Thursday, October 04, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Economia ou racionamento


Economia ou racionamento


Pedro J. Bondaczuk


O governo federal, através da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), está prestes a tornar oficiais, nas próximas horas, algumas medidas, fartamente divulgadas nos últimos dias pela imprensa, tendentes a reduzir drasticamente o consumo de eletricidade em todo o País, para evitar um indesejável racionamento.

A decisão, conforme justificam os técnicos, deve-se aos baixos níveis das águas em diversos reservatórios (alguns com apenas 35% da sua capacidade normal), responsáveis pela movimentação de turbinas de boa parte das hidrelétricas brasileiras, notadamente das regiões Sudeste e Centro Oeste, em decorrência de um verão inusitadamente seco nessas áreas, com chuvas insuficientes para repor os níveis ideais das represas.

Trata-se, pois, da primeira vez em que a população é convocada (talvez o termo mais correto seria "intimada" ou "coagida") a fazer esse tipo de economia, sob ameaça de pesadas multas, que em alguns casos poderiam elevar as contas de luz em até 400% ou mais. A medida, entre outras coisas, ameaça o tímido crescimento da atividade econômica que se esboça no País, com possibilidades reais de afetar severamente a produção industrial e aumentar, ainda mais, o já escandaloso nível de desemprego que se verifica na atualidade, apesar das negativas do governo, agravando ainda mais o já gravíssimo caos social. Há, portanto, uma série de questionamentos, e de críticas, todos altamente pertinentes, contra tão draconianas providências, tanto de ordem jurídica, quanto, e principalmente, de caráter prático.

Há, por exemplo, quem questione a falta de investimentos em novas unidades de geração de energia elétrica (hidrelétricas, termelétricas, etc.) nas áreas de maior consumo, como a principal responsável pelo atual risco de escassez. Afinal, a maior capacidade da iniciativa privada de investir, neste tão sensível e estratégico setor (e em outro qualquer) foi um dos pretextos (o principal) para a privatização de várias das empresas estatais, que até funcionavam a contento.

Nota-se, no entanto, que pouco (ou nada) se investiu, embora houvesse considerável crescimento da atividade econômica, com a consequente e esperada elevação do consumo. E apesar do compromisso assumido pelas diversas concessionárias, beneficiadas com a aquisição de rentáveis complexos de geração e de distribuição de energia elétrica, em várias partes do País, a preços altamente compensadores (quando não subsidiados pelo Estado, caracterizando quase que uma "doação"), pelo menos até aqui, pouco, ou nada, se construiu.

Entre os questionamentos às medidas anunciadas pela Aneel estão os de renomados juristas, que garantem que as providências propostas são, sobretudo, inconstitucionais. Ademais (e não são necessárias sequer provas concretas a respeito), o maior desperdício de eletricidade ocorre no próprio setor público. Só em lâmpadas acesas sem qualquer necessidade, dia e noite sem parar, em inúmeros edifícios do governo, que mais parecem gigantescas e feéricas árvores de Natal, alguns milhões de quilowatts são desperdiçados, de forma estúpida e irracional, sem que nada se faça e sem que os responsáveis sejam cobrados.

Uma pergunta ainda carente de resposta refere-se ao destino a ser dado às multas que seriam cobradas das famílias e das empresas que não reduzissem o consumo, caso as propaladas medidas fossem, de fato, implementadas, e tudo indica que o serão (a intenção é que passem a vigorar já a partir de 1º de junho próximo).

O dinheiro arrecadado iria para os cofres das concessionárias ou da Aneel? Caso o destino fosse o das empresas fornecedoras de energia, estaria caracterizada a prática do "preço abusivo", de acordo com o Código Nacional do Consumidor, delito passivo de severa punição. E qual seria a aplicação desses recursos? Como seria feito o controle das contas de luz? Quem se encarregaria, por exemplo, das leituras dos relógios e da comparação com o consumo do mesmo período do ano passado, para apurar se houve ou não a redução pretendida? Se forem as concessionárias, isto vai equivaler a "entregar a guarda do galinheiro à responsabilidade da raposa".

Não se trata, portanto, de pessimismo considerar que uma tarefa desse porte, por sua complexidade e abrangência, não está nas possibilidades de nenhuma das empresas do País. Que haveria escassez de energia elétrica, a partir dos primeiros anos deste século, todas as pessoas razoavelmente bem informadas já sabiam há pelo menos dez anos. Foram inúmeros os alertas nesse sentido, feitos por especialistas, e divulgados com estardalhaço por vários órgãos de imprensa, sem que nenhuma providência prática fosse tomada. Aliás, desde a década dos 80s que se cobram maiores (e mais racionais) investimentos no setor energético. Em vão! Algumas hidrelétricas foram, de fato, construídas, mas com escandalosos superfaturamentos em seus custos, cuidadosamente escondidos da opinião pública. Unidades orçadas em um determinado valor (em geral já superdimensionado), quando concluídas acabaram custando o dobro, o triplo ou mais. E nenhum desses "Lalaus" da vida foi sequer identificado, quanto mais molestado. Por que? É um mistério!

A falta de chuvas do último verão não passa, portanto, de um esfarrapado pretexto para tentar esconder a incompetência (para se dizer o mínimo) de quem tinha a obrigação de prever soluções para situações críticas, como a deste ano, mas que não previu. O País não pode ficar a mercê de decisões desses burocratas insensíveis, ou na dependência dos caprichos da natureza, num setor econômico tão estratégico, quanto o da geração e distribuição de energia elétrica. Afinal, ao contrário do que pensa o vulgo, "um raio não cai uma única vez num mesmo lugar". Não necessariamente...

(Editorial da Folha do Taquaral da segunda quinzena de maio de 1998)/



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