Friday, March 31, 2006

REFLEXÃO DO DIA

Discordo de Sören Kierkegaard quando faz a seguinte indagação e na seqüência completa com esta amarga confissão: "O que trará o futuro? Não sei, nada pressinto. Se uma aranha, partindo de um ponto fixo, precipitar-se em direção a suas conseqüências, verá sempre um espaço vazio à sua frente, no qual em parte alguma poderá fincar pé, por mais que se debata. Assim é comigo: à minha frente, sempre um espaço vazio; o que me impele adiante é uma conseqüência situada às minhas costas. Esta vida é às avessas e medonha, insuportável". Não acho assim. Acho bom que haja esse vazio, para que eu o preencha com ação. Não creio em determinismos. Acredito poder atuar no que vai me acontecer. Não gostaria de saber o que há à minha frente. Se fosse coisa ruim, o sofrimento seria duplo: o antecipado ao fato e quando este ocorresse. Se fosse muito boa, perderia a delícia do fator surpresa. Só me importa o que posso, devo e vou fazer no presente.

De generalidades

Pedro J. Bondaczuk



O conceito de progresso está no rol daqueles ideais vagos que nutrimos, como felicidade, esperança, amor, etc. Para cada pessoa, esses conceitos têm um significado, uma definição, uma conotação, muitas vezes, diametralmente opostos. Tais palavras prestam-se, sobretudo, à retórica dos políticos e dos escritores pedantes. Ensejam a elaboração de textos pomposos, esteticamente bem colocados, porém sem preocupação com a substância. Progredir, para a maioria, continua sendo caracterizado pelo acúmulo de bens materiais, daquelas bugigangas que as pessoas acham que não podem prescindir, quando em verdade podem sobreviver muito bem sem elas.
Corman Burke fez a seguinte observação a esse propósito: "`Progresso' é uma palavra bonita, mas pode ter diversos significados. Será que uma sociedade está progredindo porque adquiriu a capacidade de produzir armas atômicas ou porque suas naves são capazes de chegar ao planeta Marte ou mais longe, ou por que podemos discar diretamente para a Austrália...? As técnicas de guerra podem ter progredido, a velocidade da comunicação intercontinental ou interplanetária pode ter progredido, mas...o homem estará progredindo? Esta é certamente a pergunta fundamental". A resposta às questões levantadas por Burke é, evidentemente, não!
Suponhamos, como muitos entendem, que progresso signifique avanço tecnológico, entre outras coisas. Como tudo na vida, tal evolução tem um preço, muitas vezes alto demais, proibitivo e, portanto, não compensador. É o caso, citado por Burke, da fabricação de armas nucleares. Ademais, o homem moderno está cada vez mais dependente das facilidades que criou. Hoje não se concebe mais uma sociedade dita civilizada que não disponha de eletricidade, de telefonia, de rápidos e eficientes veículos de transporte, dos meios de comunicação de massa, das redes de computadores, etc. Não sou retrógrado para negar os benefícios que estas maravilhas trouxeram para todos nós. Mas todas vêm acompanhadas de inconvenientes. Uns são mais graves, outros menos, contudo ainda assim aborrecidos.
Um caso que ocorreu comigo por estes dias ilustra bem o que quero dizer. Acostumei-me a escrever no meu micro e não troco este recurso por nenhum outro existente. Os textos saem limpos, as emendas podem ser feitas com a maior facilidade, e sua qualidade, por conseqüência, só tende a melhorar. Mas nem tudo é maravilhoso. Nem sempre o redator consegue alinhavar as palavras de forma medida, correta, exata, sem nenhuma fora de lugar e contexto, de maneira a produzir um conto, uma crônica, um poema ou um ensaio que beirem a perfeição, contendo os ingredientes indispensáveis para reter a atenção do leitor: originalidade, clareza, concisão, criatividade e interesse.
Pois bem, outro dia consegui um texto destes. Depois de concluído, nem acreditava na minha façanha. Li, reli, tornei a ler, voltei a reler, à procura de algum defeito, e... nada. Como não confiasse muito no meu critério de avaliação, pedi para vários companheiros de redação, com senso crítico bastante aguçado, que lessem a referida crônica. Houve unanimidade. Choveram elogios. Não houve um só que lhe apontasse qualquer defeito. Convenci-me, portanto, que de fato estava excelente. Como não costumo gravar na memória do micro (ou em disquete) cada parágrafo que escrevo, fazendo isso só quando acho que não deva fazer mais nenhuma emenda, não me preocupei. Havia uma visita à minha espera e fui atendê-la, deixando o texto aberto na tela.
Qual não foi a minha frustração, porém, quando uma pane na rede apagou tudo, absolutamente tudo o que eu havia escrito! Provavelmente a minha melhor crônica desapareceu do mapa, do mundo, do universo em fração de segundos. Por melhor que seja a minha memória, não me sentia capaz de a reconstruir. E de fato não consegui. Como se vê, a moderna tecnologia é de fato fantástica e facilita em tudo a nossa vida. Mas cobra um preço muito alto, em alguns casos até intolerável. No meu caso (exageros à parte) pode ter suprimido a minha imortalidade enquanto escritor.
Voltando ao assunto "progresso", tenho a convicção de que somente estou progredindo não quando estou ganhando bastante dinheiro, multiplicando os meus bens e subindo na escala social. Evoluo quando melhoro minha capacidade de entender o que vejo, ouço ou leio (inteligência). Quando desenvolvo a minha criatividade e produzo melhor. Quando aperfeiçôo meus relacionamentos com as pessoas e torno-me cada vez mais apto a servir sem nada querer em troca. A riqueza, o prestígio e a fama são meras conseqüências dessa evolução. E, no entanto, também têm um preço...

Thursday, March 30, 2006

REFLEXÃO DO DIA

As pessoas não dogmáticas, com sede e fome de conhecimento, que se mantêm permanentemente ligadas ao mundo, dispostas a aprender tudo o que possam, são as que têm as maiores chances de mudar, sem que tais mudanças impliquem em traumas. Claro que a incerteza dita o destino humano. Agora estamos vivos. No segundo seguinte, poderemos não estar mais. E a vida – embora espiritualistas garantam que não, baseados apenas nas próprias convicções – não tem reprise. Se tivesse, a humanidade não estaria privada dos gênios e santos que com suas ações e exemplos fizeram o homem evoluir e que tanta falta fazem hoje, como Sidarta Gauthama, Maomé, São Francisco de Assis, Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e tantos e tantos outros, que assumiram missões de grandeza, santidade e sabedoria e as cumpriram sem vacilar.

Passeio ao sol

Pedro J. Bondaczuk



"A minha alma sai ao sol, em um passeio pelos laranjais em verde e ouro do pomar da fazenda do vovô“. Minha memória vaga, preguiçosa, sem pressa, por entre o trigal dourado, tendo por pano de fundo um céu de intenso azul". Este trecho de reminiscências da infância, da minha Horizontina natal, na coxilha gaúcha, encontrei em um dos meus vários diários.
Traz-me à mente o desejo que sempre tive de ser pintor, embora jamais mostrasse o mínimo talento para essa arte (ou para qualquer outra). Aprecio o contraste de cores. Admiro o jogo inteligente de luz e sombra, característico dos mestres flamengos, que dão a sensação de movimento. Invejo esses criadores de beleza.
Tenho em casa a reprodução de uma tela, em estilo clássico, de um pintor francês que passou pelo Brasil no início do século passado, e que influenciou toda uma geração, Nicolas Antoine Taunay. O original integra o acervo do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Trata-se do quadro denominado "Pastoral", pintado em óleo sobre madeira.
Aliás, percebe-se que o aspecto suave e luminoso de suas produções tem muito de influência do nosso País. Na referida obra é fascinante se ater aos detalhes. Virtualmente, a tela não tem espaços vazios. No alto e nas laterais, o artista preencheu-a com árvores. Ao centro, algumas vacas e vinte pastores, entre homens, mulheres e crianças. Dois deles tocam flauta, enquanto algumas moças dançam.
Entrevê-se apenas uma nesga de céu. Há muitas sombras e a luz solar refletindo-se nas folhas. Impressionante é a sensação de luminosidade que o artista passa ao espectador. A cena toda parece ter vida, movimento, alma. Representa que se está olhando por uma janela e vendo o que está ocorrendo lá fora. Tem-se a sensação, até, de se ouvir o som da flauta.
Trata-se de uma obra que não se pode limitar a olhar. É preciso sentir o clima. Transportar-se, em imaginação, para o lugar. Fotógrafo algum, por mais perito que seja, utilizando os mais sofisticados recursos de sua profissão, conseguiria os efeitos desse quadro. E pensar que ele saiu da imaginação de um artista! Bendito talento de recriar a vida! É mais ou menos o que os poetas procuram fazer, mas com instrumental mais rústico e precário: o das palavras.
Alguns escritores extremamente talentosos conseguem passar ao leitor essa sensação de vida. Seus textos, quando lidos e sentidos, desenham imagens nítidas, fortes, vigorosas em nossa mente, bastando que fechemos os olhos para dar asas à nossa imaginação.
Um exemplo enfático é este trecho do livro "Correspondência", de Gustave Flaubert: "Experimentei algumas vezes (nos meus grandes dias de sol), no esplendor do entusiasmo que me dava arrepios, do calcanhar à raiz dos cabelos, um estado de alma superior à vida, ante o qual a glória não seria nada, e a própria felicidade inútil". Classificaria essa sensação de "metafelicidade". Ela vai muito, muitíssimo além do simples "estar feliz". Senti-me inúmeras vezes dessa forma, embora jamais tenha conseguido expressar a experiência com essa elegância do mestre francês.
Ainda consigo alcançar esse estado de graça sempre que estou em contato com a natureza. Mesmo na cidade grande, onde a vida adquire coloração gris e as emoções acompanham-na, tenho tido esses lampejos. Em manhãs luminosas, aguardando a hora de dirigir-me ao trabalho, sinto o ar embalsamado de perfumes.
Ouço o canto dos bem-te-vis, que existem em grande quantidade em Campinas. Percebo o quanto estou fora do meu verdadeiro meio. Sou um homem telúrico, ligado à terra, onde finco minhas raízes. Nasci num lugar muito bonito da coxilha gaúcha, sem o burburinho da metrópole e nem as suas complicações. Por aqui, minha alma não consegue sair ao sol, em um pomar verde e ouro. Resta-me apenas o consolo estético da reprodução da "Pastoral" de Taunay...

Wednesday, March 29, 2006

REFLEXÃO DO DIA

Não temos condições de deter nenhuma mudança, boa ou má. O processo foge de nosso controle. O que podemos fazer é apenas nos adaptarmos a elas. O homem, se quiser legar um mundo melhor às gerações futuras, deve interferir positivamente no meio ambiente, preservando o mais que possa os delicados e frágeis ecossistemas. Precisa respeitar as leis da natureza, que regem a sua própria existência. Hoje a Terra corre o risco do chamado "efeito-estufa", perigoso aquecimento planetário, capaz de provocar uma catástrofe de dimensões imprevisíveis para todos os seres vivos. O Planeta, se isso acontecer, tem condições de se regenerar. A vida? Jamais! A natureza "se defende" dos depredadores e o ser humano é o seu elo mais frágil, embora não se dê conta dessa realidade.

A ponte da imaginação

A imaginação, ou seja, o pensamento através da projeção de imagens na mente, é a base da inteligência. Esta, por definição, nada mais é do que a capacidade de "entender" tudo o que nos cerca, o que vemos, ouvimos, apalpamos, cheiramos e lemos e até o que não existe, "criado" pela nossa mente. Podem ser coisas, pessoas, animais, vegetais, aves ou peixes, não importa. Também podem ser conceitos: tanto os aprendidos por experiência pessoal, quanto os ensinados por alguém, os herdados. Ou os elaborados por nós. É mais inteligente quem consegue entendimento melhor dos mundos concreto e abstrato. Alguns tentam medir a inteligência, o que nos parece uma fantasia, mera abstração. E inútil.

Já a imaginação é a matéria-prima por excelência do artista, qualquer que seja a sua arte. O pintor e o escultor criam com ela maravilhas visuais, ou reproduzem simplesmente o que vêem. O músico vale-se das combinações de sons, "falando" mais às emoções do que ao intelecto.

E o escritor tem como desafio criar, tendo como instrumento essa coisa frágil, e no entanto poderosa, que é a palavra. Com apenas 26 sinais gráficos, denominados letras, conseguimos expressar tudo o que existe e até o inexistente, ou seja, as fantasias e projeções.

Todo o homem tem em si um artista, embora muitas vezes não pareça que seja assim. Ocorre que alguns sufocam esse pendor natural, voltados que estão para coisas aparentemente mais importantes, mais "sérias" e que, na verdade, quando submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam supérfluas, triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência.

O mexicano Octávio Paz lança um pouco mais de luz nessas nossas digressões ao constatar: "A imaginação é a faculdade que associa e estende pontes entre um objeto e outro, por isso é a ciência das correspondências".

Criamos milhares, milhões, bilhões de mundos novos (concretos ou abstratos) apenas com as imagens que temos arquivadas no cérebro, que podem ser até em pequenas quantidades. Jogamos com suas variações nesse processo de criação. Ora mudamos suas formas, ora sua textura, ora sua cor, ora seu tamanho, etc. Tudo isso em nossa mente.

A literatura, por uma série de razões, é a mais complexa e refinada das artes. Principalmente, quando é boa, pois para adquirir essa excelência, o autor contou com uma série de fatores limitantes, entre os quais os temáticos.

Através da criação de imagens, elaboramos enredos de romances, contos, novelas, peças teatrais e roteiros de cinema. Nos três primeiros casos, deixamos por conta dos leitores a recriação em seu painel mental dos cenários, dos personagens e das ações que criamos. E cada qual reproduz com detalhes próprios, de acordo com a sua realidade, o que escrevemos.

É provável que não haja duas dessas reproduções exatamente iguais. "Recria" o nosso texto, tornando-se seu cúmplice, seu co-participante, seu co-autor. Daí entender perfeitamente o que Jorge Luís Borges quis dizer ao sentenciar: "Tenho orgulho não dos livros que escrevi, mas daqueles que li". Ou seja, de cuja "recriação" participou e que se incorporaram ao seu acervo intelectual.

O mesmo Octávio Paz, que citamos acima, raciocina: "Talvez a literatura tenha apenas dois temas: um o homem com os homens, seus semelhantes e seus adversários, outro, o homem só frente ao universo e frente a si mesmo. O primeiro tema é o do poeta épico, do dramaturgo e do romancista; o segundo, o do poeta lírico e metafísico".

Wilson Luiz Sanvito, no artigo "Releitura do Bruxo do Cosme Velho", publicado no "Caderno de Sábado" do "Jornal da Tarde" em 28 de maio de 1994, explica: "A civilização da escrita apresenta o mundo na forma de conceitos, enquanto a civilização da imagem, na forma de objetos. Eu acredito mais no olho que lê do que no olho que vê. A matéria lida impõe reflexão e a dúvida metódica, enquanto a matéria vista rapidamente se volatiliza". E mesmo quando não se desfaz, a mente perde detalhes, nuances, tonalidades. Daí a nossa tese de que a imaginação é a base da inteligência. Ou não? Afinal, é indispensável que sempre deixemos um espaço para a dúvida em nossas conclusões.

Tuesday, March 28, 2006

REFLEXÃO DO DIA

Devemos ser sempre sutis em nossas críticas, por mais que os criticados as mereçam. Um bom exemplo do uso de sutileza, na crítica de determinado comportamento, é esta observação de Josh Billings: "Existem pessoas tão afeitas ao exagero que não sabem dizer uma verdade sem mentir". Ou esta de Umberto Eco, sobre intelectuais que fazem o possível para aparecer, mesmo que para isso precisem prostituir as idéias e abrir mão das convicções: "Há estudiosos que sabem tornar o seu silêncio sonoro". Uma pessoa prática, e sobretudo educada, nunca faz críticas destrutivas a quem esteja tentando, sinceramente, construir. E mesmo as construtivas, só as faz a quem esteja disposto a ouvir e aproveitar a correção de rumo. Abster-se de criticar quem não merece criticas, ou não pediu nossa opinião, é o caminho mais seguro para conquistar e conservar amizades.

Busca de ideais

Pedro J. Bondaczuk


O homem não pode viver – no sentido mais amplo do termo, ou seja, o de ter uma vida "civilizada", com qualidade – se não tiver um ideal, por mais absurdo que este seja. Precisa de motivação, seja ela qual for – a imposição de uma fé, a obtenção de riquezas, a satisfação da carne, a conquista do poder ou o reconhecimento intelectual, não importa – para que possa se empenhar, agir, fazer, ser. No confronto com a realidade, muitas vezes somos lançados em crises existenciais agudas ou crônicas, que podem durar uma hora, um dia, um mês, um ano ou mesmo até a hora da nossa morte, que não sabemos (felizmente) qual é. Compete-nos reagir contra a tentação de manter o tempo todo os pés no chão.
Precisamos da fantasia para sobreviver enquanto seres pensantes. Aquela que é a matéria-prima das artes e a consoladora mor dos homens. Ninguém resiste à realidade absoluta. É como olhar diretamente para o Sol. Ela nos cega e até nos mata. Há um poema de Raul Leoni que não me canso de citar em minhas crônicas, que diz, em determinado trecho: "O homem desperta e sai, cada alvorada,/para o acaso das coisas...E, à saída, /leva uma crença vaga, indefinida,/de achar o Ideal em alguma encruzilhada..." Alguns conseguem e abraçam-no ferozmente, para que não mais escape. Outros prosseguem nessa busca incansável, dia após dia, ano após ano, em vão. Mas a simples procura já lhes preenche a vida.
Há os que teimam em se ater ao real, ao concreto, ao absurdo que é esta existência, cujo objetivo verdadeiro ninguém conhece com certeza. São uns infelizes. São amargos, maldosos, mesquinhos. São dignos de dó. Para o quê o homem nasce? Para purgar hipotéticos pecados que, ademais, não pode ter cometido no ventre da mãe? Para através do sofrimento adquirir o direito a uma "vida eterna", alhures, em algum lugar do espaço, chamado, de forma vaga e indefinida, de "céu"? Para simplesmente existir, sem qualquer razão superior? Pode ser que sim...pode ser que não...
Certeza mesmo ninguém tem de coisa alguma. Precisamos sonhar para dar algum sentido a isto que aí está. Temos que "criar" a nobreza de uma suposta finalidade para a nossa vinda ao mundo. E isso tem que ser feito, principalmente, se não houver alguma e se não passarmos de frutos do acaso. Se não formos mais do que um, em milhões de espermatozóides, que venceu a corrida para fecundar um, dos múltiplos óvulos, e desta forma ganharmos o prêmio (ou castigo?) de existir.
A arte é o caminho para a conquista dessa grandeza. E esta nunca se faz com os pés no chão. Fernando Pessoa tem um texto extraordinário a esse propósito. Diz o escritor dos heterônimos: "Os realistas realizam pequenas coisas, os românticos, grandes. Um homem deve ser realista para ser gerente de uma fábrica de tachas. Para gerir o mundo deve ser romântico. É preciso ser realista para descobrir a realidade; é preciso ser romântico para criá-la".
Se a vida não tem qualquer sentido, nos compete lhe darmos algum. Se a religião não passa de mera projeção dos desejos humanos, assumamos a ilusão de que há algum tipo de Paraíso, de sobrevivência eterna, para o que convencionamos chamar de alma. Se a morte é definitiva, façamos tudo o que pudermos para preservar pelo menos nosso nome na memória das gerações vindouras, para que não desapareçam todos os vestígios da nossa em geral sofrida existência. É nosso papel darmos um sentido – se de fato não houver algum – à vida.
Sinto que os artistas do meu tempo estão perdendo a rota. Competem, por exemplo, com o jornalista, no afã de recriar a realidade através da sua ficção. Mesmo a poesia, que é sentimento, alma e emoção, se torna "concreta", feita de tijolo, cimento e asfalto. Agora é crua, amarga e dolorida. Não mais atinge a sensibilidade. Atém-se, simplesmente, à razão. Os poetas estão fazendo concessões à realidade. Com isso perdem a graça, o charme e o encanto. Trocam as asas do condor pelas inúteis patas dos répteis.
Mas Fernando Pessoa nos ensina: "A poesia encontra-se em todas as coisas – na terra e no mar, no lago e na margem do rio. Encontra-se também na cidade – é evidente para mim, aqui, enquanto estou sentado. Há poesia nesta mesa, neste papel, neste tinteiro; há poesia no barulho dos carros nas ruas, em cada movimento diminuto, comum, ridículo, de um operário que do outro lado da rua está pintando a tabuleta de um açougue (...) É que poesia é espanto, admiração, como de um ser tombado dos céus, a tomar plena consciência de sua queda, atônito, diante das coisas. Como de alguém que conhecesse a alma das coisas, e lutasse para recordar esse conhecimento, lembrando-se de que não era assim que as conhecia, não sob aquelas formas e aquelas condições, mas de nada mais se recordando". Poesia é o meu ideal. É aquele que procuro encontrar, a cada manhã, em "alguma encruzilhada". A arte o é...O sonho o é...A fantasia o é...E o ópio da ilusão também...

Monday, March 27, 2006

REFLEXÃO DO DIA

Apregoa-se, a todo o momento, em especial nas artes, (colocando-a como um dogma), a "modernidade". E o que é ser moderno? Cada pessoa tem uma definição para esse conceito (bastante vago), de acordo com o seu grau cultural e sua formação. "Ah, é ser novo", dizem alguns. "É ser jovem", asseguram outros, como se a juventude fosse eterna e se constituísse em virtude, e não em mera condição biológica, que, por conseqüência, é transitória. Prefiro a forma de encará-la de Carlos Drummond de Andrade. Para o poeta – que mesmo depois de morto jamais perdeu a modernidade – melhor é ser "eterno". Como Virgílio. Como Píndaro. Como Ovídio. O que há de arcaico, de ultrapassado, de imprestável nestes gênios clássicos? Qual o garoto de hoje, (supostamente "moderno") consegue expressar as delícias e sofrimentos do amor com maior ternura, malícia, picardia e beleza do que esses escritores antigos, antiqüíssimos, anteriores ao nascimento de Cristo? Qual?

Desnutrição infantil

O Conselho de Segurança Alimentar divulgou, em fins de novembro de 1994, um estudo, bastante preocupante, sobre as conseqüências concretas da prolongada crise que o País vem enfrentando e da qual está prestes a sair, de acordo com projeções de economistas internos e externos. Anos e mais anos de desemprego crônico, de salários achatados e de instabilidade econômica produziram um quadro social assustador, que vai requerer atenção muito especial do presidente Fernando Henrique Cardoso. O citado relatório do Consea constatou um aumento considerável da desnutrição infantil no País. O drama, responsável pela elevada mortalidade de crianças de 0 a 5 anos de idade, tende a aumentar estas taxas, já compatíveis com países do chamado Quarto Mundo, se algo não for feito com competência e urgência.
Inúmeras vezes destacamos que o Brasil – provavelmente recordista mundial em desperdício – está desperdiçando, sobretudo, entre tantos outros bens, aquilo que tem de mais precioso: o futuro. Joga fora a infância do seu povo. A cada menino ou menina que morrem precocemente, uma esperança também se vai. Embora tal afirmação pareça frase de efeito, ou uma figura de retórica, desgraçadamente, não é. Antes fosse. É indispensável desenvolver a mentalidade de valorização da vida. É preciso alimentar, educar, instruir e dar oportunidades a milhões de brasileirinhos, relegados à miséria e ao abandono, em decorrência de anos de omissão.
A cada criança que morre, o Brasil fica mais pobre. O mundo fica. Trata-se de um ser humano – insubstituível, por ser único – que deixa de existir. O estudo do Consea estima, por exemplo, que dentre os 23,3 milhões de meninos e meninas, com até cinco anos de idade, 6,3 milhões vivem em estado de indigência. A renda de seus pais é de menos de um mísero salário-mínimo (R$ 70,00, um dos mais baixos do mundo). Daí não ser de se estranhar que sejam desnutridos. A desnutrição, antes restrita aos bolsões de miséria do Nordeste, avança rumo ao Sul do País. Hoje atinge áreas até prósperas, como Curitiba, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro.
A tarefa de reverter essa situação vexatória não é exclusivamente do governo, embora dele é que devam partir as diretrizes de uma política de assistência social consistente, não paternalista, e que não se limite à criação de um ministério específico para o setor – que fracassou rotundamente em sua função – ou entidades assistenciais oficiais que se revelem meras consumidoras de verbas, muitas vezes desviadas de sua finalidade para bolsos vorazes de alguns espertalhões.
A comunidade tem meios e o dever de fazer alguma coisa. Quer através de campanhas, como a que o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, vem desenvolvendo há algum tempo. Quer mediante cobranças às autoridades para que cumpram seu dever. Quer de forma individual ou participando de entidades beneficentes, que sejam honestas e atuantes. O que não podemos é assistir, passivamente, tantos irmãos brasileiros morrendo à míngua, enquanto lhes damos as costas. Patriotismo é também fazer alguma coisa pela nossa gente. Que Fernando Henrique Cardoso se sensibilize com o problema e faça um governo voltado para essa faixa da população, que por sinal é majoritária. Que a nossa “Belíndia”, pelo menos a médio prazo, possa se transformar apenas numa próspera Bélgica.

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 63 a 65, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).

Sunday, March 26, 2006

REFLEXÃO DO DIA

"As pessoas acreditam que suas vidas são diferentes das demais". A afirmação é do político socialista britânico, Harold Laski. É evidente e até redundante que nem todos vivem de maneira absolutamente igual. A realidade de cada um depende de uma extensa série de fatores: da classe social a que cada um pertence, da família de onde procede, da educação que recebeu, do país em que vive etc. Todavia, nem por isso se pode afirmar que haja no mundo alguém com trajetória absolutamente original. Todos compartilhamos sonhos, alegrias, decepções, esperanças, frustrações etc. etc. etc., com indivíduos que têm vidas bastante semelhantes à nossa. É certo que semelhança não significa igualdade. Mas nem mesmo o aspecto físico garante absoluta originalidade a quem quer que seja. São inúmeros os casos de sósias, sem que qualquer espécie de parentesco os vincule.

Crescimento e caos social

Pedro J. Bondaczuk


O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de divulgar dados muito positivos dando conta de que a economia brasileira cresceu, no primeiro trimestre deste ano, 5,7% em relação ao mesmo período de 1993. Constatou que houve expansão em quase todos os setores, mesmo com o País batendo novos recordes de inflação.

Teoricamente, o resultado da pesquisa da instituição mereceria comemoração por parte dos cidadãos, já que essa evolução favoreceria a todos. Mas não é isso o que ocorre. Para a grande maioria dos brasileiros, não há razão alguma para alegria, nem com a safra recorde, nem com o aumento da produção industrial e sequer com a elevação do Produto Interno Bruto.

A agricultura, por exemplo, teve uma expansão de 11% no período, de acordo com o IBGE, mas nunca os alimentos estiveram tão inacessíveis às famílias de parcos rendimentos, a absolutíssima maioria, quanto agora. A economia cresceu, mas a mortalidade infantil, especialmente no Nordeste, também apresentou crescimento, de acordo com recente estudo divulgado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

O PIB dos últimos 12 meses já apresenta uma taxa de expansão acumulada de 5,3%, o que indica que o País retomou a trilha do desenvolvimento. Ocorre que, como aconteceu na época do propalado "milagre econômico", o enriquecimento está longe, muito distante de beneficiar os que geram essas riquezas.

O bolo cresce, mas são pouquíssimos os que o comem. Seria um fato digno de comemoração caso não houvesse 8 milhões de pais de famílias desempregados, sem recursos para proporcionar uma vida pelo menos decente para eles e seus filhos.

Seria uma notícia que mereceria festas, com rojões, bandeiras e até samba nas ruas, não existissem 7,5 milhões de meninos e meninas abandonados.

Houve tempos em que indicadores desse tipo despertavam, de fato, esperanças nos habitantes do "eterno" país do futuro. Hoje não. Tudo tem limites, até a esperança. Hoje, diante do caos social que se tornou visível e que prescinde de dados estatísticos ou de estudos e relatórios para ser verificado --- para sua constatação basta um giro, com os olhos abertos, pelas ruas das cidades --- dados como esse não impressionam ou causam irritação, por mostrarem até que ponto o egoísmo está arraigado em nossa sociedade.

Põem a nu a impropriedade do modelo de desenvolvimento que o Brasil adotou, elaborado por outros em Washington ou nas capitais européias, e que nos foi imposto sem que nossos administradores, num raro rasgo de patriotismo e bom senso, esboçassem a mínima reação para impedir.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de junho de 1994).

Saturday, March 25, 2006

REFLEXÃO DO DIA

James W. Kennedy dizia, com muita sabedoria, que “o que realmente importa é o que acontece em nós, e não a nós”. É esta integridade de espírito, esta riqueza interior, que devemos cultivar, para nos servir nos anos mais difíceis da nossa existência. Estas têm que ser as armas ao nosso dispor para quando nossos músculos já não obedecerem, com prontidão, as ordens emanadas pelo cérebro, para quando nossos olhos não enxergarem com a mesma acuidade da juventude, para quando nossos ouvidos já não captarem os sons com a mesma nitidez dos bons tempos e quando o nosso raciocínio levar um tempo enorme para “esquentar”. Envelheçamos, sim, pois esta é uma fatalidade biológica. Mas o façamos com picardia e, sobretudo, com dignidade. Mesmo que isso nos custe um esforço sobre-humano. É com essa consciência que celebrei, hoje, mais um aniversário. Sejamos, até o derradeiro segundo de vida, os senhores do nosso destino!

Ternamente

Ternamente,
tome, de minhas mãos,
a dádiva rubra
que um dia, com devoção,
guardei para lhe dar
ternamente.

Ternamente,
lance luz na minha alma,
varrendo o pó e a sujeira
que se acumulam no chão.
Conserte as paredes que ruem,
depredadas pelo Tempo,
marcadas pelo desgosto,
borradas de solidão.

Fale-me de flores,
mostre-me flores,
oferte-me flores.
Seja, você também,
uma flor rubra
de carinhos e de sonho,
assim, de mansinho,
ternamente.

Ternamente,
acompanhe meus passos,
vacilantes e incertos,
pelos campos abertos da noite,
para colhermos estrelas,
de ilusão e de fantasia,
assim, com carinho,
ternamente.

Ternamente,
da nossa imensa dor,
sublimada, tornada luz,
reproduzamos o infinito
no milagre misterioso
da multiplicação,
assim, com amor,
ternamente.

(Poema composto em Campinas, em 9 de abril de 1967).

Friday, March 24, 2006

REFLEXÃO DO DIA

O filósofo Edmund Burke constatou: "Aquele que nos combate fortalece nossas energias e aguça nosso potencial. Nosso adversário é nosso salvador". Orígenes Lessa, no livro "O Feijão e o Sonho", afirma, com outras palavras, basicamente o mesmo: "A glória combatida é a verdadeira glória". Intelectuais que não causam polêmica, acabam por desaparecer e por mergulhar no esquecimento. Se não despertam inveja nos medíocres, é porque não têm talentos. Ou são incapazes de fazê-los reluzir. O vencedor é alvo permanente de ataques mesquinhos e de tentativas constantes de destruição. E é isso o que ressalta a sua grandeza.

Cada uma!

Pedro J. Bondaczuk


O noticiário diário dos meios de comunicação é uma fonte inesgotável de inspiração para os que ganham a vida escrevendo ficção. Parece brincadeira, mas não é. Os fatos noticiados por jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão e portais e blogs da internet são tão insólitos, tão surreais, tão absurdos, que parecem ser engendrados por um cérebro delirante. No entanto...não são. Há umas três décadas, fui encarregado de escrever uma coluna, para um suplemento dominical do Diário do Povo de Campinas (que, se não me engano, se chamava “Jornal do Lar”), apenas com notícias desse tipo, extraídas da mídia impressa, acompanhadas de um comentário jocoso da minha parte. Foi um sucesso!
Os leitores duvidavam que os fatos abordados fossem verdadeiros. Atribuíam-nos à minha suposta capacidade inventiva. E os colegas de redação olhavam-me com espanto e com respeito, secretamente invejando a minha “criatividade” (que, convenhamos, nem mesmo existia). Eu me limitava a comentar, com bom-humor é verdade, a realidade, e nada mais. Na ocasião, eu mantinha um banco para catalogar esses fatos – reitero, pinçados do noticiário – cuja seleção tinha dificuldades de fazer, tão malucos e surrealistas que eram.
Quando troquei o Diário do Povo pelo seu então concorrente, o Correio Popular (hoje ambos pertencem a uma única organização, a Rede Anhangüera de Comunicação), a coluna deixou de ser publicada e não tardou muito para que também o suplemento que a abrigava deixasse de circular. Ensaiei, várias vezes, me desfazer desse banco de ocorrências insólitas, por sua inutilidade. Todavia, por desorganização, a cada arrumação que encetava nas gavetas do meu arquivo me desfazia de informações que mais tarde me faziam falta, mas estas teimosamente permaneciam ali.
Tenho, agora, esse material em mãos. Até por dilentantismo, resolvi atualizá-lo. E só de notícias, envolvendo ladrões distraídos, cataloguei duas, e recentíssimas, de há alguns parcos dias. Uma delas ocorreu em Campinas. Um “amigo do alheio” invadiu uma residência, em um bairro de classe média da cidade, na qual fez uma “limpeza em regra”. Na fuga, todavia, esqueceu, sobre o sofá da casa, sua “ferramenta de trabalho”. Ou seja, deixou um revólver, calibre 38, com a numeração raspada, para trás.
Mais trapalhão, ainda, porém, foi o ladrão que roubou o caixa de uma lotérica de Bauru, interior de São Paulo, utilizando para isso uma arma de brinquedo. Toda a ação foi registrada pelas câmeras do circuito interno de TV do estabelecimento. Mas sequer seria necessário. Na fuga, o indivíduo esqueceu (vejam só) seu currículo, com documentos, endereço, foto, os cambau. Só com isso, já facilitou, sobremaneira, o trabalho da polícia. Mas sua trapalhada foi ainda mais longe. O bandido trapalhão voltou ao local do crime para tentar recuperar o que havia esquecido. Foi preso no ato, claro. As imagens gravadas não deixavam a mínima dúvida sobre a autoria do crime.
Que escritor conseguiria criar um enredo desses? E se criasse, certamente seria acusado de fantasiar demais, de faltar verossimilhança à sua história. No entanto...Como esses, há casos até muito mais incríveis, e no entanto, verdadeiros. Um deles aconteceu em Frankfurt, na Alemanha. Em determinada noite, os vizinhos de um homem de cerca de 30 anos, que morava sozinho no bairro, cujo comportamento era considerado “estranho”, foi visto saindo, furtivamente, de sua casa, na penumbra, carregando nos ombros o que à distância parecia ser um cadáver de mulher.
O sujeito se esgueirou junto ao muro, evitando os locais mais iluminados, olhando apreensivo para um lado e para o outro e se dirigiu rumo a um vasto terreno baldio das redondezas. As testemunhas não tiveram dúvidas: chamaram, incontinenti, a polícia. Diante das autoridades, o cidadão, constrangido, se explicou. Não era nenhum criminoso tentando esconder a prova do crime. Ocorre que, como fosse uma pessoa extremamente tímida (e por isso solitária), mantinha em casa uma dessas bonecas infláveis, vendidas em pornoshops, para se satisfazer sexualmente. Justamente na véspera, havia comprado uma nova, de modelo mais atualizado, e resolveu jogar a antiga no lixo. Mas, na pressa, se esqueceu de desinflar a boneca. Vai daí...
Eu poderia reproduzir dezenas dessas notícias, cada uma mais insólita (ou maluca?) do que outra. Não o farei. Arremato, todavia, com uma nota que li, no início de março, na revista “IstoÉ” (reproduzida em vários sites da internet). Refere-se a uma ação judicial que corre no STJ, movida pela costureira mineira Eunice Garcia. Ela cobra, do Banco do Brasil, um pagamento devido ao seu avô desde 1928, com a respectiva correção. Sabem de quanto é essa dívida, já corrigida? É de R$ 3 duodecilhões!!! Calma, amigos, não se trata de erro de digitação. É isso mesmo! A nota da “IstoÉ” ajuda a tentar captar o significado dessa inimaginável soma: “Conte: milhão, bilhão, trilhão, quatrilhão etc, até chegar ao 12º ão”. Pois é.
Isso é infinitamente mais do que toda a riqueza que a humanidade inteira gerou (e pode vir a gerar por inúmeros milênios, se ainda existir) desde que o homem apareceu sobre a face da Terra. O Produto Interno Bruto de todos os 202 países com assento na ONU, somado, não chega sequer a uma centena de trilhões! Quanto falta para o duodecilhão? Uma infinidade de zeros! Já imaginaram se a Justiça dá ganho de causa à costureira e obriga o banco a pagar essa quantia?! De que jeito?! A realidade, portanto, dá ou não dá o maior dos bailes (maior do que os de Pelé, Garrincha, Canhoteiro, Denílson e, de lambugem, Maradona juntos) na ficção?

Thursday, March 23, 2006

REFLEXÃO DO DIA

O intelectual, principalmente se for um artista, é, geralmente, um sujeito extremamente vaidoso e por isso bastante sensível às críticas. Aliás, nem é necessário ostentar essa condição especial. Pessoa alguma, mesmo que seja um poço de mediocridade, gosta de ser criticada. Todos temos noção das nossas limitações, sejam de que natureza forem, e procuramos preservar essas vulnerabilidades do olhar indiscreto do público. Fazemos de tudo para que elas não sejam fatores que nos façam resvalar para o ridículo. Mesmo sabendo, em seu íntimo, que determinado texto – em verso ou prosa – está distante da perfeição que tanto busca, o intelectual não aceita que outros o digam. Alguns sequer admitem que cometem falhas. Julgam-se – ou apenas dão a entender que se julgam – perfeitos. Dessa maneira, afogam um talento, muitas vezes no nascedouro, em virtude de um amor próprio exacerbado.

Hesitação e dúvida

A insegurança tem sido a minha marca registrada, principalmente na carreira que abracei, a de jornalista. Sou, há já 40 anos, editor, na maior parte, de jornal diário. Portanto, compete-me, dia após dia, fazer escolhas e apostar nelas. Não tenho condições de saber, com antecedência, os resultados do meu trabalho, permanentemente submetido a críticas e a julgamento, dada a sua própria natureza. Muitas vezes uma notícia que reputo não importante, na sua seqüência ganha grandes dimensões e repercussão em outros meios de comunicação, concorrentes daquele ao qual presto serviço. Quando isso acontece – e ocorre com mais freqüência do que eu possa desejar – sou chamado pelos superiores hierárquicos a dar explicações sobre a minha omissão.
Fica implícita., então, não uma diferença de opinião, mas minha suposta incompetência. Houve ocasiões em que fui repreendido, com a repreensão vindo acompanhada de ameaça velada de demissão. Ossos do ofício. Mas essa permanente tensão produziu-me um enorme desgaste. Condicionado por anos de caminhada nessa "corda-bamba", desenvolvi uma insegurança que me causa intenso sofrimento. Mas seria um problema exclusivamente meu? Não, claro que não! Este é mais um ponto de identidade que tenho com o poeta português Fernando Pessoa, daí ser ele um dos meus preferidos. Não apenas por sua inteligência e talento, mas sobretudo pela sinceridade.
Em um texto dele, copiado alhures, não me recordo de qual dos seus livros, o escritor confessa: "A constituição inteira do meu espírito é de hesitação e de dúvida. Nada é ou pode ser positivo para mim; todas as coisas oscilam em torno de mim, e, com elas, uma incerteza para comigo mesmo. Tudo para mim é incoerência e mudança. Tudo é mistério e tudo está cheio de significado. Todas as coisas são 'desconhecidas', simbólicas do Desconhecido. Em conseqüência, o horror, o mistério, o medo por demais inteligente".
É certo que essa insegurança evita a acomodação. Não costumo me empolgar com o aparente sucesso. Estou consciente de que jamais tomarei conhecimento do julgamento definitivo do que sou e do que faço. Este vai acontecer depois da minha morte. Caso minha vida e minha obra tenham sido medíocres, o veredito inexorável será o esquecimento absoluto. Passados dois, cinco, dez ou vinte anos do meu desaparecimento, ninguém, nunca mais, vai lembrar que existi.
Este é o preço que temos que pagar pela mortalidade. Daí tanta insegurança, hesitação e dúvida. Daí este medo me acompanhando a cada passo, quer nas horas de vigília, quer em meus sonhos, com tramas as mais esquisitas elaboradas pelo subconsciente. Outra característica que tenho, que Fernando Pessoa revelou ter também, é a mania dos adiamentos.
Planos tenho às centenas para a vida inteira (supondo que esta seja muito longa). Aliás, são tantos, que precisaria viver mil anos para executá-los todos. Todavia, não consigo pôr em prática nem mesmo os mais simples, que exijam menor esforço. Tenho um novo livro de contos planejado há alguns anos. No entanto...O mais provável é que ele seja escrito no momento em que menos estiver pensando nele, na base do impulso. A mesma coisa acontece em relação a tantos outros projetos simples, que se executados, aumentariam a minha chance de sucesso.

Mas acabo deixando tudo para um eterno amanhã, que nunca chega. Enquanto isso, a vida vai escoando, como um punhado de finíssima areia que se tome na mão fechada e que escape por entre os dedos. O que eventualmente vier a fazer, será por impulso. Apesar de ser um ato impulsivo e de eu não saber se a coletânea será ou não publicada algum dia, estes textos estão sendo elaborados em um clima opressivo de insegurança e de auto-insatisfação. Temo que minhas colocações sejam tolas, infantis e que não interessem a nenhum leitor, embora saiba que o julgamento deve ser deixado por conta de algum eventual editor.
Aliás, Fernando Pessoa publicou, sob o heterônimo de Álvaro Campos, um poema a esse respeito, intitulado "Adiamento":

"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã
e assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva
o sono da minha vida real, intercalado,
o cansaço antecipado e infinito,
um cansaço do mundo para apanhar um elétrico...
Uma espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado, mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo,
mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã..."

Também vou refazer os meus planos...Mas farei isso só depois de amanhã. Isto se a morte não chegar antes... amanhã... ou ainda hoje...ou quem sabe agora...

Wednesday, March 22, 2006

REFLEXÃO DO DIA

As pessoas não dogmáticas, com sede e fome de conhecimento, que se mantêm permanentemente ligadas ao mundo, dispostas a aprender tudo o que possam, são as que têm as maiores chances de mudar, sem que tais mudanças impliquem em traumas. Claro que a incerteza dita o destino humano. Agora estamos vivos. No segundo seguinte, poderemos não estar mais. E a vida – embora espiritualistas garantam que não, baseados apenas nas próprias convicções – não tem reprise. Se tivesse, a humanidade não estaria privada dos gênios e santos que com suas ações e exemplos fizeram o homem evoluir e que tanta falta fazem hoje, como Sidarta Gauthama, Maomé, São Francisco de Assis, Mahatma Gandhi, Madre Teresa de Calcutá e tantos e tantos outros, que assumiram missões de grandeza, santidade e sabedoria e as cumpriram sem vacilar.

Reverência aos grandes

O homem de espírito somente tem seu valor reconhecido quando ou "se" comunica aos que o rodeiam suas observações sobre tudo o que o cerca. Se compartilha as idéias que tem com um número máximo de pessoas que lhe sirvam de "espelho" e reflitam toda essa "luz" que emite.. Se tem opinião formada sobre vários assuntos. Se oferece ao mundo, da mesma forma que recebe, suas criações. Se brinda a comunidade, não importa qual – se a da rua, do bairro, da cidade, do país ou mundial – com o produto resultante da sua atividade intelectual e da sua sensibilidade.
O fruto da razão e da emoção só tem sentido quando se incorpora ao patrimônio comum do nosso tempo. Quando é compartilhado com os outros. Quando consegue despertar interesse e enriquece a cultura de um povo e de uma época. Quando resulta em alguma conseqüência. É sua única razão de existir.
Este é o motivo principal da minha atividade, tanto como jornalista, quanto como "aprendiz de homem de letras". Textos como este têm o objetivo de estabelecer um confronto de idéias e algumas vezes de provocar quem os lê, para deflagrar uma saudável discussão (em alto nível, é claro), que seja proveitosa para ambos: para o comunicador e para o destinatário da comunicação. Embora profissional, nunca aspirei obter dinheiro com aquilo que escrevo. A venda das minhas idéias somente ocorreu por duas razões e ambas me incomodam. Verificou-se em decorrência da necessidade de prover minha subsistência e a da minha família e do fato de haver quem (ainda) esteja disposto a pagar por elas.
Mas, no íntimo, confesso, isto me aborrece. Sinto como se estivesse vendendo um filho. Ou como se estivesse me prostituindo, cedendo uma parte de mim por dinheiro. Bobagem minha, claro! É certo que se trata de uma recíproca. Investi muito, em termos de recursos materiais, de tempo e de esforço para aprender o que sei. Ainda assim, não me sinto muito confortável vendendo o que crio. Daí ter experimentado uma inenarrável sensação de prazer ao doar os direitos de venda do meu livro "Por uma nova utopia" a uma instituição beneficente, o Centro de Defesa da Vida, cuja atividade se caracteriza em demover os suicidas potenciais de cometerem essa loucura.
Por isso, a maior parte do que publico – e que não é pouca coisa – é oferecida de forma gratuita aos órgãos que veiculam meus textos, para que eles os divulguem ao seu público, que por conseqüência também se torna meu. Pelo menos presumo que seja assim, caso contrário, esses jornais e sites da internet, alguns, inclusive, do Exterior, certamente me fechariam as portas. Nunca fecharam.
Não pretendo ser genial. Não, pelo menos, o tempo todo. Tanto que nunca utilizo jargões, termos técnicos, expressões características, mesmo quando abordo complexos temas filosóficos. Procuro ser simples nas palavras que uso, na maneira com que exponho as idéias e nas teses que defendo.
Há algum tempo fui acusado por alguém, que se dizia meu admirador, de fazer as citações, que caracterizam quase todos os meus textos, por puro pedantismo. Ou seja, para exibir aos outros o meu grau de leitura. Que bobagem! O que busco fazer é simplesmente devolver o que recebo: idéias alheias. Claro, acompanhadas, sempre que possível, da respectiva opinião sobre elas.
É uma forma de reverenciar os grandes pensadores, os grandes artistas, os grandes criadores (atuando como seu espelho) e de ajudar a impedir que eles e suas criações sejam esquecidos. Há quem goste do meu estilo, que se propõe a ser nada mais do que uma "conversa" com os leitores, como aquelas que nos tempos de estudante algumas pessoas têm, em geral às sextas-feiras à noite, com os amigos, em alguma mesa de bar, regadas a chope. Ou que outros mantêm diariamente, após a saída do trabalho, no que passou a ser conhecido como "happy-hour".
Escrevo algumas bobagens, como acusou alguém, em uma maldosa e desaforada carta anônima que enviou ao jornal em que trabalhava? (Ele disse "só" bobagens, o que, convenhamos, é um exagero). Tudo bem! Graças a Deus! É sinal de que ainda sou humano. Mas pelo menos tenho a coragem de me expor. Estou disposto a me relacionar com os outros. Compartilho com os semelhantes (e dissemelhantes) meus anseios, sonhos, virtudes e fraquezas. Mesmo escrevendo tolices, ainda assim estou induzindo alguém a pensar. Inclusive esse mesmo sujeito azedo e mesquinho – e certamente complexado e infeliz por precisar se esconder no anonimato.
Dom Bosco afirmou que "Deus nos colocou no mundo para os outros". A recíproca é verdadeira. Ou seja, os outros também existem para nos ajudar, nos atrapalhar, nos apoiar, nos repudiar, nos aprovar ou nos contestar. Daí a comunicação ser tão importante, seja em que plano for. Precisamos é buscar uma interação. E quanto mais ampla e constante puder ser, tanto melhor.
A maior prova de que não busco nenhuma vantagem com o que escrevo, é que não conheço a maioria dos meus leitores. Não atino quantos são. Desconheço seu sexo, sua cor, sua religião, sua etnia, sua nacionalidade, sua condição social, seu status profissional, seus gostos, suas idiossincrasias ou seu grau de cultura. Sei, apenas, pelos resultados que obtenho, que não são poucos estes amigos (e inimigos) anônimos. Mesmo que fosse um único, seria válido e bem vindo. E escreveria para ele (ou para ela) com o mesmo entusiasmo com que o faria para 50 mil, 100 mil, 500 mil ou um milhão.
Tenho a certeza, por outro lado, que meus leitores, sejam quais e quantos forem, são fiéis, pelo tempo em que sou solicitado por jornais dos mais variados portes e estilos a colaborar com eles. E pelas cartas e telefonemas que recebo (aprovando e reprovando meus textos). E pelas manifestações de carinho com que sou brindado na rua. E por tantas e tantas coisas mais... Nada disso teria acontecido se não me conhecessem. E se minhas idéias não provocassem nenhuma reação (mesmo que seja a da ira ou do repúdio puro e simples) que não fosse a de pura indiferença.

Tuesday, March 21, 2006

REFLEXÃO DO DIA

A palavra "mudança" freqüenta o discurso de todos os políticos e economistas e os textos de todos os filósofos, como se "mudar" alguém ou alguma coisa fosse a maior das novidades. Evidentemente, não é. Tudo muda a cada segundo, desde o princípio dos tempos. Não apenas as pessoas e seus comportamentos se alteram (para melhor ou pior) a cada instante, como também os objetos inanimados sofrem essas alterações. O universo é dinâmico. A vida também o é. Ao terminar esta frase, por exemplo, nada mais será exatamente igual ao que era quando ela foi iniciada, embora aparentemente nada de diferente haja ocorrido. Nesse exato momento, pessoas terão nascido em alguma parte do mundo, outras terão morrido, amores foram declarados, relacionamentos foram desfeitos, idéias nasceram, outras foram esquecidas e assim por diante. A Terra estará alterada: por fenômenos naturais (ventos, vulcões, terremotos, etc.) ou pela ação do homem.

Princípio de tudo

O amor é o sentimento mais propalado e menos posto em prática pelo homem através dos tempos. A palavra, por sinal, serve para rotular tanta coisa diferente! Designa tanta emoção desencontrada! Nomeia tanta ação contraditória! É confundida com paixão, ou com atração sexual, ou com posse, etc. Por isso são raros os que exercitam ou o exercitaram o amor em alguma ocasião. Os que o fizeram, são designados "santos".
Este é outro conceito mal entendido. A santidade não implica em perfeição. Não é atributo de pessoas especiais, iluminadas, sem vínculos com este mundo. Qualquer um pode chegar a essa condição. Mas desde que se conheça. Desde que saiba ser senhor de suas tendências, impulsos e instintos. E desde que, sobretudo, ame.
A maioria, porém, sequer conhece o real significado do amor. Amar não implica em interesses (materiais ou de qualquer outra ordem). Sequer exige recíproca. É um gesto de generoso, altruísta, abnegado. Há muito mais mérito quando amamos nossos inimigos, aqueles que atravancam nosso caminho e nos fazem tropeçar, do que os que nos beneficiam, protegem, ajudam. Nesse caso, o amor é confundido com gratidão.
Não é, como se vê, aquele sentimento banal, passageiro, "infinito enquanto dura", cantado em verso e prosa por poetas e compositores. A palavra, desgastada pelo uso inadequado, hoje está longe de expressar a verdadeira transcendência dessa atitude (mais do que emoção). Sua crescente ausência do mundo é que o torna tão tenso, tão violento, tão repleto de rancor e sofrimento.
O filósofo Blaisé Pascal escreveu a respeito: "O cosmos pode ser infinitamente maior do que o homem, mas um único ato de amor vale mais do que todo o nosso universo".
A propósito de santidade, li, há anos, em uma publicação da "Morehouse-Barlow", uma receita que considero lapidar e que diz: "Por que os santos foram santos? Porque foram alegres quando era difícil ser alegre, pacientes quando era difícil ser paciente; e porque foram avante quando queriam ficar parados, calavam-se quando queriam falar e foram agradáveis quando queriam ser desagradáveis. Só isso. Era perfeitamente simples e sempre o será".
Para fazer tudo isso, todavia, é necessário absoluto autodomínio, que somente é obtido através do autoconhecimento. E este é fruto exclusivo do exercício permanente, disciplinado e consciente da meditação. Da visita paciente e quotidiana ao "país da luz", esse território mágico da sabedoria e razão.

Monday, March 20, 2006

REFLEXÃO DO DIA

As pessoas dotadas de grande capacidade de apreensão da realidade (que são raras) formam com facilidade juízo sobre os fatos e sobre os indivíduos que as cercam. Desenvolvem, por conseqüência, aguçado senso crítico. Opinam sobre tudo e sobre todos e nem sempre conseguem manter o desejável equilíbrio. Há opiniões que o bom senso recomenda que guardemos para nós, até porque, sua divulgação traria mais mal do que bem. Não construiria nada e ainda poderia nos expor a represálias. Estes críticos afoitos e desastrados, muitas vezes, partem para destemperos verbais sem sentido, para autênticas provocações gratuitas, quando sua intenção sequer é de confronto, mas de marcar posição. Como todo o indivíduo normal tem amor próprio e não suporta ser criticado, vem a reação. E esta nem sempre é civilizada, dependendo de quem seja o criticado. Pense, pois, o que e a quem criticar e, principalmente, como.

O remédio é confiar

O Censo Penitenciário de 1994 informa, entre outras coisas, que o Brasil tinha nesse ano a quarta maior população carcerária do mundo. Perdia, nesse aspecto, somente para três países que são mais populosos do que o nosso: China, Estados Unidos e Rússia. Ainda assim, a violência aumenta, em todas as classes e comunidades e, em alguns momentos, beira a níveis intoleráveis, como se verificou no Rio, onde foi necessário se recorrer às Forças Armadas para tornar a vida na cidade um pouquinho mais segura. Segurança total? Não passa de utopia! Conclui-se, por conseqüência, que a solução do problema não está, simplesmente, na repressão. Esta pode ser até um paliativo. Mas não resolve nada. O caminho para mudar para melhor essa situação dramática é, basicamente, um só: educação.
O economista e ex-reitor da Universidade de Brasília, Cristovam Buarque, governador do Distrito Federal pelo PT, disse, em entrevista publicada no caderno “Idéias”, do “Jornal do Brasil”, em 19 de março de 1994: “Cada país é o mito que sua população forma dele, muitas vezes sem nem ao menos perceber. O Brasil é um conjunto de mitos: o bandeirante, o sincretismo, o país do futuro. O colapso da modernidade está levando ao colapso dos mitos brasileiros. O bandeirante é condenado por jogar mercúrio nos rios, o jeitinho virou corrupção, o sincretismo preconceito, o país do futuro virou a tragédia social”.
O que fazer? Entregar-se ao desalento e deixar que as coisas se arranjem por si só? Mas essa inércia seria catastrófica! É preciso reconstruir a nacionalidade a partir da própria base. E se não tivermos uma, esta tem que ser construída, não importa como. E isso se faz, apenas, através da educação, mesmo que deficiente. Uma das constatações do Censo Penitenciário, bastante reveladora, é a de que 87% de todos os presos do País – em número de 129.169 – ou são analfabetos, ou não têm o primeiro grau completo. São, portanto, pessoas com pouquíssimos, irrisórios recursos para enfrentar a luta pela sobrevivência nas grandes cidades, pelo menos dentro das regras vigentes. Diante dos resultados medíocres que conseguem, e expostos a contínuas tentações, parte destes indivíduos descamba para a marginalidade. Daí para a delinqüência é um simples passo.
Por exemplo, 51% da população carcerária está ali por haver atentado contra o patrimônio: 33% por roubo e 18% por furtos. Albert Einstein, em seu livro “Como vejo o mundo”, nos dá a fórmula correta para conter a violência, na impossibilidade de eliminá-la. “A coexistência pacífica dos homens baseia-se, em primeiro lugar, na confiança mútua; e, só depois sobre instituições como a Justiça”, constata. Hoje, virtualmente, ninguém confia em ninguém. E sobre esta base apodrecida não se constrói um edifício social sólido, que consiga se manter. E as coisas ficam ainda mais complicadas quando se alia à desconfiança, o egoísmo, o preconceito, a prepotência e tantos outros vícios incorporados aos nossos costumes.
Cristovam Buarque defende a “refundação dos mitos” nacionais. Ou seja, o resgate da utopia. E explica: “Não se conseguirá inventar em anos novos mitos que substituam os que têm séculos. É preciso recriar os mesmos: o jeitinho virar criatividade, o futuro social substituir o futuro técnico”. Mário da Silva Brito escreveu, em certa ocasião, que “as nações também deviam fazer psicanálise”. O Brasil, há tempos, vem sendo analisado, colocando para fora as compulsões, traumas e medos que o atormentam, numa autocrítica que raia ao autolinchamento. Está na hora de reconstruir a personalidade e iniciar a construção do futuro sobre bases sólidas, e se possível, indestrutíveis. Aposta no positivo.
A maioria das pessoas, afetadas pelo que vê, lê e ouve nos meios de comunicação no seu dia-a-dia, aposta na infelicidade, investe no pessimismo, parece deleitar-se com a desgraça. Há os que ostentam suas chagas de forma explícita, como se fossem galardões. Nas conversas informais, arranjam um jeito para desfiar suas desventuras – às vezes concretas, como doenças, desemprego, miséria e crises conjugais – como se a soma delas lhes conferisse uma certa notoriedade.
Para se ter uma vida sadia, todavia, é preciso lutar contra esse negativismo. Não se defende, evidentemente, a alienação de ninguém. O mal, nas suas diversas formas, existe, é uma realidade inegável. Seu antídoto evidente, porém, é seu oposto. Ou seja, o bem, as idéias positivas, a valorização das pequenas coisas agradáveis que nos ocorrem que, somadas, acabam por se tornar grandes.
O poeta Mário Quintana, nos versos “Da Felicidade”, retrata muito bem esse comportamento distorcido, essa aposta que as pessoas invariavelmente fazem (até de forma inconsciente) na infelicidade. Escreve:

“Quantas vezes a gente, em busca da ventura
procede tal e qual o avozinho infeliz:
em vão, por toda parte, os óculos procura,
tendo-os na ponta do nariz!”.

Trata-se da mesma coisa expressada na letra de uma canção de muito sucesso na década de 60, de Ataulfo Alves, que constata: “Eu era feliz e não sabia”.
Quanta gente há que não valoriza esses raros, e por isso preciosos, momentos de alegria!Tais indivíduos preferem “deleitar-se” com suas desgraças, reais ou imaginárias (na maioria das vezes). São dignos de pena, mas nada se pode fazer por eles. A cura desse pessimismo crônico está nas mãos dos próprios pessimistas. O mesmo Quintana, citado acima, tem um poema, “O Milagre”, em que descreve como seria um momento encantado, desses que passam, invariavelmente, despercebidos de quem os vive. Expressa o poeta:

“Dias maravilhosos em que os jornais vê cheios de
poesia...
e do lábio do amigo
brotam palavras de eterno encanto...

Dias mágicos...
em que os burgueses espiam,
através das vidraças dos escritórios,
a graça gratuita das nuvens...”

Os partidários da infelicidade, seus cultores fanáticos, quando criticados, defendem-se, murmurando, mal-humorados, entredentes: “Você por acaso é alienado? Como ser feliz diante da miséria ostensiva, de crianças abandonadas nas ruas e sendo mortas como bichos, da violência tomando conta das cidades, ameaçando nossos lares, da corrupção, do cinismo, da prepotência dos políticos e das injustiças?”.
Todavia, o que há de novo em tudo isso? Para resolver, ou contribuir, ou participar da solução desses problemas há alguma regra que nos obrigue a descrer nos semelhantes, a cultuar o desencanto, a fazer a apologia da infelicidade? Ao adotarmos uma postura tão amarga, não estaríamos dando, não importa em que intensidade, nossa contribuição para que o mundo seja, de fato, um inferno na Terra, um lugar insuportável de se viver?
O negativismo (tanto quanto o ódio e o medo) é altamente contagioso. Daí o poeta Rainer Marie Rilke ter expressado, no seu “Livro das Horas”:

“Se eu tivesse nascido em qualquer parte
onde há dias mais leves e horas mais esbeltas,
teria inventado para ti uma grande festa,
e as minhas mãos não te segurariam assim,
como por vezes te seguram, medrosas e duras”.

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 51 a 56, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).

Sunday, March 19, 2006

REFLEXÃO DO DIA

O conflito de gerações é tão antigo quanto o próprio homem. Vai existir enquanto houver ser humano na Terra. Mesmo sabendo disso, todavia, incomoda-me sobremaneira quando algum jovem diz, ou simplesmente insinua, que sou "quadrado", querendo com isso dar a entender que sou ultrapassado, antiquado, parado no tempo. O incômodo é ainda maior quando me lembro que a minha geração foi uma rompedora por excelência de tabus. Alterou costumes cristalizados, francamente hipócritas, quando não imbecis. Superou preconceitos, embora uma infinidade deles tenha resistido. Desafiou a ordem vigente, o chamado "sistema", quando era temeridade fazê-lo. Cometeu, é verdade, no processo inovador, disparates. Derrubou conceitos morais de séculos, mas com um defeito grave: não apresentou nada de novo para substituir o que foi derrubado. Ainda assim, foi uma geração revolucionária. A atual é muito mais conservadora do que ela.

Educação e vida criativa

Pedro J. Bondaczuk


A educação, valor básico do homem, está em crise. Cristalizada em dogmas, não acompanha a evolução da humanidade --- da passagem de uma sociedade industrial para outra de informação, por exemplo. Não satisfaz, portanto, as necessidades sociais, em um mundo assoberbado por novas questões e crescentes problemas. O fenômeno ocorre tanto no Ocidente, quanto no Oriente. Verifica-se quer em países altamente evoluídos política, econômica, social e tecnologicamente, quer em Estados carentes, até inviáveis (nestes, logicamente, de forma mais intensa).

O fundador da Soka Gakkai Internacional, Tsunessaburo Makiguti, já havia detectado essa inadequação educacional, essa falta de rumos e perspectivas na formação das novas gerações --- encarregadas de absorver e transmitir o patrimônio cultural da humanidade desde os primórdios da civilização até os dias atuais --- deste século, que se pretendia que fosse o "das luzes" (e que no entanto se transformou no "da violência" sem limites). Fez, a esse respeito, uma série de apontamentos, ao longo de 30 anos, que resultaram no livro "Educação para uma Vida Criativa", publicado no início da década de 30.

De lá para cá, muita coisa mudou. O mundo conheceu uma nova e devastadora guerra mundial, além de mais de duas centenas de conflitos regionais. O homem desvendou o segredo mais íntimo da matéria, o átomo, e usou esse conhecimento para produzir as mais terríveis armas, jamais construídas, capazes de eliminar da face da Terra a humanidade e virtualmente todas as espécies animais e vegetais: as nucleares. Um astronauta pisou na Lua. Houve uma polarização ideológica que durou mais de quarenta anos (capitalismo versus comunismo), que só acabou recentemente, após a queda do Muro de Berlim e a desagregação da União Soviética. Países novos (e miseráveis) emergiram com o fim do colonialismo, notadamente na África e na Ásia. O colapso comunista "redesenhou" o mapa da Europa. O "mercado" foi alçado como uma espécie de panacéia para todos os males, resultando na atual "globalização" econômica, que ninguém sabe ainda no que vai dar. O cenário é muito diferente, portanto, do da década de 30, como diversos também são os problemas mundiais.

Mas as coisas, em termos de educação, melhoraram nestes mais de sessenta anos, no sentido de prevenir e evitar erros, como os cometidos ao longo deste século? Estariam as idéias e propostas de Tsunessaburo Makiguti ultrapassadas? Não! Pelo contrário! O tempo apenas tornou-as mais atuais. E, sobretudo, mais prementes. O diagnóstico da "doença", feito há mais de sessenta anos,. foi absolutamente correto. Como essa não foi tratada, apenas se agravou desde então.

Na introdução de "Educação para uma Vida Criativa", da edição lançada no Brasil pela Editora Record, o professor Dayle M. Bethel, enfatiza: "Makiguti afligia-se com as imperfeições que percebia na educação japonesa. Suas preocupações com a educação poderiam mesmo ser consideradas obsessivas..." E acrescenta: "O processo de formulação do objetivo na educação era o pensamento central de Makiguti".

"Educar para quê?", é a pergunta que se impõe. Para condicionar o indivíduo a sustentar ideologicamente algum tipo de regime, ou determinada espécie de governo? Apenas para produzir mão de obra qualificada, robotizando o homem, o tratando como máquina, senão como mercadoria, como entendem muitos tecnocratas que deva ser o objetivo da educação? Para formar elites que mantenham o "status quo" vigente? Para condicionar o indivíduo a produzir e consumir bens materiais, a maioria supérfluos, esgotando os limitados recursos da Terra?

O líder bolchevique russo, Vladimir Lenin, com grande franqueza (e não sem acentuada dose de cinismo), em um dos seus textos, nos dá uma visão nua e crua de quais são os objetivos da maioria dos sistemas educacionais pelo mundo afora, independentes da ideologia ou forma de governo dos seus formuladores: "A escola jamais foi apolítica; seu fim e problema, seus programas e métodos, foram sempre fixados pela classe no poder".

Para Makiguti, no entanto, a sociedade erra quando age assim e deixa a cargo de acadêmicos e filósofos (a serviço de políticos, evidentemente) as decisões relativas a objetivos e metas educacionais, "sempre ocupados com pensamentos muito distantes da realidade da vida diária". Propõe que tal fixação de metas seja feita por "profissionais que atuam na educação". Entende que estes, "embasados em suas experiências diárias, devem abstrair indutivamente princípios e reaplicá-los em sua prática, na forma de melhorias concretas". Ou seja, que os objetivos sejam fixados por quem "seja do ramo". Que se crie uma "ciência da educação" e que essa seja dinâmica, ágil, mutante, se adaptando instantaneamente às novas necessidades individuais e da sociedade, sejam quais forem. Recursos materiais para isso existem.

Da obra de Makiguti emergem seis temas, ou áreas de interesse básico que, reunidos, formam a essência de suas idéias sobre educação e de suas propostas para a reforma educacional. O primeiro refere-se ao "objetivo". Para quê educar? "Para tornar o homem feliz!", responde. No posfácio do livro, David L. Norton, professor de Filosofia da Universidade de Delaware, em Newark, EUA, constata: "Makiguti defende que a educação deve ser uma preparação para a vida no mundo e, principalmente, para se viver bem. Segundo ele, é preciso viver bem no presente, pois um treinamento que adia a felicidade para um futuro indefinido é um treinamento do adiamento da felicidade".

O próprio autor de "Educação para uma vida Criativa" enfatiza: "Não é prerrogativa dos educadores decidir que a preparação para a vida adulta deve ser o objetivo da educação. (...Eles) devem entender que a escolarização que sacrifica a felicidade presente das crianças, fazendo da felicidade futura sua meta, viola a personalidade infantil e o próprio processo de aprendizagem". O fundador da Soka Gakkai indica, ao longo de todo o livro, que "a realização individual está na contribuição social". Ou seja, no acréscimo que o indivíduo pode dar ao patrimônio cultural da sua comunidade e por extensão da humanidade (por ínfimo que seja), que será transmitido às futuras gerações, para que estas transmitam às seguintes, e assim sucessivamente, numa cadeia sempre evolutiva do homem rumo à perfeição.

"Começamos reconhecendo que o ser humano não pode criar matéria. Pode, no entanto, criar valores. A criação de valores é, na realidade, a essência da natureza humana. Quando elogiamos pessoas por sua 'força de caráter' estamos, na verdade, reconhecendo sua capacidade superior de criar valores", acentua Makiguti. "A questão fundamental, portanto, é resolver para que fins, e no interesse de que valores, a criatividade humana deve ser direcionada", conclui Dayle M. Bethel. E essa definição o livro traz com detalhes, abordando, ainda, entre outros assuntos práticos, a natureza do processo de aprendizagem, o treinamento de professores e a definição de currículos, além do papel educacional da escola, do lar e da comunidade. É uma indicação lúcida, competente e segura, que os responsáveis pela formulação de políticas educacionais, em especial do Brasil, deveriam olhar com atenção e aplicar os princípios propostos, para fazer da educação o que ela deveria sempre ser: um guia seguro para orientar o homem a estar bem consigo próprio e a relacionar-se harmoniosamente com seus semelhantes.

Pedro J. Bondaczuk é jornalista e escritor, autor do livro "Por uma Nova Utopia"

(Artigo escrito em 10 de setembro de 1998, para o BSGI News de São Paulo)

Saturday, March 18, 2006

REFLEXÃO DO DIA

O cronista Mário da Silva Brito escreveu, em uma crônica de 1961, publicada no Suplemento Literário do jornal "O Estado de São Paulo": "Nunca fui eu só, ou só eu. Mas todos os outros. Os antepassados, os que me rodeiam, os que pertencem ao meu tempo. Os que amo e até os desconhecidos. Estou feito de pedaços. Sou uma soma de múltiplas parcelas humanas. Consigo somar até quantidades heterogêneas". Todos somos assim. Nosso próximo tende a nos enriquecer, a ampliar nossos horizontes e a estimular em nós o espírito de competição, sem o qual, desde que sadio, ninguém se sente motivado para qualquer realização (mesmo quando se opõe a nós).

Você

Você chegou sorrindo em minha vida,
raio de luz, onírica visão,
essência, idealização, medida,
parâmetro, descoberta, paixão.

E era manhã... da minha juventude...
Quedei vencido! Como resistir?!
Fonte de satisfação e inquietude,
original, primeiro amor: Nair.

Você veio, mas se foi tão depressa...
Pois o tempo não pára, bem se vê...
Eis que o acaso me pregou outra peça:
trouxe saudades, mas levou você...

(Poema composto em São Caetano do Sul, em 2 de janeiro de 1962).

Friday, March 17, 2006

REFLEXÃO DO DIA

Nunca é demais, fazermos, juntos, esta magnífica prece, escrita por Fernando Pessoa, publicada em “O Eu Profundo”, em 1912: “Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo está – (o teu templo) – eis o teu corpo. Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver e sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar e mãos para trabalhar em teu nome. Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai”. Que tenhamos força, inspiração e vontade para fazermos de 2006 o ponto de partida de constante e interminável sucesso, com a ajuda de Deus.

Sabin, cidadão do mundo

Pedro J. Bondaczuk


O extraordinário médico, filósofo e humanista Albert Schweitzer, ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1952, escreveu, em seu livro “Civilização e Ética”: “Um homem é verdadeiramente moral somente quando ajuda a toda a vida no que pode, e quando se esquiva de prejudicar qualquer ser vivente. Não pergunta em que medida esta ou aquela vida merece seu interesse e simpatia, se e em que extensão ela é capaz de reagir. A vida como tal é que lhe é sagrada”.
Tais palavras definem, com exatidão, quem foi Albert Sabin, que morreu em 3 de março de 1993, em Washington, aos 86 anos de idade. Esse polonês, naturalizado norte-americano, foi, na verdade, cidadão do mundo. Cabe-lhe o mérito de haver, com a vacina que leva o seu nome, virtualmente erradicado a terrível paralisia infantil do Planeta.
Imagine o leitor quanta dor foi evitada, quantas vidas deixaram de ser transformadas radicalmente para pior por essa moléstia mutiladora, quando não fatal! E por que Sabin fez isso? Por dinheiro? Por poder? Por fama? Não, porquanto não era nenhum milionário, não ocupava cargo público e há muitos que nem o conhecem. O médico e cientista dedicou 40 anos a essa causa por amor à vida.
Nós, brasileiros, temos um motivo a mais para reverenciar sua memória e lamentar sua morte. Sabin amava o Brasil. Sua veneração pelo nosso país era tamanha, que quis a Providência que viesse a desposar uma brasileira, Heloísa Dunshee de Abranches.
Em 1992, o pesquisador, entrevistado no programa “Jô Onze e Meia”, então apresentado no SBT por Jô Soares, teve a oportunidade de externar publicamente esse carinho, praticamente paixão. Expôs, na ocasião, idéias profundas, com a simplicidade de um menino, sem a empáfia ou a arrogância de tantos medíocres, que falam pelos cotovelos sem terem o que dizer.
Sabin coordenou várias campanhas de vacinação antipólio no Brasil, acompanhando, de perto, todo o processo e analisando seus resultados. Não escondia de ninguém que se sentia “meio brasileiro”. Confessou, em determinada ocasião: “Eu fico muito feliz quando o Brasil é bem-sucedido e fico muito triste quando o País fracassa”.
Tristeza deveríamos sentir nós, pela sua morte. Não apenas na condição de brasileiros, mas de seres humanos, já que o mundo perdeu uma dessas raras pessoas que nascem predestinadas a espalhar o bem ao seu redor.
Três dos maiores gênios do século XX que, coincidentemente, tinham o mesmo prenome, Albert, tinham outra característica em comum: a bondade. Einstein, embora tenha participado da descoberta de um das mais terríveis forças do universo, a energia nuclear, deixou, em herança, seus bens, para minorar o sofrimento de milhões de pessoas. Schweitzer dedicou mais de 60 anos de sua longa e profícua existência a cuidar de leprosos no hospital de Lambaréne, em plena selva equatorial africana. E Sabin evitou que milhões de crianças morressem ou ficassem mutiladas pela paralisia infantil.
A lembrança desses três gigantes do século XX, pródigo em desgraças e ruínas, faz-nos lembrar uma citação de Lacordaire que parece talhada para eles e que diz: “Não é o gênio nem a glória, nem o amor que medem a elevação da alma: é a bondade”. Está aí a mais justa definição para Albert Sabin: era bom!

Thursday, March 16, 2006

REFLEXÃO DO DIA

A vida consciente e civilizada – não a animal e instintiva, que nada analisa e percebe – consiste em saber aquilo que se quer e sair em busca desse objetivo a cada dia, tornando aproveitável o nosso maior capital: o tempo. Cada segundo é importante. Ninguém nos garante que não seja o último. Tenho reiterado essa afirmação até para que eu mesmo me conscientize dessa verdade e deixe de ser dispersivo, perdulário ou indolente. Não estou recomendando a ninguém que acalente pensamentos e sentimentos mórbidos, ou a idéia fixa de que um dia irá morrer. Mas pensar nessa possibilidade de vez em quando nos repõe na realidade. É, sobretudo, um exercício de humildade que nos impede de acharmos que somos mais do que os outros. Na data de mais um aniversário, em 20 de janeiro, pratiquei, mais do que nunca, isso que tanto prego. E rogo a Deus que me conceda a ventura de comemorar ainda, por muitos anos, essa data tão significativa na minha vida.

Fruto de equívoco

Pedro J. Bondaczuk


O poeta Rainer Marie-Rilke escreveu que “a fama é a soma de equívocos criados em torno de uma pessoa”. A mesma afirmação é válida em sentido oposto. Ou seja, no caso de alguém comprovadamente competente em sua atividade permanecer obscuro, anônimo ou, pelo menos, desconhecido da maioria.
Aliás, há os que obtêm o reconhecimento devido pelo seu talento e competência apenas muitos anos depois da sua morte. E isto quando suas obras (em geral casualmente) são apreciadas com serenidade, com isenção e com critério por alguém capacitado para avaliá-las, que só o distanciamento ditado pelo tempo permite.
Alguns não são reconhecidos nunca e acabam esquecidos para todo o sempre. Há muitos indivíduos famosos hoje que logo vão cair no absoluto esquecimento. Um médico britânico, Angus Wallace, viveu em maio de 1995, e com justiça, o seu momento de fama.
Sua façanha foi a de realizar uma cirurgia a bordo de um Boeing 747, em pleno vôo, a dez mil metros de altura, sem contar com instrumental adequado para fazer a operação. Ao invés de uma unidade cirúrgica, sua “sala de cirurgia” foi improvisada nos bancos da parte traseira do avião.
Para esterilizar os instrumentos, um litro de “brandy” foi suficiente. Contando, apenas, com um canivete, uma tesoura, um cabide, uma garrafa plástica de água mineral e sua competência, o cirurgião salvou a vida de uma paciente, que estava com obstrução em um dos pulmões e não conseguia respirar.
Para agir com tamanha presteza e sangue frio, Wallace, certamente, devia ser um profissional competentíssimo e treinado. No entanto, até esse vôo, entre a então colônia britânica de Hong Kong (hoje de volta à soberania da China), de 14 horas de duração, nunca havia tido a chance de mostrar sua perícia para o público, embora deva ter curado uma infinidade de pessoas.
Portanto, para se conseguir fama e prestígio, é preciso não apenas ser bom naquilo que se faz. É necessário, também, contar com a oportunidade. Isso vale para todo e qualquer campo de atividade. Tanto faz que se trate de medicina, engenharia, jornalismo ou literatura.
Não é raro os bibliófilos toparem, surpresos, com livros excelentes, de escritores absolutamente desconhecidos, em geral relegados a sebos. Mais comuns, ainda, no entanto, são “best-sellers” sofríveis, com histórias escabrosas ou incoerentes e textos apelativos, na maioria das vezes horríveis.
Pelo menos nesses casos, não há como deixar de dar razão a Rilke: a fama é, mesmo, a soma de equívocos criada em torno de uma pessoa. A maioria desses erros de avaliação acaba sendo corrigida e, para muitos, a notoriedade dura tanto quanto o seu medíocre talento. Não é o caso, claro, do médico Angus Wallace.
Contudo, se é difícil conquistar a fama, mais difícil ainda é conservá-la. As pessoas esquecem facilmente e são poucos os que sobrevivem para sempre na memória das gerações. Passados mais de dez anos da façanha do cirurgião, quem se lembra dele? Que fim levou? Continua vivo? Morreu? Trabalha ainda? Onde? Ninguém sabe dizer!
É verdade que, em alguns casos, o indivíduo glorificado, mesmo que de méritos escassos ou contestáveis, se transforma em mito e ninguém ousa restabelecer a verdade. A soma de equívocos se consolida, perpetua, permanece para sempre.
Há, por outro lado, muita gente que permanece famosa por causa de modismos. Títulos de suas obras são citados e repetidos em círculos de basbaques, de pseudo-intelectuais, pelos que desejam mostrar erudição, sem ter, em arroubos de pedantismo, sem que jamais seus livros (no caso de escritores, claro) tenham sido sequer folheados, quanto mais lidos.
A fama, portanto, por partir, em geral, de um equívoco (ou de uma soma deles, conforme afirma Rilke), não passa de vaidade vã, quando não de um desnecessário incômodo. Melhor é conquistar o respeito e a genuína amizade de um círculo restrito de pessoas, do que adquirir essa notoriedade repentina, quando não apenas interesseira e, por isso, efêmera.

Wednesday, March 15, 2006

REFLEXÃO DO DIA

Imperam, no mundo contemporâneo, o "aqui e agora", o egoísmo exacerbado, a insana egolatria e o consumismo desbragado, como se não houvesse amanhã, o que contribui para o esgotamento dos já escassos e não renováveis recursos do Planeta, cada vez mais maltratado e depredado, à beira da exaustão. Entre os anseios da maioria, não consta nenhum dos ideais pelos quais nossos antepassados tanto lutaram e deram suas vidas. E, com este comportamento distorcido, esconder a realidade não é uma atitude "otimista", ou sequer sensata. Não passa de estúpida e perigosa alienação. O espelho não é culpado pelos horrores que reflete. É quem se mira nele que tem que melhorar a imagem...

Memória embotada

Pedro J. Bondaczuk


A falta de memória do brasileiro – em termos quantitativos, pois as generalizações são sempre burras, como já dizia o saudoso Nelson Rodrigues – é bastante conhecida. A tal ponto, que, freqüentemente, são realizadas campanhas para a preservação dos monumentos nacionais, ou para a manutenção de museus ou, principalmente, para a valorização da obra dos grandes realizadores artísticos, científicos, políticos ou seja de que campo de atividade for.
O normal é nossos homens e mulheres brilhantes, que contribuem para a cultura e a civilização do País, serem esquecidos, tão logo venham a morrer. Ou, pior e mais cruel, quando ainda em vida e em plena atividade produtiva.
O jornal “O Estado de São Paulo” encomendou, há doze anos, ao Instituto Gallup, uma pesquisa de opinião, que foi publicada em 31 de janeiro de 1994, sobre as dez personalidades masculinas e as dez femininas que o brasileiro mais admirava no mundo.
Foram entrevistadas, na oportunidade, 2.546 pessoas, das mais variadas profissões, classes sociais e níveis culturais e de renda, em 159 cidades, de 21 Estados. O resultado mostrou, sobretudo, a grande influência da televisão, o que pode ser bom ou ruim, dependendo do uso dado ao veículo e da ênfase que a TV dá ao que informa ou veicula.
As respostas não foram induzidas. Ou seja, o pesquisado tinha que lembrar, sozinho, dos nomes. Entre os homens, apenas quatro brasileiros são admirados por seus conterrâneos: Pelé (6º), Roberto Carlos (7º), Sílvio Santos (8º) e Tarcísio Meira (9º).
Onde Betinho, Jorge Amado, Chico Buarque, Milton Nascimento, nossos cientistas, artistas, atletas etc? Não apareceram. Ninguém se lembrou deles. Os escolhidos, no mundo todo, foram, pela ordem: Papa João Paulo II (1º), Michael Jackson (2º), Fidel Castro (3º), Sylvester Stalone (4º), Mikhail Gorbachev (5º) e Arnold Schwarzenegger (10º).
A mulher mais popular foi Margaret Thatcher. A primeira brasileira, das quatro votadas, foi Xuxa (3º) e as outras três foram Fernanda Montenegro (4º), Cláudia Raia (7º) e Vera Fischer (9º). Elas ficaram atrás, além da citada “Dama de Ferro” inglesa, de Maddona (2º), Madre Tereza de Calcutá (5º), Lady Diana (6º), Rainha Elizabeth II (8º) e Elizabeth Taylor (10º).
Se a pesquisa fosse feita hoje, as mudanças seriam pequenas, pelo menos no que diz respeito às atividades dos que fossem lembrados. Os nomes (alguns), seriam, certamente, diferentes. Mas os escolhidos, não tenho dúvidas, seriam, na grande maioria, cantores (as), atores e atrizes de cinema e da televisão, modelos em destaque e um ou outro desportista. Não que suas atividades não sejam importantes, longe disso. Todavia, mais uma vez, não tenho dúvidas, ficariam de fora cientistas, escritores, compositores e tanta gente importante e notável, indispensável ao país e ao mundo.
O resultado dessa pesquisa de 12 anos atrás, do Gallup, destaque-se, não é nenhuma tragédia. Quando muito, reflete a falta de cultura e a alienação da nossa população, notadamente a mais jovem, que não freqüenta (pelo menos com a assiduidade que seria desejável) o chamado “Planeta Guttenberg” (o da leitura), que o canadense Marshall McLuhan garantiu, nos anos 60, que estava no fim. E parece caminhar, salvo engano, celeremente para isso...

Tuesday, March 14, 2006

REFLEXÃO DO DIA

O mais profundo pessimismo permeia as relações humanas neste início de milênio. Raríssimos são aqueles que crêem em um mundo melhor, mais justo, equilibrado e humano, sem os enormes contrastes e aberrações econômicos, sociais e comportamentais da atualidade. As pessoas desconfiam umas das outras e a hipocrisia predomina nos relacionamentos (sejam eles profissionais, afetivos ou de qualquer outra espécie, até no seio das famílias, onde a prepotência, a traição, os abusos sexuais e o rancor se instalam com freqüência assustadora). Há crescente desamor na humanidade, o que se transforma em estopim para explosões (individuais e coletivas) de violência ou pelo menos atua como uma espécie de bomba-relógio, pronta a explodir a qualquer momento, face ao mais banal e inocente incidente. Em suma: o homem desconfia do homem e odeia o seu semelhante.

Fórmula do sucesso

O caminho para o sucesso é áspero e pedregoso e, mesmo assim, quem o percorre jamais tem absoluta segurança de que o vá alcançar. Todavia, essa vereda acidentada deve ser trilhada pois, caso contrário, haverá uma certeza, porém desagradável: jamais o êxito – dependendo do que cada um considere que ele seja – será obtido.
É o que ocorre, atualmente, no Brasil. Por serem sacrificadas, as pessoas não estão dispostas a mais sacrifícios. Várias gerações cresceram, amadureceram e morreram ouvindo a afirmação de que este era o país do futuro. Chegaram, até mesmo, a dizer que “Deus é brasileiro”, dada a excelência do solo, do clima e das condições geológicas desta parte do mundo.
No entanto, o que observamos, estarrecidos e atemorizados, é um contínuo retrocesso nacional, pelo menos no que diz respeito aos parâmetros sociais. Hoje, de açodo com dados estatísticos existentes em profusão, o Brasil é uma das sociedades mais injustas do Planeta.
Os políticos culpam-se, uns aos outros, pelo que está ocorrendo. Outros, atribuem o nosso atraso à origem étnica. Claro que é uma grande bobagem! Outros, ainda, descambam para o instável terreno ideológico, para tentar explicar o inexplicável. Onde está o nosso problema? Por que o País perdeu as décadas de 80 e 90, em termos de desenvolvimento?
A argumentação da origem étnica, reitero, é uma grande baboseira. Aliás, pelo contrário, a miscigenação tende a ser até um fator favorável. Jorge Amado constatou, em matéria publicada em 1991, pela revista “Superinteressante”: “O brasileiro tem uma capacidade sem limite de viver num país onde a qualidade de vida é péssima. Só há um motivo para que o brasileiro seja tão maravilhoso: a mestiçagem”.
Será que cada um de nós está fazendo, de fato, o melhor não somente para si, mas para a comunidade em que vive? Muitos asseguram que fazem o que podem. O estadista britânico, Winston Churchill, tem uma frase lapidar para essas pessoas: “Não tem sentido dizer que fazemos o melhor que podemos. Temos que conseguir fazer o que é necessário”.
Como saber isso, todavia? É preciso sinceridade e muito rigor analítico, que somente alguns poucos sábios conseguem desenvolver. A tendência natural do ser humano é sempre achar que faz demais, mesmo que não faça nada que seja de fato valioso.
O poeta norte-americano Robert Frost afirmou, em certa ocasião, que “há que se amar o que é digno de ser amado e odiar o que é odioso, mas faz falta um bom critério para distinguir entre um e outro”. Por exemplo, muita gente – e isto não ocorre apenas no Brasil – considera o trabalho “um castigo”. Essas pessoas afirmam que o ideal do homem é “gozar a vida”. Não entendem que é através de obras que deixam sua marca no mundo.
Na corrida pelo desenvolvimento, não há caminhos suaves. A fórmula do sucesso é uma só: trabalhar, trabalhar e trabalhar. Mas não como um burro de carga, que carrega enormes fardos, sem nenhuma consciência do que e porque faz. O trabalho tem que ser objetivo, disciplinado, racional e constante. Ele pode não ser garantia de sucesso, mas sem esse esforço planejado, o atraso, o esquecimento e a miséria são resultados mais do que certos. É a lei da vida...

Monday, March 13, 2006

REFLEXÃO DO DIA

O ensaísta Henry David Thoreau diz, em um dos seus ensaios: "Se você construiu castelos no ar, não terá desperdiçado seu trabalho, pois no alto é onde devem estar. Agora, coloque fundações embaixo deles". Tente concretizar os sonhos, se achar, no íntimo, que valem a pena. É certo que o preço a ser pago não será baixo. Implicará em abrir mão de determinados gozos e regalias, aos quais você está acostumada. Mas ouse. Tenha coragem. Doe-se. No final das contas, com certeza, irá concluir que valeu a pena. "Tudo vale", ressalta Fernando Pessoa, "se a alma não for pequena..." O estadista inglês do século passado, David Lloyd George, aconselhou: "Não tema dar um grande passo, se for o indicado. Não se pode saltar sobre um abismo com dois pulos pequenos". E não se pode mesmo, concorda?

Um poder paralelo

O ex-secretário-geral das Nações Unidas, Javier Perez de Cuellar, num relatório que divulgou em 1990, pouco antes de deixar o cargo, chamou a atenção da comunidade internacional para o problema do crime organizado, em especial para grupos especializados no narcotráfico. Enfatizou que seria esta a principal questão da década, muito mais difícil de ser resolvida do que o terrorismo, o fundamentalismo religioso e o nacionalismo extremado, três outras grandes fontes de tensões nacionais e mundiais. E estava absolutamente certo em suas avaliações. Depois de muito tempo de inércia e de pseudo-soluções, que não conduziram a nada, o mundo, finalmente, desperta para o perigo representado por essas organizações criminosas. A prova é a conferência patrocinada pelas Nações Unidas que foi realizada, em Nápoles, na Itália, em novembro de 1994.
O encontro, que reuniu representantes de 140 países, debateu formas para o combate – de maneira conjugada e cooperativa – eficaz do crime organizado, que na atualidade tem um faturamento anual maior do que os orçamentos nacionais da maioria dos Estados independentes do mundo. Nós, no Brasil, temos um enfático exemplo do perigo representado por essas quadrilhas, inclusive para o próprio poder constituído, no Rio, onde cerca de 1,5 milhão de pessoas foram mantidas por muito tempo como “reféns” de bandidos. A situação adquiriu tamanha gravidade, que foi preciso convocar as Forças Armadas para coordenar a “limpeza” nos morros, tarefa das mais espinhosas e, sobretudo, perigosas, pelas circunstâncias que envolveu.
O convênio entre os militares e os governos federal e estadual teve duração limitada, diríamos irreal, até 31 de dezembro de 1994. Todavia, o novo governador do Rio, Marcelo de Alencar, e o próprio presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, esticaram esse prazo por pelo menos um ano. Prometeram que as ações repressivas serão acompanhadas de providências no campo social, para que os favelados não tenham mais que recorrer a meios ilegais, diríamos “heterodoxos”, para obter assistência.
Nas favelas cariocas, os bandidos fazer o que competiria ao Estado fazer e, claro, não por uma questão de bondade ou solidariedade, mas com o objetivo de conquistar senão a simpatia, pelo menos a conivência ou o silêncio da comunidade. Financiam tratamentos médicos e dentários, pagam escolas, socorrem os que precisam de ajuda nas horas de maior necessidade, compram remédios etc. Quando não conseguem, nem assim, comprar a lealdade dos moradores dos morros, recorrem a execuções sumárias. Volta e meia, são descobertos cemitérios clandestinos nestas áreas, a demonstrar que os criminosos impõem uma espécie de “lei marcial” em seus feudos.
Daí as organizações criminosas terem conseguido fincar raízes tão profundas nesta parte da cidade, que tem uma população maior do que a de Campinas. Uma simples ação repressiva, como a invasão da área por parte dos militares, sem providências complementares, de caráter social, do Estado, não vai resolver o problema. Apenas conseguirá mascará-lo. A cada bandido que tombar, outro surgirá – mais perigoso e cruel do que o que foi neutralizado – para substituí-lo. O que é necessário é atacar as causas, e não apenas os efeitos, da marginalidade. Neste aspecto, o Rio pode ser um bom laboratório para desenvolver métodos eficazes de combate ao crime organizado no mundo.

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 47 a 49, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).

Sunday, March 12, 2006

REFLEXÃO DO DIA

Tive amigos que eram exemplos de paciência. Perseguiam seus objetivos como leões, com garra invejável. Faziam o que tinham de fazer, por mais enfadonhas e árduas que fossem essas tarefas, com o espírito de Jó. Não reclamavam, não desanimavam, não se entregavam à inação. Esgotada a ação, esperavam o quanto fosse necessário. Em alguns casos, a espera limitava-se a alguns dias. Em outros, chegava a anos. Mas mantinham-se tranqüilos, cientes de que tinham feito o quer era preciso. Não conheço um só deles que tenha deixado de alcançar seu objetivo. No outro extremo, convivi com pessoas brilhantes, mas sem nenhum espírito de luta. Indivíduos cujos prognósticos de sucesso na vida eram unânimes. Mas esperavam que esse êxito viesse através de magia ou caísse do céu. Ou que a colheita ocorresse no dia seguinte ao da semeadura. Hoje, encontro-os envelhecidos e amargurados. Os primeiros, eram pacientes. Os segundos, preguiçosos.

Defesa do ambiente é caso de sobrevivência

A defesa do meio ambiente, não se sabe por qual mágica razão, se transformou, de uns tempos para cá (ou foi transformada por alguns insensatos suicidas em potencial) num assunto político, quando na verdade não há motivo algum para ter essa característica.
Sempre que aparece alguém defendendo a preservação da pureza do ar, dos mananciais de água ou da fauna e da flora, a idéia (equivocada) que logo se faz é que o tal indivíduo é um esquerdista. Que se trata de um emérito agitador.
Enquanto a questão é encarada com tamanha infantilidade, o maravilhoso mecanismo existente na Terra, que deu ensejo ao surgimento da vida, está todo desregulado, como uma máquina em colapso, prestes a explodir.
Secas devastadoras arrasam lavouras, em especial nos países mais pobres da África e da Ásia. Enchentes incríveis destroem plantações, derrubam casas, matam pessoas. A delicada camada de ozônio que protege o Planeta dos mortais raios infravermelhos está com um rombo imenso, sobre a Antártida, que se amplia a cada dia que passa.
Enquanto isso, a Cidade do México apresenta uma altíssima concentração dessa forma molecular de oxigênio que, em quantidades anormais, pode até matar. O Hemisfério Norte, depois de ter sofrido os rigores de um inverno atipicamente frio, passa pelo oposto. Uma cáustica onda de calor afeta os Estados Unidos e os países da orla do Mediterrâneo, apenas para citar duas áreas. Até a gélida Moscou está suando, diante da inclemência do sol.
O pior de tudo é que as advertências feitas pelos cientistas são solenemente ignoradas. Quando o jornalista menciona o desequilíbrio climático a alguém, é imediatamente chamado de “catastrofista” e encarado como um neurótico, ou alguém fora da realidade.
Essa alienação (das pessoas e não do cronista) que conta com a aliança dos que devastam o patrimônio da humanidade em proveito próprio, transformando matas seculares em montinhos de carvão, é extremamente perigosa. Como crítico, também, é o fato de se levar a questão ambiental para o terreno ideológico.
Se o sujeito quer viver num mundo limpo, que não se assemelhe às nauseabundas cloacas romanas, é tido por agitador, perturbador da ordem pública e outras coisas, até mesmo mais depreciativas.
O que está acontecendo com as pessoas neste fim de século XX? Será que deu um ataque coletivo de burrice? O que a preservação do meio ambiente tem a ver com o sistema político “x”, “y” ou “z”? Estes “puristas ideológicos” serão capazes de conter a expansão do buraco na camada de ozônio? Farão chover no Centro-Oeste dos Estados Unidos, salvando a sua safra? Evitarão os máximos de frio e calor que se alternam?

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 9 de julho de 1988).

Saturday, March 11, 2006

REFLEXÃO DO DIA

As pessoas – pelo menos as que conheço, pessoalmente ou através dos meios de comunicação, como televisão, rádio, jornais, revistas e livros – tendem a apostar no catastrofismo, no negativismo, no lado obscuro e perverso da alma. Tanto que através dos séculos se espera o "fim do mundo", mediante algum cataclismo determinado por eventual "castigo divino", ou vindo do espaço, ou provocado pelo próprio homem. A história da humanidade é uma sucessão interminável de guerras, tiranias, corrupção e barbárie, como se o ser humano soubesse somente praticar o mal. Mas isso está longe da verdade. Ou pelo menos de toda ela. Também tivemos, através dos tempos, os santos, os altruístas, os abnegados e os puros de coração. E temo-los ainda no nosso convívio ou ao nosso redor.

Atrás da porta

Atrás da porta há surpresas,
mistérios e o incógnito.
Escondido, o amanhã,
o incerto vir-a-ser,
é apenas potencial.

Atrás da porta cerrada,
sólida, truculenta, impositiva,
Maria, o que será que há?
O colibri de cristal
ou a faminta boitatá?

O topo da escada da fama,
o Hades das inquietações,
ou só a maçante rotina?
Placa de vidro inquebrável
ou diáfana cortina?

A ciência do bem e do mal,
nossa esperança. já morta,
estátua de pedra e sal?
O que há por trás da porta?

(Poema composto em Campinas, em 27 de fevereiro de 1983 e publicado na página 53, editoria de Literatura chamada "Ciranda", do Correio Popular, em 9 de dezembro de 1984)

Friday, March 10, 2006

REFLEXÃO DO DIA

O misticismo nem sempre é devidamente entendido ou corretamente interpretado. Não se trata de alienação, como supõem os desavisados e néscios, e muito menos de práticas de rituais vazios, exóticos e sem qualquer significado. Não é, também, a autoflagelação, o prazer no sofrimento, a mortificação física como alguns idiotas masoquistas entendem. Mística é aquela pessoa que sente a divindade em si. É o indivíduo que tem a certeza da existência de um Deus (embora não tenha meios de comprovar esse conhecimento de maneira concreta e não disponha de condições de descrever nem a sua natureza e nem a extensão do seu poder) e sabe que é parte integrante Dele. É quem faz da sua vida uma obra de arte, ligado, de maneira definitiva ao transcendente. Não se atém a religiões específicas, pois sabe que todas desembocam em um único e grande caminho, que é o da busca de Deus.

Coincidência ou imitação?

Pedro J. Bondaczuk


A realidade, cada vez mais, supera, e em muito, a ficção, tanto em termos de personagens, digamos, “desequilibrados” (para não dizer outra coisa), quanto de fatos absurdos, chocantes, pavorosos e surrealistas até, que escritor algum, por mais talentoso que seja, consegue sequer chegar perto, quanto mais superar. Comentei isso dia desses com um amigo, o publicitário Sérgio Biscaldi, uma das pessoas mais criativas que conheço que, após refletir alguns minutos, não teve como discordar das minhas colocações. E olhem que ele se destaca pela originalidade em tudo o que escreve!
A leitura de qualquer jornal diário nos traz, a cada dia, uma carga de crueldade, de loucura, de maldade, de desamparo e de miséria interior dos personagens envolvidos, maior, muitíssimo maior do que a criada por escritores como Samuel Becket, Berthold Brecht, Eugene Ionesco ou, mesmo, Donatien Alphonse François, o Marquês de Sade, celebrizado como libertino, considerado como monstruoso psicopata e cujo nome foi usado até para batizar uma psicopatia: o sadismo. E não são os repórteres que são criativos nesse mister. É a loucura da vida cotidiana que proporciona esse desfile surreal de aberrações.
As notícias mais chocantes ocorrem, geralmente, em série. Basta que os jornais noticiem um determinado fato, para que outro semelhante, de idêntica natureza, ocorra no dia seguinte ou nos posteriores. Em abril de 1989 noticiei, no Correio Popular de Campinas (quando era editor de Internacional e comentarista do jornal), o caso das quatro enfermeiras austríacas que, mediante superdose de insulina ou de barbitúricos (elas eram “criativas” e variavam nos meios utilizados), causaram a morte de pelo menos 49 pacientes do Hospital Lainz, de Viena.
Desde então, pude contar, no mínimo, seis ocorrências semelhantes: na Rússia, na França, no Estados Unidos e até mesmo no Rio de Janeiro, caso que ganhou manchetes e ampla repercussão mundial. Dia desses, um enfermeiro norte-americano escapou por pouco da pena de morte, por crime semelhante, por ter colaborado com a promotoria, denunciando colegas que agiam como ele. Pegou sete condenações à prisão perpétua, o que não passa, também, de aberração, convenhamos. Se a sentença foi “perpétua”, uma única basta, não é verdade?! Ou o réu em questão tem sete vidas, como se atribui aos felinos?
Outro exemplo? O do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos. Para quem não se recorda, essa pessoa teve 95% do corpo queimado, o que, claro, lhe causou a morte, ocorrida no Hospital Regional da Asa Norte, em Brasília, para onde foi encaminhado tão logo foi socorrido. As queimaduras foram causadas quando cinco jovens de classe média da Capital Federal – um dos quais menor de idade na ocasião – resolveram fazer o que chamaram de “pegadinha” com a vítima, que dormia, placidamente, num banco de uma parada de ônibus. Os “brincalhões” encharcaram o cobertor do índio com álcool e atearam fogo. “Inocente” brincadeirinha de rapazes, não é mesmo?! Enfim... Pois bem, depois desse episódio, ocorrido em 22 de abril de 1997, verificou-se uma verdadeira epidemia de incêndios de mendigos: no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Porto Alegre e vai por aí afora.
Mais um exemplo? O da manicure equatoriana Lorena Bobbit, no início dos anos 90. Alegando que era constantemente agredida pelo marido, o ex-fuzileiro naval norte-americano John Wayne Bobbit (que não se perca pelo nome), ela cortou-lhe o pênis (uiiiiiii!), depois de uma discussão e de ter pedido a separação, que o “companheiro” (ou carrasco) lhe negou.
Mulheres de todo o mundo apoiaram o seu ato, considerado “corajoso e justo”. Lorena foi declarada inocente da agressão em janeiro de 1994, pela Justiça norte-americana, alegando “perda da razão”. O juiz considerou que o ato foi de legítima defesa, já que a manicure provou que há anos sofria com a violência do marido. Wayne teve o pênis reimplantado e se tornou ator de filmes pornográficos (vejam só!). Após essa ocorrência, todavia, surgiram centenas (quiçá, milhares) de Lorenas Bobbits mundo afora, uma das quais em Belo Horizonte. E os marmanjos que costumam agredir as esposas ou namoradas que se cuidem! Podem, de uma hora para outra, se tornar eunucos, ora bolas!
A que atribuir a ocorrência de fatos, como os mencionados, assim, em série (a mais nova onda é a do abandono de bebês, da qual cataloguei pelo menos dez ocorrências nas duas últimas semanas, que abordarei, prometo, numa nova crônica, oportunamente)? Seria mera coincidência? Pode ser! Ou seria uma espécie de imitação? Ou, ainda uma terceira hipótese (a mais provável): a imprensa ficaria mais atenta a esse tipo de acontecimento, depois do primeiro ter sido noticiado? Cada um que escolha a sua opção.
O que fica evidente é a comprovação da minha tese de que é cada vez mais difícil, senão impossível, um escritor, hoje em dia, ser original na descrição de patifes e de patifarias, de loucos e loucuras, de maldosos e maldades, e vai por aí afora. A realidade, mais do que nunca, supera, e em muito, a ficção. Ou é exagero da minha parte?! Você decide, lúcido e esclarecido leitor!