Friday, October 05, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - País mais sombrio


País mais sombrio


Pedro J. Bondaczuk


O Brasil tornou-se, nos últimos dias, literalmente, um país mais sombrio, em todos os sentidos. Carece, cada vez mais, de luz. Não bastassem as sucessivas denúncias de corrupção dos políticos, em todos os níveis da vida pública; a escalada da inflação; o incremento da violência e até a sofrível performance da Seleção Brasileira de futebol, na iminência de ficar, pela primeira vez na história, fora de uma Copa do Mundo, agora as ruas, avenidas, parques e monumentos das principais cidades do País também estão (no período noturno), na penumbra.

Isto é consequência das medidas recém-adotadas pelo governo federal, algumas já postas em prática, de poupança de energia elétrica, numa desesperada tentativa de evitar os temidos "apagões". Os bandidos, evidentemente, "agradecem". A população, que sustenta o Estado com impostos nada suaves, e que elegeu os atuais governantes, na presunção de que eles eram competentes e aptos para evitar essa dramática situação (e muitas outras), acaba, mais uma vez, sendo responsabilizada pelo que não fez. E é penalizada, em todos os sentidos, sem ter para quem reclamar.

Além de não poder contar com o conforto da eletricidade farta e barata, para satisfazer plenamente suas necessidades (afinal, paga, e muito, pelo fornecimento) conforme promessa feita quando do início do processo de privatização das empresas geradoras de energia elétrica, se vê ameaçada pelo crescimento da violência urbana e da criminalidade. O próprio governo deu a entender, em passado ainda recente, que a má iluminação das ruas das grandes cidades era, senão um incentivo, pelo menos uma facilidade para o aumento do número de roubos, assaltos e outros delitos contra a vida e contra o patrimônio.

Tanto que um dos principais pontos do alardeado (e fracassado) plano "Antiviolência", anunciado no ano passado, com grande estardalhaço e farta publicidade, pelo Ministério da Justiça, era o "Reluz". Ou seja, a liberação de verbas federais aos Estados e municípios, destinadas a financiar obras tendentes a iluminar melhor nossas principais metrópoles, assegurando, dessa forma, maior segurança à população.

No entanto, agora, não só esse projeto é deixado de lado, como a iluminação pública acaba sendo reduzida, e muito, (em no mínimo 35%). Vai ser uma festa para os ladrões! É, ou não é, uma incoerência, para não dizer outra coisa? A vida, por isso, tende a se tornar muito mais difícil do que já é, durante o tempo em que durar esse racionamento (só Deus sabe quanto!). Todos os espetáculos públicos, no período noturno, por exemplo, como jogos de futebol, basquete ou vôlei; espetáculos de circo, rodeios e parques de diversão, etc., estão proibidos. Fica, pois, comprometido o lazer popular. E os profissionais que atuam nessas atividades estão em sérias dificuldades...

Além de tudo, cada brasileiro está sendo "intimado" (é esse o termo exato para as medidas, anunciadas na semana passada, pelo que já foi apelidado de "Ministério do Apagão") a pagar a conta, como se fosse um grande gastador, um irresponsável perdulário, um notório desperdiçador de energia elétrica. Evidentemente, não é! Estatísticas internacionais, da maior confiabilidade, mostram que o País está situado no 82º lugar no ranking mundial de consumo per capita de eletricidade! Mesmo com uma população de menos da metade da dos Estados Unidos, O Brasil consome, em média, por ano, dez vezes menos energia elétrica do que a grande superpotência. Este é um dado irrefutável!

Ademais, a demanda residencial representa apenas 27% da total. A economia que deve gerar, portanto, não resolverá, com toda a certeza, o problema atual. Só vai causar profundo (e compreensível) desgaste político no governo, nas vésperas da sucessão presidencial, além de imensos contratempos a toda a população. As multas a serem cobradas das famílias que não alcançarem a cota de 20% de economia, imposta pelo Ministério do Apagão, se constituem em clamoroso abuso (senão numa flagrante ilegalidade). Tais medidas, provavelmente, serão derrubadas na Justiça, antes mesmo de entrarem em vigor, dado o bom senso do nosso Judiciário.

Quem deveria pagar essa conta toda, frise-se, seriam os verdadeiros responsáveis: os mentores do atual modelo energético do País. A culpa dessa situação, prevista há mais de dez anos (e que o presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o surpreendeu) tem sido lançada, principalmente, sobre São Pedro, que não teria mandado chuvas suficientes, durante o verão, para encher os reservatórios de água das nossas principais hidrelétricas. Como desculpa, para os leigos, até que soa aceitável. Mas não se sustenta diante das evidências. A rigor, (embora as autoridades deem a entender que não), o problema energético brasileiro não está na deficiência de geração de eletricidade. O Sul e o Norte do País têm energia em abundância! Tanto que estão livres das medidas de contenção. O que falta são linhas de transmissão, para aproveitar esses preciosos quilowatts excedentes, nas regiões em que eles são escassos: Sudeste, Nordeste e Centro Oeste. Onde estão os investimentos prometidos durante o processo de privatização? O que tem sido feito para ampliar a oferta de energia? A quem competia evitar a atual situação? A São Pedro? À população? Ou aos (ir)responsáveis pela política energética do País?!?

(Editorial da Folha do Taquaral de 22 de maio de 2001).

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