões. Por isso, adquiri uma mesa (na ocasião os clubes ainda as vendiam, não sei se ainda o fazem, e era com o produto dessas vendas que pagavam as principais despesas do baile) que ocupava com os amigos.
Conversar, ao som da orquestra, com as marchinhas cantadas a plenos pulmões pelos presentes, era impossível. Só podia fazê-lo nos raros intervalos entre uma seleção e outra. Entre as pessoas que brincavam, notei, de cara, uma morena, de cabelos longos e negros, olhos redondos, castanhos e muito expressivos, baixinha, mas de corpo escultural e perfeito, que sempre que passava pela minha mesa, me sorria. A princípio, sequer notei. Fui alertado, porém, por um dos amigos, de que a Colombina (ela usava essa fantasia) estava me dando bola. Durante duas seleções completas, trocamos sinais, piscadelas, sorrisos e beijos jogados no ar.
Num dos intervalos, convidei-a a vir à minha mesa. De imediato, nossas mãos se juntaram, nossos dedos se entrelaçaram, enquanto nossos pés trocavam carícias, escondidos pela toalha. Uma poderosa tensão percorreu todo o meu corpo, como se eu levasse uma descarga elétrica de mil volts ou mais.
Sem dizer palavra, saímos em direção a uma porta, que dava para um depósito do clube. Mal entramos no local, nos beijamos com paixão, com furor, com desejo e mais que isso, com fome de afeto e de sexo. E, apesar do perigo de sermos flagrados (ou exatamente por isso), nos despimos desesperados e ansiosos e fizemos amor como nunca antes (e nunca depois) havia feito ou fiz. Foi um delírio.
Assim que nos saciamos, sem dizer coisa alguma, voltamos, de mãos dadas, ao salão. Naquele momento, os foliões cantavam, a plenos pulmões, o “hit” daquele carnaval, “Máscara negra”, composição de Zé Kéti e Pereira Matos. “Tanto riso, oh quanta alegria/mais de mil palhaços no salão/Arlequim está chorando pelo amor da Colômbia/no meio da multidão”, ecoava a música pelas paredes, num volume ensurdecedor, que causava euforia e delírio. Olhamo-nos demoradamente e creio que nos sentimos como se fôssemos uma só pessoa, uma só alma em dois corpos, mediante a magia do amor. Pelo menos eu me senti assim.
“Foi bom te ver outra vez/ta fazendo um ano/foi no carnaval que passou/eu sou aquele Pierrô/que te abraçou/que te beijou meu amor...”, prosseguia a marchinha. Senti que a minha musa queria voltar a pular, para descarregar energias, que tinha de sobra e que agora pareciam multiplicadas, aliviada a tensão do desejo sexual.
“A mesma máscara negra/que esconde o teu rosto/eu quero matar a saudade/vou beijar-te agora, não me leve a mal/hoje é carnaval”. Ao chegar a esta parte da música, trocamos um longo, apaixonado, profundo e inesquecível beijo, que nos deixou sem fôlego, tão demorado que foi, e nos despedimos, sem qualquer palavra. Sem nomes, sem detalhes que nos identificassem um ao outro, sem nada. Nunca mais a vi e jamais soube de quem se tratava. Não fiquei sabendo, sequer, se morava no Rio ou se, como eu, estava apenas de passagem pela cidade. Nem se era casada, noiva, namorada, nada. Como diria Paulinho da Viola, “foi um rio que passou em minha vida” e me inundou de ternura e de paixão.
Por anos, voltei ao mesmo clube, na esperança de reencontrá-la ou de conseguir qualquer indicação, a mínima que fosse, a seu respeito: sobre quem era, que idade tinha, qual sua condição civil ou onde morava. Tudo em vão! Tratou-se de um amor brevíssimo de carnaval, fugaz como um piscar de olhos e, no entanto, “eterno...enquanto durou”. Quanta razão tinha o poetinha quando escreveu esse inspirado verso! De fato, Vinícius sabia das coisas! o civil ou onde morava, tudo em vue idade que tinha, qual a sua condiçm fviada a tens, fizemos amorva me dando bola.

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