Sunday, October 07, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Futebol passado a limpo


Futebol passado a limpo


Pedro J. Bondaczuk


As mazelas e falcatruas no futebol brasileiro, que vêm se sucedendo há anos, sem que nada tenha sido feito no sentido da sua moralização, chegaram, recentemente, a um ponto intolerável. Casos como os da falsificação de certidões de nascimento de atletas, reduzindo a idade para terem seus passes valorizados (os chamados "gatos"), proliferaram, aos montes.

A avalanche de denúncias foi deflagrada desde que o jogador Sandro Hiroshi, e seu clube, o São Paulo, foram punidos, no campeonato nacional de 1999, o que redundou em benefício para o Botafogo do Rio de Janeiro e em prejuízo para o Gama, de Brasília, que nada teve a ver com isso, mas que os cartolas teimavam em querer rebaixar para a Segunda Divisão. O atleta, no caso, como tantos outros em igual situação, é o menos culpado na história. Foi vítima da ganância e do mau caratismo de empresários venais, de péssimos dirigentes desportivos e de funcionários corruptos de Cartórios de Registro. O time paulista entrou de gaiato nessa história, pois agiu de boa fé e foi prejudicado, sem nada dever. E o carioca auferiu benefícios que não lhes eram cabíveis, graças aos conchavos de bastidores de cartolas acostumados a fazer a opinião pública de tola.

Destaque-se que esse não foi o primeiro (espera-se que seja o último) caso desse tipo. Há muitos e muitos "gatos" miando pelos gramados brasileiros e principalmente do Exterior, à espera de serem descobertos, e devidamente punidos, junto, principalmente, com os seus mentores e cúmplices. Em defesa dos seus direitos, desafiando mundos e fundos, inclusive a vetusta e um tanto ridícula Fifa, que se meteu numa questão da qual não conhece nada para dar palpite errado, como sempre faz, o clube brasiliense recorreu, sabiamente, à Justiça comum. E...ganhou. E nem poderia deixar de ganhar, tão ridícula era a pretensão dos que exigiam o seu rebaixamento.

Com isso, o Gama forçou essa entidade esdrúxula e caricata, chamada de "Clube dos Treze" (que é toda errada, desde o próprio nome, pois na verdade é composta por vinte membros), a promover um arremedo de torneio nacional, que recebeu o nome de "Copa João Havelange", mais conhecida pelos torcedores e por parte da imprensa esportiva descomprometida como "Boca Livre", pelo número absurdo de participantes. Foi um fracasso e terminou de forma melancólica, com os incidentes registrados na final, entre São Caetano e Vasco da Gama, no Estádio de São Januário. O novo jogo, no Maracanã, foi outro escândalo!

A corrompida, arcaica e feudal Confederação Brasileira de Futebol simplesmente lavou as mãos na questão, argumentando com uma suposta punição da Fifa caso organizasse o campeonato de 2000, como lhe competia fazer. Com isso, as raposas foram incumbidas de tomar conta do galinheiro. Mas a CBF não escapou (e nem poderia escapar, pois encheu todas as medidas) de uma investigação (que se espera seja profunda, justa e honesta) de todas as negociatas (a principal das quais é o badalado contrato de patrocínio com a Nike) e falcatruas que promove, ou que faz de conta que não vê, e que limpe, de uma vez para sempre, o futebol brasileiro dos ratos que o infestam.

Mas a incompetência e as inúmeras irregularidades do futebol brasileiro não param por aí. Antes parassem...Vão desde a sonegação de impostos e não recolhimento da Previdência de atletas e funcionários à utilização do malfadado, e sempre negado, "Caixa 2", na venda de jogadores para o Exterior, na qual o valor declarado do passe é, em geral, metade daquele de fato pago pelo comprador. A diferença vai para qualquer bolso, menos para os cofres dos clubes, que continuam endividados, decadentes, abandonados e, por serem (salvo raríssimas e honrosíssimas exceções), pessimamente administrados, virtualmente falidos. Mas continuam sendo "bons negócios" para malandros, que enriquecem às suas custas.

As mazelas e falcatruas chegaram a tal ponto, que os políticos resolveram, pela primeira vez na história, averiguar o que se passa. E foram abertas duas, e não apenas uma, Comissões Parlamentares de Inquérito, uma na Câmara de Deputados e outra no Senado, independentes, mas que se complementam, tamanhas e tantas são as irregularidades no nosso futebol. A desorganização, a desonestidade e as infinitas mutretas e marmeladas existentes nos vários campeonatos (os árbitros que o digam), afastam o público dos estádios, aumentam as estratosféricas dívidas dos clubes e trazem reflexos extremamente daninhos inclusive para a nossa Seleção. Os resultados estão aí. Ninguém mais respeita o futebol tetracampeão do mundo. Aliás, vem fazendo papel ridículo (se comparado com suas conquistas e tradições) nas Eliminatórias para a Copa de 2002. Isto, sem contar o vexame das Olimpíadas de Sydney.

A pergunta que se impõe é: as CPIs vão adiantar? Vão moralizar o futebol e afastar figuras nefastas e daninhas, que tanto mal têm feito aos clubes? Depende. Seu papel, conforme sugere seu próprio nome, é meramente investigativo. Não têm caráter punitivo. Cabe à Justiça, através dos seus vários órgãos, punir delitos e delinquentes, tendo em mãos as provas e indícios coletados pelos parlamentares. O benefício mais concreto que pode (e deve) advir dessas investigações é a aprovação de leis rígidas, modernas e adequadas à nossa realidade, para normatizar as apodrecidas entidades desportivas do País. E que serão muito bem vindas.


(Editorial da Folha do Taquaral de 15 de março de 2001)



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: