O ex-secretário-geral das Nações Unidas, Javier Perez de Cuellar, num relatório que divulgou em 1990, pouco antes de deixar o cargo, chamou a atenção da comunidade internacional para o problema do crime organizado, em especial para grupos especializados no narcotráfico. Enfatizou que seria esta a principal questão da década, muito mais difícil de ser resolvida do que o terrorismo, o fundamentalismo religioso e o nacionalismo extremado, três outras grandes fontes de tensões nacionais e mundiais. E estava absolutamente certo em suas avaliações. Depois de muito tempo de inércia e de pseudo-soluções, que não conduziram a nada, o mundo, finalmente, desperta para o perigo representado por essas organizações criminosas. A prova é a conferência patrocinada pelas Nações Unidas que foi realizada, em Nápoles, na Itália, em novembro de 1994.
O encontro, que reuniu representantes de 140 países, debateu formas para o combate – de maneira conjugada e cooperativa – eficaz do crime organizado, que na atualidade tem um faturamento anual maior do que os orçamentos nacionais da maioria dos Estados independentes do mundo. Nós, no Brasil, temos um enfático exemplo do perigo representado por essas quadrilhas, inclusive para o próprio poder constituído, no Rio, onde cerca de 1,5 milhão de pessoas foram mantidas por muito tempo como “reféns” de bandidos. A situação adquiriu tamanha gravidade, que foi preciso convocar as Forças Armadas para coordenar a “limpeza” nos morros, tarefa das mais espinhosas e, sobretudo, perigosas, pelas circunstâncias que envolveu.
O convênio entre os militares e os governos federal e estadual teve duração limitada, diríamos irreal, até 31 de dezembro de 1994. Todavia, o novo governador do Rio, Marcelo de Alencar, e o próprio presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, esticaram esse prazo por pelo menos um ano. Prometeram que as ações repressivas serão acompanhadas de providências no campo social, para que os favelados não tenham mais que recorrer a meios ilegais, diríamos “heterodoxos”, para obter assistência.
Nas favelas cariocas, os bandidos fazer o que competiria ao Estado fazer e, claro, não por uma questão de bondade ou solidariedade, mas com o objetivo de conquistar senão a simpatia, pelo menos a conivência ou o silêncio da comunidade. Financiam tratamentos médicos e dentários, pagam escolas, socorrem os que precisam de ajuda nas horas de maior necessidade, compram remédios etc. Quando não conseguem, nem assim, comprar a lealdade dos moradores dos morros, recorrem a execuções sumárias. Volta e meia, são descobertos cemitérios clandestinos nestas áreas, a demonstrar que os criminosos impõem uma espécie de “lei marcial” em seus feudos.
Daí as organizações criminosas terem conseguido fincar raízes tão profundas nesta parte da cidade, que tem uma população maior do que a de Campinas. Uma simples ação repressiva, como a invasão da área por parte dos militares, sem providências complementares, de caráter social, do Estado, não vai resolver o problema. Apenas conseguirá mascará-lo. A cada bandido que tombar, outro surgirá – mais perigoso e cruel do que o que foi neutralizado – para substituí-lo. O que é necessário é atacar as causas, e não apenas os efeitos, da marginalidade. Neste aspecto, o Rio pode ser um bom laboratório para desenvolver métodos eficazes de combate ao crime organizado no mundo.
(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 47 a 49, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).
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