A insegurança tem sido a minha marca registrada, principalmente na carreira que abracei, a de jornalista. Sou, há já 40 anos, editor, na maior parte, de jornal diário. Portanto, compete-me, dia após dia, fazer escolhas e apostar nelas. Não tenho condições de saber, com antecedência, os resultados do meu trabalho, permanentemente submetido a críticas e a julgamento, dada a sua própria natureza. Muitas vezes uma notícia que reputo não importante, na sua seqüência ganha grandes dimensões e repercussão em outros meios de comunicação, concorrentes daquele ao qual presto serviço. Quando isso acontece – e ocorre com mais freqüência do que eu possa desejar – sou chamado pelos superiores hierárquicos a dar explicações sobre a minha omissão.
Fica implícita., então, não uma diferença de opinião, mas minha suposta incompetência. Houve ocasiões em que fui repreendido, com a repreensão vindo acompanhada de ameaça velada de demissão. Ossos do ofício. Mas essa permanente tensão produziu-me um enorme desgaste. Condicionado por anos de caminhada nessa "corda-bamba", desenvolvi uma insegurança que me causa intenso sofrimento. Mas seria um problema exclusivamente meu? Não, claro que não! Este é mais um ponto de identidade que tenho com o poeta português Fernando Pessoa, daí ser ele um dos meus preferidos. Não apenas por sua inteligência e talento, mas sobretudo pela sinceridade.
Em um texto dele, copiado alhures, não me recordo de qual dos seus livros, o escritor confessa: "A constituição inteira do meu espírito é de hesitação e de dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim; todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo está cheio de significado. Todas as coisas são 'desconhecidas', simbólicas do Desconhecido. Em conseqüência, o horror, o mistério, o medo por demais inteligente".
É certo que essa insegurança evita a acomodação. Não costumo me empolgar com o aparente sucesso. Estou consciente de que jamais tomarei conhecimento do julgamento definitivo do que sou e do que faço. Este vai acontecer depois da minha morte. Caso minha vida e minha obra tenham sido medíocres, o veredito inexorável será o esquecimento absoluto. Passados dois, cinco, dez ou vinte anos do meu desaparecimento, ninguém, nunca mais, vai lembrar que existi.
Este é o preço que temos que pagar pela mortalidade. Daí tanta insegurança, hesitação e dúvida. Daí este medo me acompanhando a cada passo, quer nas horas de vigília, quer em meus sonhos, com tramas as mais esquisitas elaboradas pelo subconsciente. Outra característica que tenho, que Fernando Pessoa revelou ter também, é a mania dos adiamentos.
Planos tenho às centenas para a vida inteira (supondo que esta seja muito longa). Aliás, são tantos, que precisaria viver mil anos para executá-los todos. Todavia, não consigo pôr em prática nem mesmo os mais simples, que exijam menor esforço. Tenho um novo livro de contos planejado há alguns anos. No entanto...O mais provável é que ele seja escrito no momento em que menos estiver pensando nele, na base do impulso. A mesma coisa acontece em relação a tantos outros projetos simples, que se executados, aumentariam a minha chance de sucesso.
Mas acabo deixando tudo para um eterno amanhã, que nunca chega. Enquanto isso, a vida vai escoando, como um punhado de finíssima areia que se tome na mão fechada e que escape por entre os dedos. O que eventualmente vier a fazer, será por impulso. Apesar de ser um ato impulsivo e de eu não saber se a coletânea será ou não publicada algum dia, estes textos estão sendo elaborados em um clima opressivo de insegurança e de auto-insatisfação. Temo que minhas colocações sejam tolas, infantis e que não interessem a nenhum leitor, embora saiba que o julgamento deve ser deixado por conta de algum eventual editor.
Aliás, Fernando Pessoa publicou, sob o heterônimo de Álvaro Campos, um poema a esse respeito, intitulado "Adiamento":
"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã
e assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva
o sono da minha vida real, intercalado,
o cansaço antecipado e infinito,
um cansaço do mundo para apanhar um elétrico...
Uma espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado, mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo,
mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã..."
Também vou refazer os meus planos...Mas farei isso só depois de amanhã. Isto se a morte não chegar antes... amanhã... ou ainda hoje...ou quem sabe agora...
No comments:
Post a Comment