Wednesday, March 08, 2006

Parceira sim, antagonista jamais

Pedro J. Bondaczuk


A data de 8 de março assinala o Dia Internacional da Mulher, celebrado, em várias partes do mundo, desde 1910. Muitos ainda agem, em pleno século XXI, como se a igualdade de direitos e deveres entre pessoas de sexo diferente fosse mera concessão masculina. Trata-se de mais uma atitude grotesca de discriminação de gênero, que embora punida pela lei, e enfaticamente negada pelos que a praticam (a grande maioria), permanece arraigada na mente tacanha de muita gente. Quem age dessa forma, vale-se da impunidade para sonegar direitos de quem deveria ser encarada, sempre, em toda e qualquer circunstância, como parceira e nunca como subalterna ou antagonista.
Ao contrário do que diz a letra de uma popular música "funk", "tapinha de amor" na verdade dói, e muito. Até porque, quem ama não agride, nem por ações e nem por palavras, e muito menos explora, mutila e mata sua parceira. Esse comportamento odioso, de agressão e de continuado desrespeito masculino em relação à sua companheira, prevalece no mundo todo. Em alguns países verifica-se, até, considerável aumento desses casos, que via de regra permanecem impunes.
Muitas autoridades consideram esses episódios meramente como "assuntos de família", e não como os graves delitos que são, passivos de punição aos agressores, e por isso, evitam de interferir, a menos que a vítima de espancamento venha a falecer. Daí a carência de estatísticas a respeito, em especial dos países islâmicos, asiáticos e da América Latina.
Mulheres têm sido condicionadas, ao longo da história – mesmo nestes tempos de globalização, em que têm cada vez mais acesso a todo o tipo de informação – desde meninas, à sujeição e à absoluta obediência ao homem, seja pai, irmão, namorado ou marido. São tratadas como subalternas, eternas crianças, sem vontade, responsabilidade e tirocínio para distinguir o bem do mal. Por medo, ou condicionamento, ou outra razão qualquer, sujeitam-se a essa situação absurda e até condicionam as filhas para agirem dessa forma.
Trata-se de questão até cultural, de arraigada mentalidade de dominação do suposto "sexo forte" sobre o alegado "sexo frágil", que precisa ser mudada, e logo, mediante amplas e repetitivas campanhas de conscientização, além da aprovação de leis muito mais duras e severas do que as atuais, e que, sobretudo, sejam rigorosamente cumpridas pelas autoridades, além de uma reação enérgica e sistemática por parte das vítimas.
Todavia, em vastas partes do mundo essa idéia de sujeição é, não somente mantida, como muitas vezes ampliada. Em 1995, por exemplo, os países islâmicos (cuja população somada gira ao redor de 1 bilhão de pessoas), divulgaram a doutrina da "Eqüidade Relativa". Ou seja, rejeitando a noção da igualdade de direito entre os sexos.
A tese em questão, inclusive, foi apresentada oficialmente, em conjunto pelas delegações muçulmanas, na "IV Conferência Mundial sobre a Mulher", organizada pela Organização das Nações Unidas, realizada de 4 a 15 de setembro daquele ano, em Pequim, na China. Na Índia, a palavra em sânscrito para "marido" significa "dono".
Mesmo quem não admite essa postura, a adota na prática, tanto nos países considerados potências, em termos políticos, econômicos, militares, sociais e culturais, quanto nos Estados atrasados e miseráveis da África e da Ásia, que integram o que se convencionou chamar de Quarto Mundo (nestes, evidentemente, em grau e intensidade infinitamente maiores).
Uma das formas mais cruéis (e no entanto mais comuns) de violação dos direitos humanos das mulheres é a discriminação social a que elas ainda são submetidas pelo mundo afora. Esse tipo de "agressão", fruto exclusivo do "machismo" e de arraigado preconceito, é extremamente perverso, pois além de comprometer o presente, arruína o futuro de quem é sua vítima, mantendo-a sob absoluta sujeição por toda a vida.
São raríssimas as pessoas que conseguem escapar dessa poderosa armadilha, principalmente se tiveram a infelicidade de nascer em países atrasados e carentes, mergulhados na miséria e na ignorância. Relatório recente, divulgado pelo Banco Mundial, revela que dos mais pobres do mundo, 70% ainda são mulheres! E a situação não dá mostras de reversão, pelo contrário.
É certo que da segunda metade do século XX em diante, as mulheres obtiveram miraculosas conquistas, sequer sonhadas apenas cem anos atrás por suas passivas e obedientes avós. Conquistaram, por exemplo, o direito de votar e de serem votadas. Passaram a freqüentar maciçamente as escolas, ascenderam às universidades, tomaram de assalto os laboratórios de pesquisa, as redações de jornais, os meios de comunicação em geral, onde, em muitos países (inclusive no Brasil), já chegam a se constituir em maioria. Foram, portanto, à luta e ganharam espaço crescente no mercado de trabalho.
Hoje, principalmente nos países de maior desenvolvimento econômico e social, ocupam, cada vez mais, posições de destaque e de poder, como empresárias, profissionais liberais, políticas etc. São médicas, astronautas e engenheiras. Comandam navios, pilotam aviões e fazem coisas inacreditáveis. São atletas bem-sucedidas, que nada ficam a dever aos homens. Tratam-se de vitórias nada desprezíveis, convenhamos. Mas ainda se constituem em gotas d'água em um oceano de desigualdades. Ainda estão anos-luz de distância da sonhada igualdade de direitos e de oportunidades.
A ex-deputada federal Iara Bernardi, do PT de São Paulo, observou, com muita propriedade, em artigo publicado no Correio Popular: "A mulher, no Brasil, continua a ser vista como uma extensão ou uma propriedade masculina, o que confere ao homem o pretenso direito de dispor de sua liberdade, de seu corpo e de sua vida". Essa idéia de dominação e de sujeição é que precisa ser combatida e substituída pela de parceria e cooperação, em estrito pé de igualdade. Parceira sim! Antagonista, ou subordinada, ou serva, ou subalterna, jamais!

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