Pedro J. Bondaczuk
O futebol, no Brasil, tem um papel que extrapola, em muito, sua finalidade básica, que é o lazer. Vai além, também, de uma outra função que alguns lhe atribuem, a de catarse coletiva, de válvula de escape de tensões e frustrações, como é utilizado, inclusive – ao lado de outros esportes – em diversas outras sociedades nacionais, mesmo aquelas que ostentam estágios de civilização mais avançados do que o nosso
Desperta paixões exacerbadas de amor (pelo clube de coração do torcedor) e de ódio (pelos adversários), como poucas coisas na vida são capazes de despertar. Muitos (diria, a maioria) atribuem-lhe importância igual, quando não maior do que a das religiões. E por que?
Há tempos que o fenômeno carece de um estudo mais profundo de sociólogos, psicólogos e especialistas na ciência do comportamento. Chega a ser, não raro, utilíssimo instrumento político, quando manejado com perícia (diria, com competente demagogia) com resultados impressionantes a quem dele se utiliza com esse fim.
Por ser paixão nacional, o futebol tem servido, especialmente a partir da década de 1950, quando nosso país começou a se destacar nesse esporte em âmbito internacional, como detonador de explosões, que oscilam do otimismo que descamba para a euforia, quando é bem-sucedido, ao derrotismo e conseqüente depressão, quando fracassa em Copas do Mundo.
Por sermos um país bastante jovem, muito extenso e com culturas, costumes e tradições bastante variados nas nossas diversas regiões, temos poucas coisas que nos ligam, indistintamente, e que nos dêem características de nação. Nossa nacionalidade ainda está em fase de maturação e o futebol tem se mostrado importante fator de união nacional, provavelmente o maior de todos.
Basta ver as manifestações de civismo, por ocasião de uma Copa do Mundo, quando o Brasil inteiro – inclusive tribos de índios perdidas na Amazônia ou no Centro-Oeste – se veste de verde e amarelo, e quando bandeiras brasileiras tremulam por toda a parte e o Hino Nacional é cantado, a plenos pulmões, antes de partidas importantes e, principalmente, quando a Seleção consegue retumbantes vitórias, o que se tornou, há muitos anos, cada vez mais comum.
Uma questão intrigante, porém, é a razão de um esporte que nada tinha a ver com nossos costumes e tradições, inventado na Inglaterra, de onde foi importado em fins do século XIX e que foi praticado, por muito tempo, apenas, por aristocratas, ou seja, pela elite, ter caído tanto no gosto popular.
Objetivamente, trata-se de um jogo até monótono, com regras nem sempre muito claras, muitas delas interpretativas e que, quando mal jogado, chega mesmo a dar sono. E no entanto... Há outros esportes muito mais dinâmicos e emocionantes, mas que entre nós não têm um milésimo da popularidade do futebol.
Ressalte-se que essa paixão brotou de forma espontânea, sem que houvesse nenhum planejamento nesse sentido ou qualquer forma subjetiva de indução, e que nem mesmo teve grande divulgação. Todavia, aos poucos, se alastrou não somente nos grandes centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, mas por todo o território nacional, tornando-se mania dos brasileiros. Hoje, até campeonatos indígenas são disputados, com o mesmo entusiasmo de um Campeonato Brasileiro da Primeira Divisão.
Destaque-se que essa expansão sequer se deveu à exposição do futebol nos meios de comunicação, que na época da sua introdução no País, eram poucos, e bastante precários. Quando as primeiras emissoras de rádio, por exemplo, começaram a funcionar no País, por volta de 1922, o esporte já estava bastante popularizado entre nós, isso oito anos antes da disputa da primeira Copa do Mundo, ocorrida em 1930, no Uruguai. No mesmo ano da implantação da televisão no Brasil, nossa seleção deixou escapar por entre os dedos o primeiro título mundial. Mas atraiu para o recém-inaugurado Estádio do Maracanã uma multidão superior a 200 mil pessoas! Que espetáculo consegue hoje façanha desse porte?
Os jornais da época, por seu turno, tratavam o esporte como tratam, hoje, qualquer outro tipo lazer, publicando notas esporádicas sobre jogos em páginas internas, sem sequer dedicar à modalidade uma editoria específica, e muito menos sem lhe dar manchetes garrafais nas primeiras páginas, como ocorre hoje. Muitos clássicos sequer foram noticiados, pelo fato dos editores não lhes atribuírem a mínima importância, o que, inclusive, torna a tarefa dos historiadores de clubes um magnífico desafio. Está aí um excelente filão temático a ser explorado pelos estudiosos. Se é, claro, que o fenômeno possa ter alguma explicação racional. Desconfio que não tem.
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