Monday, April 10, 2006

Amigos sem se conhecer

Os meios de comunicação, fenômeno recente na vida das comunidades (o jornal diário, por exemplo, o mais antigo deles, tem menos de dois séculos de existência) adquiriram, a despeito de alguns desvios e imperfeições, enorme importância no mundo moderno. Trazem até nossos lares, todos os dias, acontecimentos de todos os tipos e toda a sorte de informações, úteis ou inúteis, permanentes ou descartáveis, benéficas ou prejudiciais. Projetam personagens em todas as áreas de atividade humana: políticos, economistas, financistas, esportistas, cientistas, artistas, tarados, ladrões, homicidas etc. Constroem, às vezes, falsos ídolos, de pés de barro, que acabam se esboroando. Mas ressaltam, igualmente, os verdadeiros.
Com o passar do tempo, os principais personagens de uma geração tornam-se familiares. Passamos a conhecer suas vidas, obras, idéias, sonhos e decepções. Os que têm afinidade conosco se transformam em nossos “amigos”, mesmo que não os conheçamos pessoalmente ou jamais os venhamos a conhecer. Vibramos com seus sucessos, lamentamos seus fracassos, os criticamos muitas vezes, lhes damos nosso carinho em outras. Estabelecemos com tais pessoas, de forma unilateral, sem a respectiva correspondência ou conhecimento por parte delas, uma relação de amor e ódio, dependendo das circunstâncias.
Quando algum desses ídolos morre, sentimos como se houvéssemos perdido um parente, tamanha é a familiaridade que adquirimos com eles. Daí a dor que o País sentiu quando das mortes de personagens tão díspares quanto Euríclides Zerbini e Dener; Ulysses Guimarães e Ayrton Senna; Roberto Burle Marx e Mário Quintana; Ronaldo Bôscoli e Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Com estas perdas, um pedaço de nós também morreu. Claro que passado o momento do impacto, tão logo esses falecimentos sejam substituídos, nos meios de comunicação, por outras comédias e tragédias do dia-a-dia, a maioria cai no esquecimento. Ou é lembrada apenas numa ou noutra ocasião.
A vida segue seu curso. Novos ídolos surgem. Mais alguns antigos desaparecem. Até que nós, também, enfrentemos o mistério, jamais respondido com certeza, sobre o que nos espera depois da morte. Se a consciência, que também é chamada de alma, se decompõe com o corpo ou se passa para outro estágio. Todas as respostas a esta dúvida até hoje sempre ficaram por conta da fé. Certeza ninguém jamais teve e provavelmente nunca terá. A morte de Tom Jobim – como as de Senna, Quintana, Ulysses, Burle Marx, Denner e Bôscoli – doeu em todos nós, que nos tornamos seus “amigos” por intermédio dos meios de comunicação.
Nada melhor para expressar esse sentimento de perda do que o trecho de uma crônica de Vinícius de Moraes que diz: “Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim. Ide ver vossos clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai tento, amigos meus...Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício de outros deveres este sagrado, do amor. Amai e bebei uísque. Não digo que bebais em quantidades federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém. Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido. Mas sobretudo não morrais, amigos meus!”. Fazemos eco com o “poetinha”.

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 71 a 73, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).

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