Monday, March 27, 2006

Desnutrição infantil

O Conselho de Segurança Alimentar divulgou, em fins de novembro de 1994, um estudo, bastante preocupante, sobre as conseqüências concretas da prolongada crise que o País vem enfrentando e da qual está prestes a sair, de acordo com projeções de economistas internos e externos. Anos e mais anos de desemprego crônico, de salários achatados e de instabilidade econômica produziram um quadro social assustador, que vai requerer atenção muito especial do presidente Fernando Henrique Cardoso. O citado relatório do Consea constatou um aumento considerável da desnutrição infantil no País. O drama, responsável pela elevada mortalidade de crianças de 0 a 5 anos de idade, tende a aumentar estas taxas, já compatíveis com países do chamado Quarto Mundo, se algo não for feito com competência e urgência.
Inúmeras vezes destacamos que o Brasil – provavelmente recordista mundial em desperdício – está desperdiçando, sobretudo, entre tantos outros bens, aquilo que tem de mais precioso: o futuro. Joga fora a infância do seu povo. A cada menino ou menina que morrem precocemente, uma esperança também se vai. Embora tal afirmação pareça frase de efeito, ou uma figura de retórica, desgraçadamente, não é. Antes fosse. É indispensável desenvolver a mentalidade de valorização da vida. É preciso alimentar, educar, instruir e dar oportunidades a milhões de brasileirinhos, relegados à miséria e ao abandono, em decorrência de anos de omissão.
A cada criança que morre, o Brasil fica mais pobre. O mundo fica. Trata-se de um ser humano – insubstituível, por ser único – que deixa de existir. O estudo do Consea estima, por exemplo, que dentre os 23,3 milhões de meninos e meninas, com até cinco anos de idade, 6,3 milhões vivem em estado de indigência. A renda de seus pais é de menos de um mísero salário-mínimo (R$ 70,00, um dos mais baixos do mundo). Daí não ser de se estranhar que sejam desnutridos. A desnutrição, antes restrita aos bolsões de miséria do Nordeste, avança rumo ao Sul do País. Hoje atinge áreas até prósperas, como Curitiba, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro.
A tarefa de reverter essa situação vexatória não é exclusivamente do governo, embora dele é que devam partir as diretrizes de uma política de assistência social consistente, não paternalista, e que não se limite à criação de um ministério específico para o setor – que fracassou rotundamente em sua função – ou entidades assistenciais oficiais que se revelem meras consumidoras de verbas, muitas vezes desviadas de sua finalidade para bolsos vorazes de alguns espertalhões.
A comunidade tem meios e o dever de fazer alguma coisa. Quer através de campanhas, como a que o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, vem desenvolvendo há algum tempo. Quer mediante cobranças às autoridades para que cumpram seu dever. Quer de forma individual ou participando de entidades beneficentes, que sejam honestas e atuantes. O que não podemos é assistir, passivamente, tantos irmãos brasileiros morrendo à míngua, enquanto lhes damos as costas. Patriotismo é também fazer alguma coisa pela nossa gente. Que Fernando Henrique Cardoso se sensibilize com o problema e faça um governo voltado para essa faixa da população, que por sinal é majoritária. Que a nossa “Belíndia”, pelo menos a médio prazo, possa se transformar apenas numa próspera Bélgica.

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 63 a 65, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).

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