Friday, April 21, 2006
Sejamos líricos
Pedro J. Bondaczuk
As emoções, em geral, prescindem da companhia muitas vezes necessária (mas às vezes incômoda) da razão. Têm a sua própria dinâmica, sua lógica, seu espaço e seu tempo. Estas observações vêm a propósito de um episódio que protagonizei há 44 anos (parece uma eternidade e, no entanto, foi tão ontem!).
Em janeiro de 1961 fui a Porto Alegre, visitar parentes que há tempos não via. Tinha recém completado 19 anos de idade, aliás feitos durante a viagem. Estava, portanto, naquela fase de achar-me o dono do mundo, ou quase. Confiava poder conquistar tudo e todos. Estava imbuído daquela irresponsabilidade característica dos moços, que tanto pode conduzir a gestos de heroísmo, quanto a arroubos de loucura. Foi quando conheci uma mulher deslumbrante, absolutamente inesquecível.
Jamais conversei com ela. A seu respeito, fiquei sabendo somente o nome. Nada mais. Soube que ela estava interessada em meu primo Alexandre, de quem era vizinha, que não correspondia (que tolo!) ao seu interesse. Não trocamos nem ao menos um cumprimento, um olhar, um sorriso, um gesto de cumplicidade e entendimento.
Nunca, todavia – nem até então e nem mesmo depois, pelo menos até hoje – conheci pessoa mais bonita. Tratava-se de uma mulher esteticamente perfeita. Não havia um único traço, uma só linha, um detalhe que destoasse. Era toda harmonia. Chamava-se Jeudi, como soube através do meu primo.
Tinha uma combinação rara da delicadeza européia com o erotismo tropical da brasileira. Era morena, com profundos e claros olhos azuis e cabelos negros. Seu sorriso (ah! seu sorriso devastador!) iluminava-lhe o rosto. Não consegui esquecê-la nunca mais. Embora a visse somente a uma certa distância, observando-a em seus gestos naturais, provavelmente ela jamais sequer me notou. E no entanto... Ouso dizer, passados tantos anos, que ela é a paixão da minha vida.
Os objetivos, as pessoas essencialmente práticas (aquelas que Affonso Romano de Sant'Anna chama de "idiotas da objetividade"), devem estar rindo desta confissão juvenil feita por um homem, digamos, maduro. A estes, responderia com a exortação de Nelson Rodrigues: "Amigos, sejamos mais líricos e menos objetivos". Até porque, quem pode explicar o que se passa na alma humana?
Emoção racionalizada é como aquelas borboletas de colecionadores. Torna-se morta. Perde o mistério, a chama, o viço, a graça. Ainda hoje, tenho a imagem da Jeudi nítida, clara, viva e linda (lindíssima) na retina. Basta fechar os olhos para vê-la no esplendor dos seus 18 anos (ou seriam 17, 16, 15? Não importa!).
Nunca mais soube qualquer notícia dela. Hoje, provavelmente, está casada e deve ser avó. Se a encontrasse, certamente não a reconheceria. A mulher que amei foi aquela que ficou perdida num já distante janeiro de 1961, no bairro Passo da Areia, de Porto Alegre, onde morava a minha musa.
A esse propósito, vêm-me à memória os versos de um poema de Carlos Drummond de Andrade, que se não explica, justifica essa paixão que sequer foi platônica, podendo ser classificada como meramente "estética" e que peço licença para reproduzir:
"O amor antigo vive de si mesmo,/ não de cultivo alheio ou de presença./Nada exige nem pede. Nada espera,/mas do destino não nega a sentença./O amor antigo tem raízes fundas,/feitas de sofrimento e beleza./Por aquelas mergulha no infinito,/e por estas suplanta a natureza./Se em toda parte o tempo desmorona/aquilo que foi grande e deslumbrante,/o antigo amor, porém, nunca fenece/e a cada dia surge mais amante./Mais ardente, mas pobre de esperança./Mais triste? Não. Ele venceu a dor,/e resplandece no seu canto obscuro,/tanto mais velho quanto mais amor".
Dizem que o tempo tudo apaga. Isto, porém, é relativo. É mera generalização. Enquanto estivermos vivos, é incapaz de apagar nossas lembranças mais vívidas, mais lúcidas, mais marcantes. Distorce, é verdade, alguns de seus contornos. Desfoca a imagem e a torna diluída, esmaecida, como uma fotografia amarelada.
Mas o principal permanece. A emoção original fica até mais intensa, em decorrência da saudade. Quarenta e quatro anos... Não consigo me furtar de repetir os versos de Cora Coralina que dizem: "Eu nasci num tempo antigo/muito velho/muito velhinho, velhíssimo". Eu também...
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