O Bingo da Educação
Pedro J. Bondaczuk
A educação é apontada,
amiúde, como a grande realização do governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso. De fato, houve uma inegável evolução nesse
campo, com a nova Lei de Diretrizes e Bases e outras iniciativas
louváveis, tendentes a melhorar o ensino no País.
Mas daí a dizer que o Brasil
goza de uma situação tranquila nesse setor, que lembre, mesmo que
remotamente, à de países do Primeiro Mundo, é um enorme exagero.
Ainda há muito a ser feito para que se atinja um nível pelo menos
aceitável.
No final do ano passado, e
início deste, por exemplo, repetiu-se um ritual, que já está
virando rotina, de milhares de pais acampando na porta de escolas
para garantir vagas para os filhos, em diversas cidades brasileiras,
entre as quais Campinas.
Os que conseguiam, festejavam
como se tivessem ganhado um prêmio de loteria. E provavelmente
ganharam. Obtiveram a garantia de que seus filhos vão ter um ensino
que, se não for de primeira qualidade, se aproxima do ministrado
pelos colégios particulares, de mensalidades proibitivas para a
maioria da população.
As escolas públicas do País,
que já foram referências e formaram nossas elites no passado,
sofreram uma deterioração qualitativa dos anos 60 para cá. As que
ainda conservam um certo nível de excelência são, evidentemente,
as procuradas pelos pais. Daí esse sacrifício todo pela obtenção
de uma vaga.
O sucesso pode significar a
diferença entre o ingresso ou não em uma universidade no futuro. Ou
seja, entre uma qualificação profissional que mude o status para
melhor ou dificuldades praticamente intransponíveis para arranjar um
emprego.
Mas as cenas mais surrealistas
ficaram reservadas para quarta-feira da semana passada, com o
autêntico "bingo da educação" realizado na Capital e
várias cidades do Estado, entre as quais Campinas. Foram efetuados,
em vários locais --- um deles, em São Paulo, foi num ginásio do
Pacaembu superlotado --- sorteios de vagas para a 1ª série do 2º
grau (o antigo colegial ou científico, para os mais antigos), na
rede estadual.
Cenas de desespero foram
protagonizadas pelos que não foram sorteados para escolas próximas
de suas casas, ou para os horários pretendidos, em geral à noite. O
número de vagas para o período noturno --- bastante procurado, pois
a maioria dos candidatos trabalha --- era limitado.
A decepção entre os
preteridos era maior entre esses candidatos. O fato de não serem
sorteados pode significar uma opção das mais perversas: trabalhar,
abandonando os estudos ou estudar, mas sem poder ajudar
economicamente a família.
Em São Paulo, haverá mais
dois sorteios, amanhã e no próximo dia 27. Os premiados nesse
"bingo da educação" poderão escolher os colégios e
períodos que desejam estudar. Os que não tiverem essa sorte...
Entende-se a preocupação da
Secretaria de Educação, que com essa forma de seleção pretendeu
dar oportunidades iguais para todos. Isso, no entanto, não deixa de
revelar uma situação lamentável.
Não é de se estranhar que
tão poucos estudantes que iniciam a 1ª série do 1º grau
(primário) consigam chegar à universidade. Pesquisa do IBGE mostra,
por exemplo, que em 1994, dos 13.564.878 brasileiros na faixa etária
dos 20 aos 24 anos, apenas 1.661.034 estavam matriculados no ensino
superior, ou 12,25%. Índice inferior, inclusive, ao de diversos
países carentes do Terceiro Mundo. Não é de se estranhar, mas de
se lamentar.
(Editorial número um
publicado na página 2 do Correio Popular em 19 de janeiro de 1998).
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