Monday, February 13, 2006

Por uma nova utopia

O papel do intelectual e, sobretudo, do escritor, vem sendo cada vez mais questionado nos últimos tempos, dada a enxurrada de obras sofríveis – algumas até de autores de reconhecido talento – que tem invadido as livrarias. A falsa modernidade está desviando muitas pessoas brilhantes do verdadeiro objetivo daquele que faz literatura: o engrandecimento cultural do homem. Os temas explorados, hoje, são variações em geral em torno de um único e mesmo assunto: sexo.
Mas a abordagem dessa temática, válida por sinal, tem sido infeliz e equivocada. Resvala para a degradação do ser humano e lança-o de ponta-cabeça no inferno, contrariando a advertência do poeta Daisaku Ikeda de que esse procedimento é doentio e, mais do que isso, destrutivo. Há que se resgatar a utopia, acreditar na racionalidade do “homo sapiens”, provocar reflexão nos leitores, mas em sentido construtivo, evolutivo, para a busca de solução dos graves problemas contemporâneos, que são solúveis, desde que sejam atacados com vontade e com sabedoria.
Hoje abundam críticas e sobeja o desencanto, numa confissão tácita do homem contemporâneo da sua falta de fibra, do seu medo pânico de se expor às responsabilidades. Pensadores deixaram, através dos tempos, grandes marcos de esperança de um mundo melhor, de uma sociedade perfeita, onde a individualidade fosse respeitada, a solidariedade fosse uma ação até instintiva e a violência em todas as suas formas, da mais ostensiva à mais sutil, fosse banida do convívio social.
Tivemos, por exemplo, “A República”, de Platão, escrita por volta de 330 a.C., onde o sábio grego descreve um Estado perfeito, governado por um rei-filósofo. Santo Agostinho coloca, em sua “A Cidade de Deus”, do século V, a religião como base para uma sociedade ideal e sem atritos. Thomas Morus, por seu turno, publicou, no século XVI, o seu muito citado, mas pouco lido, “Sobre a Melhor Condição do Estado e Sobre a Nova Ilha Utopia”.
Nesse seu mundinho restrito, mas perfeito, a moral seria baseada estritamente na virtude, o trabalho seria dever de todos e distribuído eqüitativamente e o tempo de lazer seria empregado pelo homem no enriquecimento cultural. Esperava-se que uma sociedade, que pelo menos se aproximasse disso, viesse a existir neste século XX. Mas o que se viu no seu transcorrer? Um avanço tecnológico fantástico acompanhado de uma regressão no comportamento às fronteiras da barbárie.
Parte da culpa desse retrocesso deve-se aos intelectuais, aos artistas, aos escritores, e à sua ânsia de inovar, mesmo que a inovação significasse recuo. Muitos endeusaram tiranos e a maioria simplesmente se omitiu. Aleksandr Soljenytsin, todavia, adverte: “se nós, os criadores de arte, nos submetermos obedientemente a este deslize por baixo, se deixarmos de nutrir e valorizar a grande tradição cultural dos séculos passados, juntamente com os fundamentos espirituais dos quais ela surgiu, estaremos contribuindo para a queda extremamente perigosa do espírito humano, para a degeneração da humanidade em direção a alguma espécie de estado inferior, que mais se aproxima do mundo animal”.
Cabe, pois, ao intelectual, ao escritor contemporâneo, sinalizar uma nova utopia, que apesar do seu significado (em grego significa “não existe tal lugar”), pode sair do plano da idealização e se fazer concreta.

(Capítulo do livro “Por uma nova utopia”, Pedro J. Bondaczuk, páginas 13 a 15, 1ª edição – 5 mil exemplares – fevereiro de 1998 – Editora M – São Paulo).

2 comments:

Anonymous said...

Pedro:
Boa tarde.
Muito me agrada ler teus textos.
São "aulas" preciosas para mim!!!
Um beijo da amiga que gosta muito de você,
Valêska.

Anonymous said...

EU ACHO MEU AMIGO QUE CABE A CADA UM DE NÓS.MAS, SINCERAMENTE???