No local do acidente,
retirado o corpo,
findo o burburinho
das explicações,
restou, esquecido,
um pé de sapato.
Apenas por ele
o poeta deduz
a identidade
do dono.
Cromo alemão,
número 39,
cor marrom,
de cadarço e
salto baixo.
O dono tinha posses,
era de meia-idade
e claudicava, dado
o lado mais gasto
do salto e do solado.
Era agitado e nervoso,
desses calados, neuróticos,
que vivem correndo,
sem motivo e nem razão...
Ambicioso,
às vezes cruel,
precocemente
grisalho,
fumava charuto
e tripudiava
os subalternos.
Era obeso,
pernas atrofiadas,
dadas ao conforto
de aceleradores
e de freios.
Ostentava título
de doutor.
Julgava-se importante.
Considerava-se sábio.
Mas na rua,
esquecido,
em sua condição
de objeto,
só resta
um pé de sapato.
Persigno-me,
respeitosamente,
encomendando
seu dono anônimo a Deus...!
(Poema dedicado a um desconhecido, morto em acidente de carro na Via Anhangüera, em frente da fábrica da 3M, em Sumaré, no dia em que foi composto: 14 de junho de 1974).
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