Futebol passado a limpo
Pedro J. Bondaczuk
As mazelas e falcatruas no
futebol brasileiro, que vêm se sucedendo há anos, sem que nada
tenha sido feito no sentido da sua moralização, chegaram,
recentemente, a um ponto intolerável. Casos como os da falsificação
de certidões de nascimento de atletas, reduzindo a idade para terem
seus passes valorizados (os chamados "gatos"),
proliferaram, aos montes.
A avalanche de denúncias foi
deflagrada desde que o jogador Sandro Hiroshi, e seu clube, o São
Paulo, foram punidos, no campeonato nacional de 1999, o que redundou
em benefício para o Botafogo do Rio de Janeiro e em prejuízo para o
Gama, de Brasília, que nada teve a ver com isso, mas que os cartolas
teimavam em querer rebaixar para a Segunda Divisão. O atleta, no
caso, como tantos outros em igual situação, é o menos culpado na
história. Foi vítima da ganância e do mau caratismo de empresários
venais, de péssimos dirigentes desportivos e de funcionários
corruptos de Cartórios de Registro. O time paulista entrou de gaiato
nessa história, pois agiu de boa fé e foi prejudicado, sem nada
dever. E o carioca auferiu benefícios que não lhes eram cabíveis,
graças aos conchavos de bastidores de cartolas acostumados a fazer a
opinião pública de tola.
Destaque-se que esse não foi
o primeiro (espera-se que seja o último) caso desse tipo. Há muitos
e muitos "gatos" miando pelos gramados brasileiros e
principalmente do Exterior, à espera de serem descobertos, e
devidamente punidos, junto, principalmente, com os seus mentores e
cúmplices. Em defesa dos seus direitos, desafiando mundos e fundos,
inclusive a vetusta e um tanto ridícula Fifa, que se meteu numa
questão da qual não conhece nada para dar palpite errado, como
sempre faz, o clube brasiliense recorreu, sabiamente, à Justiça
comum. E...ganhou. E nem poderia deixar de ganhar, tão ridícula era
a pretensão dos que exigiam o seu rebaixamento.
Com isso, o Gama forçou essa
entidade esdrúxula e caricata, chamada de "Clube dos Treze"
(que é toda errada, desde o próprio nome, pois na verdade é
composta por vinte membros), a promover um arremedo de torneio
nacional, que recebeu o nome de "Copa João Havelange",
mais conhecida pelos torcedores e por parte da imprensa esportiva
descomprometida como "Boca Livre", pelo número absurdo de
participantes. Foi um fracasso e terminou de forma melancólica, com
os incidentes registrados na final, entre São Caetano e Vasco da
Gama, no Estádio de São Januário. O novo jogo, no Maracanã, foi
outro escândalo!
A corrompida, arcaica e feudal
Confederação Brasileira de Futebol simplesmente lavou as mãos na
questão, argumentando com uma suposta punição da Fifa caso
organizasse o campeonato de 2000, como lhe competia fazer. Com isso,
as raposas foram incumbidas de tomar conta do galinheiro. Mas a CBF
não escapou (e nem poderia escapar, pois encheu todas as medidas) de
uma investigação (que se espera seja profunda, justa e honesta) de
todas as negociatas (a principal das quais é o badalado contrato de
patrocínio com a Nike) e falcatruas que promove, ou que faz de conta
que não vê, e que limpe, de uma vez para sempre, o futebol
brasileiro dos ratos que o infestam.
Mas a incompetência e as
inúmeras irregularidades do futebol brasileiro não param por aí.
Antes parassem...Vão desde a sonegação de impostos e não
recolhimento da Previdência de atletas e funcionários à utilização
do malfadado, e sempre negado, "Caixa 2", na venda de
jogadores para o Exterior, na qual o valor declarado do passe é, em
geral, metade daquele de fato pago pelo comprador. A diferença vai
para qualquer bolso, menos para os cofres dos clubes, que continuam
endividados, decadentes, abandonados e, por serem (salvo raríssimas
e honrosíssimas exceções), pessimamente administrados,
virtualmente falidos. Mas continuam sendo "bons negócios"
para malandros, que enriquecem às suas custas.
As mazelas e falcatruas
chegaram a tal ponto, que os políticos resolveram, pela primeira vez
na história, averiguar o que se passa. E foram abertas duas, e não
apenas uma, Comissões Parlamentares de Inquérito, uma na Câmara de
Deputados e outra no Senado, independentes, mas que se complementam,
tamanhas e tantas são as irregularidades no nosso futebol. A
desorganização, a desonestidade e as infinitas mutretas e
marmeladas existentes nos vários campeonatos (os árbitros que o
digam), afastam o público dos estádios, aumentam as estratosféricas
dívidas dos clubes e trazem reflexos extremamente daninhos inclusive
para a nossa Seleção. Os resultados estão aí. Ninguém mais
respeita o futebol tetracampeão do mundo. Aliás, vem fazendo papel
ridículo (se comparado com suas conquistas e tradições) nas
Eliminatórias para a Copa de 2002. Isto, sem contar o vexame das
Olimpíadas de Sydney.
A pergunta que se impõe é:
as CPIs vão adiantar? Vão moralizar o futebol e afastar figuras
nefastas e daninhas, que tanto mal têm feito aos clubes? Depende.
Seu papel, conforme sugere seu próprio nome, é meramente
investigativo. Não têm caráter punitivo. Cabe à Justiça, através
dos seus vários órgãos, punir delitos e delinquentes, tendo em
mãos as provas e indícios coletados pelos parlamentares. O
benefício mais concreto que pode (e deve) advir dessas investigações
é a aprovação de leis rígidas, modernas e adequadas à nossa
realidade, para normatizar as apodrecidas entidades desportivas do
País. E que serão muito bem vindas.
(Editorial da Folha do
Taquaral de 15 de março de 2001)
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